São Paulo, sexta-feira, 27 de agosto de 2004

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LUÍS NASSIF

A voz dos minoritários

Seria prudente que a cobertura jornalística avaliasse um pouco melhor o espaço que concede à Animec (Associação Nacional de Investidores do Mercado de Capitais) para supostamente representar direitos de acionistas minoritários.
Existem advogados e existem lobistas, incumbidos da defesa de quem os contrata. São atividades lícitas, desde que transparentes. O que não é possível é que esse tipo de atividade seja encoberta por uma suposta representatividade que não existe nem formal nem legitimamente.
No episódio Cataguazes Leopoldina, a Animec assumiu claramente a posição dos sócios dissidentes do grupo de controle. Pagou anúncios enormes em jornais de grande circulação, sem ter recursos para tal. Não se tratava de defender minoritários, mas integrantes do bloco de controle. Independentemente de quem tivesse razão, é evidente que não era a figura do minoritário que estava em jogo. Mas o poder da Animec residia no fato de ser percebida -por falta de critério de cobertura- como representante dos minoritários em geral.
No episódio AmBev -operação que foi condenada por vários diários econômicos internacionais, como lesiva aos interesses dos minoritários-, a Animec serviu de biombo para supostas prestações de conta da empresa ao mercado. Sua alegação era a de que a empresa agiu de acordo com o que a lei previa. Belo argumento, desde que utilizado pelos advogados da companhia.
No episódio Cataguazes, a empresa também agia de acordo com a lei. A reação da Animec foi condená-la. Qual o critério para uma posição e outra?
Essa organização não teria nenhuma importância, não fosse o fato de que seu poder deriva do espaço que lhe é conferido na mídia. Se a cobertura deixasse claro que a Animec não é representante de minoritários e esclarecesse qual o interesse que está por trás de cada uma de suas posições, ela seria reduzida à sua verdadeira dimensão.
Há condições objetivas de criar um mercado de capitais capaz de captar a poupança popular. O país já dispõe de ampla gama de gestores de fundos, de uma poupança abundante que, mais cedo ou mais tarde, virá para a atividade produtiva.
Um dos princípios básicos de um mercado regulado é o direito à plena informação.
Em um país em desenvolvimento, sem instituições consolidadas e sem paradigmas claramente definidos, esse direito é relativo. A plena informação pressupõe também o claro entendimento das regras e dos interesses em jogo. Quando, em um episódio controverso qualquer, aceita-se acriticamente qualquer organização como "representante dos minoritários", a posição exarada ganha força tremenda. Há um relaxamento da fiscalização da mídia cada vez que essas organizações sustentam que o controlador tem razão ou que o minoritário está sendo tungado.
Para que haja governança corporativa no mercado, dando segurança ao minoritário, é fundamental que haja governança, antes, nos órgãos que dizem representar seus interesses.

E-mail -
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