São Paulo, domingo, 27 de agosto de 2006

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ENTREVISTA

LUIZ ROBERTO AYOUB

Responsável pela recuperação judicial da empresa diz que não decretou falência porque aérea não é nociva à sociedade

Varig "está saindo do CTI", afirma juiz

JANAINA LAGE
DA SUCURSAL DO RIO

LUIZ ROBERTO Ayoub, juiz responsável pelo processo de recuperação da Varig, afirma que o caso Varig prova o sucesso da lei de recuperação judicial. Mas diz que muitas vezes teve de fazer interpretações em cima do conteúdo da lei e adotar maior flexibilidade em relação a prazos e procedimentos para evitar a falência da aérea. A interpretação da lei é também motivo de discórdia entre a Justiça do Rio e a Agência Nacional de Aviação Civil. A Anac quer redistribuir imediatamente as rotas que não serão operadas nos próximos meses. Para o juiz, a Varig precisa de tempo para se reorganizar.

FOLHA - Como o senhor reage às críticas de que a Varig só não faliu porque o senhor não deixou?
LUIZ ROBERTO AYOUB
- Ela não faliu porque o Judiciário entendeu que ela não se mostrava nociva à sociedade. Pode ser a Varig, uma padaria da esquina ou o boteco do seu Joaquim, caso qualquer empresa demonstre ser nociva para a sociedade, a obrigação do juiz é de extirpar essa companhia o mais rapidamente possível. Quanto às críticas, esse tipo de coisa faz parte do processo. Até eu me olho no espelho e me critico. Todas as decisões foram feitas com base na lei.

FOLHA - O que o caso Varig vai deixar como contribuição para o entendimento dessa lei?
YOUB
A - Essa lei é nova e não foi construída para atender a uma empresa de aviação do porte da Varig. Os prazos e os procedimentos não são compatíveis com o tamanho e a complexidade da empresa. É uma questão de adaptação e muitas interpretações decorreram disso. Se fosse observar os prazos da lei, teria sido rigoroso na interpretação e quebraria a empresa pelo excesso de preciosismo. A lei vai ter que ser moldada e a jurisprudência deverá fazer esse papel.

FOLHA - A nova lei fracassou?
AYOUB
- É uma lei que mostrou a que veio. A Varig era uma companhia aérea que estava há décadas em dificuldades, entrou em recuperação porque necessitava e, com todas as dificuldades do mundo, conseguiu chegar a leilão. A partir daí findou-se, do ponto de vista jurídico, o papel da lei. A empresa foi entregue ao mercado. Para mim, a lei é um sucesso. Bem ou mal, ela está saindo do CTI. Como disse Zuanazzi [Milton Zuanazzi, presidente da Anac], o tsunami já passou, agora está na hora de reconstruir. Existem interesses cruzados, agendas paralelas e muitos conflitos.

FOLHA - O senhor costuma dizer que é um juiz social. Como o senhor relaciona essa imagem com o veto ao bloqueio de US$ 75 milhões para o pagamento das rescisões trabalhistas dos 5.500 funcionários demitidos?
AYOUB
- Sou um juiz social de um tribunal social. Recentemente trabalhamos a questão do crédito do ICMS [Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços], que é uma das fontes que pode ser usada para o pagamento do crédito devido aos trabalhadores. Não podia concordar com a decisão de bloqueio dos US$ 75 milhões dada pelo juiz do Trabalho porque ele entendeu que aquele valor pertencia à empresa remanescente. Segundo o plano aprovado pelos credores, era um valor de investimento na nova empresa para garantir a sua manutenção. Não existe emprego caso não exista empresa. A idéia é garantir a manutenção dessa empresa e com ela gerar novas vagas. Não sei como a Justiça do Trabalho vai lidar com a sucessão porque isso é de competência deles.

FOLHA - A Varig tem condições de absorver novos funcionários?
AYOUB
- Hoje a empresa tem 2.100 empregados e já se tornou pública a previsão de compra de 50 aeronaves, o que resulta em 6.000 novos empregos. Ela vai gerar riquezas, empregos, recolher tributos, regular o mercado e evitar distorções no mercado e nos preços. Tenho experimentado no bolso o aumento das passagens, que é uma questão de mercado. Diminuiu a oferta, é natural que aconteçam reflexos no preço do bilhete.

FOLHA - A lei de recuperação de empresas afirma que não há sucessão de dívidas no caso da venda de uma unidade produtiva isolada. Vender todas as operações da Varig está de acordo com a lei?
AYOUB
- A jurisprudência vai mostrar mais tarde os acertos e os desacertos. Não podemos ficar tímidos diante da interpretação da lei. Buscamos a solução melhor para garantir a manutenção da companhia. A Varig remanescente é viável e por isso estipulamos que ela precisa manter operações de vôo. Ela não tem liquidez, mas tem ativos como a defasagem tarifária e o ICMS dos Estados.

FOLHA - Como o senhor avalia a disputa com a Anac sobre a redistribuição de linhas da Varig?
AYOUB
- A agência pode discordar e recorrer, ela tem o direito legítimo de recorrer. O que não se pode fazer num Estado democrático de Direito é dizer que a decisão judicial não é cumprida. Isso ninguém pode fazer. Nem um juiz pode descumprir decisões de tribunais superiores, temos de respeitar a hierarquia. Enquanto não houver recurso, a decisão prevalece.

FOLHA - Por que a Varig ainda deve manter as linhas?
AYOUB
- Consta nos autos do processo que a Anac encaminhou um ofício ao juízo comunicando que o prazo para a nova Varig operar sua frota é de 30 dias a contar da assinatura do contrato de concessão para linhas regionais e de 180 dias no caso das linhas internacionais. O ofício faz referência à portaria 569 da Anac e a decisão foi tomada com base neste documento. Não sou dono da verdade, se estiver no caminho certo o tribunal dirá.

FOLHA - É justo a empresa permanecer tanto tempo com as rotas sem operar?
AYOUB
- A lei estabelece o prazo. Estamos falando de uma empresa de aviação bastante complexa e é razoável que haja prazo suficiente para ela se organizar. Ainda mais uma empresa em recuperação judicial. Ao final do leilão, a empresa tinha três aeronaves. Ela tem que estar daqui a pouco com 30. Não sei se esse prazo é razoável, mas é o que consta na lei.


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