São Paulo, sexta-feira, 27 de agosto de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Os riscos do crescimento econômico

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Um dos debates mais intrigantes sobre a economia mundial, neste ano da volta da Olimpíada à Grécia, é aquele que envolve a questão dos desajustes macroeconômicos dos EUA. De um lado, estão os defensores de uma catástrofe inevitável envolvendo a moeda americana; do outro, os que acreditam que os crescentes déficits comerciais da maior economia do mundo não trarão problemas maiores e o dólar continuará a ser a moeda internacional dominante. Os membros do primeiro grupo são chamados de catastrofistas; seus opositores gostam de ser chamados de realistas.
Os catastrofistas argumentam que a sociedade americana habituou-se a manter um nível de consumo muito elevado, e as empresas que atendem aos seus desejos estão, há muito tempo, migrando para países com custos de produção menores, em razão de salários mais baixos. Esse processo de migração das empresas para fora dos Estados Unidos acelerou-se a partir das últimas décadas do século passado em razão da revolução tecnológica, como as telecomunicações e a informática.
Mais recentemente, a emergência da China, como o grande pólo de produção de bens de consumo de baixos preços, aprofundou esse fosso entre o que os americanos consomem e sua produção doméstica de bens e serviços. Entre 1996 e 2004, a demanda real cresceu a uma taxa de 3,6% ao ano, enquanto o PIB cresceu a uma taxa de 3,5%. Esse movimento acelerou-se neste novo século em que vivemos: entre o último trimestre de 2001 e o último de 2003, o descompasso entre produção e consumo chegou a 1% ao ano.
O déficit comercial dos Estados Unidos é hoje superior ao déficit fiscal do Tesouro, outro indicador importante dessa tendência, na medida em que não são apenas os gastos do governo que explicam o desequilíbrio do seu comércio exterior. Os gastos dos consumidores já fazem parte do déficit estrutural da maior economia do mundo.
Trata-se, portanto, de uma tendência de longo prazo, o que faz o aumento do déficit comercial, mantido esse comportamento do consumidor americano, continuar. Por outro lado, os juros e os dividendos recebidos pelos investidores estrangeiros, por suas aplicações em ativos financeiros nos Estados Unidos, também aumentam a uma velocidade crescente, fazendo com que o volume de dólares que acabam nas mãos de não-residentes não pare de crescer.
A teoria econômica nos ensina que as economias de mercado têm uma racionalidade implícita em seu funcionamento e que, em situações como essa, criam seu próprio mecanismo de correção. Países que, como os Estados Unidos, apresentam desequilíbrios externos continuados acabam sofrendo desvalorização de sua moeda. Com isso, dois fenômenos simultâneos ocorrem: de um lado, diminui a demanda por bens importados e incrementam as exportações; de outro, ocorre um aumento da inflação, o que leva o banco central a elevar os juros, a diminuir o consumo e, portanto, a reduzir as importações.
Com o tempo, há um processo de ajuste nas contas externas do país deficitário e um reequilíbrio nos mercados. Mas isso ocorre nos livros, porém não em um mundo no qual existem políticas econômicas nacionais que agem para evitar uma queda em suas vendas externas. É o que está acontecendo hoje com os países asiáticos, principalmente Japão e China. Em um mundo com superoferta de recursos para investimentos, que é aquilo a que estamos assistindo, o bem escasso é o consumo, e não o investimento. Portanto ninguém quer perder o consumo quase maníaco do cidadão que mora na terra do Tio Sam.
Por isso os bancos centrais asiáticos compram os dólares que sobram nas mãos de seus exportadores e evitam a valorização de sua moeda. O ajuste previsto nos livros-texto não ocorre, e o desequilíbrio externo americano se eterniza. Em uma democracia populista, como a que existe hoje nos Estados Unidos, nenhum político tem condições de propor um ajuste apenas interno, que, por meio de um aumento brutal dos juros e dos impostos, promova uma recessão forte por um período longo. Mesmo porque corre-se o risco de que uma recessão no maior centro de consumo do mundo acabe se espalhando mundialmente e reproduza o que ocorreu na década de 30.
Por isso estamos em uma verdadeira armadilha, como defendem os catastrofistas. Nessa situação, ocorre uma espécie de aliança mundial para evitar esse cenário, postergando um ajuste que terá de ocorrer de qualquer modo. Em e-mail recente, o jornalista Milton da Graça me pergunta o que eu faria se fosse guindado, por algum tipo de mágica, à condição de presidente do Federal Reserve. Minha resposta é simples: devemos começar derrotando o presidente George W. Bush nas eleições de novembro e abrir espaço para um acordo internacional do tipo que ocorreu em Paris alguns anos atrás.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 61, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).

Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br


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