São Paulo, quarta-feira, 27 de agosto de 2008

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VINICIUS TORRES FREIRE

Lá vamos nós outra vez


Após rara trégua nas críticas à política do BC, Meirelles e cia. voltam a apanhar em público, no governo e no seu entorno

O BC ficou amuado em agosto.
Até então andava fagueiro, dada a extraordinária contenção de hostilidades neste ciclo de alta de juros. Mas, assim que a inflação pareceu menos saltitante, recomeçaram os tiros no concerto das expectativas políticas e econômicas.
Ressurgiu a história de que o "BC erra na dose". Preocupada com o fim da trégua, a turma do Banco Central intensificou contatos com mercado & mídia para recontar a sua história de consumo em excesso e inflação.
No Brasil, Henrique Meirelles voltou a apanhar nos últimos 15 dias. Lá fora, ganha elogios da imprensa econômica por ser o gatilho mais rápido do Ocidente no duelo contra a inflação. Desde o início da semana, tem sido malhado, de corpo presente ou ausente, em reuniões do governo, por economistas do governo e do conselho informal de política econômica de Lula.
Guido Mantega batera em retirada tática no início de junho. Perdera as batalhas do fundo soberano, da "inflação do feijãozinho", viu Lula se aproximar ainda mais do conselho extraministerial de assessoria econômica e, enfim, gente do próprio governo e petistas no Congresso procuravam fritar o ministro.
Mantega voltou a campo com a história de reformar a contabilidade do governo. Se os dados não forem surripiados da apreciação pública, a mudança em si é irrelevante. Talvez se passe que, em entrevistas coletivas, parte do governo dê ênfase à divulgação do resultado nominal das contas públicas (em que conta a despesa com os juros), em vez do primário. O Tesouro, da Fazenda, publica as contas do governo central. Como é o BC que de hábito divulga as informações para todo o setor público, sabe-se lá o que vai se passar, embora não deva sobrevir algo além de intriga e rusga, ligeiras e tediosas.
O cidadão normal não dá a mínima para tais números; quem se dedica a essas coisas está cansado de saber deles. Mas Mantega voltou à carga ressaltando o peso da conta de juros na despesa pública. E dizendo que o governo será superavitário de fato até 2010 (querendo mostrar assim que a Fazenda faz sua parte na contenção de gastos e consumo).
Não deve ter sido por acaso. O motivo mais imediato das escaramuças é o debate sobre a inflação.
Manteguistas, desenvolvimentistas em geral etc. voltam à tese de que o repique da inflação se deveu a altas transitórias do preço da comida e do pico do preço das commodities. Como "o pior já passou", o país não careceria de juros mais altos. Para o BC e maioria do mercado, o excesso de consumo tem causado carestia.
E daí? E daí, nada, se for seguido o padrão luliano. Lula fará os murmúrios de praxe para Meirelles, sem intenção de bulir com o presidente do BC. Meirelles fará cara de paisagem, verá se arruma 0,25 ponto percentual a menos nos juros e apanhará um pouco na sombra até que exagerem na malhação, quando irá se queixar discretamente ao presidente, que então vai chamar todo mundo às falas, reafirmar o pacto luliano e a "divisão de tarefas" na economia.
Lula gosta que mil flores floresçam, mas sem exuberância demasiada. Mantém os pés em quantas canoas pode. E continuará a política econômica trôpega, em que o pé monetário (juros) se arrasta para um lado, e o fiscal (gastos), para outro.

vinit@uol.com.br



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