São Paulo, segunda-feira, 27 de setembro de 2004

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RECEITA ORTODOXA

Para economistas, governo quer mostrar austeridade e ensaiar fim de acordo; Fundo inicia reunião nesta semana

Arrocho leva em conta o FMI, dizem analistas

ANDRÉ SOLIANI
NEY HAYASHI DA CRUZ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O provável fim do acordo entre o Brasil e o FMI (Fundo Monetário Internacional), em março, pesou na hora de o governo decidir pelo aumento da meta de superávit fiscal deste ano. Com a medida, a equipe econômica quer mostrar que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva manterá o arrocho fiscal, independentemente do monitoramento do Fundo. Nesta semana, autoridades brasileiras estarão em Washington para a reunião anual da instituição.
A avaliação sobre as intenções do governo com a medida é consenso entre a maioria dos analistas entrevistados pela Folha. Nem todos, no entanto, concordam com a eficácia da decisão. Dos nove especialistas consultados, cinco afirmam que o arrocho fiscal poderá interromper a retomada do crescimento.
"É um debate de uma pobreza tão grande. A economia não pode se mover. A economia não tem a menor possibilidade de querer crescer mais do que 3,5% ao ano", diz o professor de economia da Unicamp Luiz Gonzaga Belluzzo. Paulo Gomes, analista da Global Invest, também acha que o maior superávit pode prejudicar o desempenho da economia.
O presidente eleito do Ciesp (Centro das Indústrias do Estado de São Paulo), Claudio Vaz, afirma que apoiaria o superávit maior se fosse acompanhado de redução na taxa de juros estabelecida pelo Banco Central. Vaz teme, no entanto, que o país acabe com superávit e juros maiores.
"Associar os dois e dar predominância à estabilidade, e não à política de crescimento, é desconsiderar a necessidade de crescimento do mercado interno para a recuperação da economia", afirma ele, que hoje assume o Ciesp.
O próprio ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho, fez questão de deixar claro nos debates dentro do governo que não podia garantir queda dos juros no curto prazo por conta do maior arrocho fiscal adotado pelo governo.

Maior confiança
Maílson da Nóbrega, sócio da consultoria Tendências, admite que a elevação do superávit não garante que o Banco Central não vá aumentar os juros na próxima reunião do Copom (Comitê de Política Monetária).
Ex-ministro da Fazenda durante o governo José Sarney (1985-1990), Maílson diz considerar a medida adequada, pois mostra que o governo está mais comprometido com a austeridade e com o crescimento de longo prazo do que se imaginava.
Na sua opinião, a decisão também melhora as expectativas dos agentes econômicos com relação à capacidade do país de enfrentar eventuais turbulências externas, de pagar seus compromissos e controlar a inflação ao longo de 2005. "A decisão aumenta a credibilidade do país", concorda o professor de economia da PUC-RJ, Luiz Roberto Cunha.
Edward Amadeo, sócio da Tendências, ressalta o efeito positivo do maior superávit sobre a política de juros do BC. Segundo ele, ao evitar que o excesso de arrecadação deste ano seja gasto e, portanto, aumente o consumo, haverá uma menor pressão inflacionária, que dará maior flexibilidade na condução da política monetária.
Para o economista Fernando Cardim, professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), os argumentos sobre os efeitos do aumento do superávit na inflação "não têm pé nem cabeça". Na sua opinião, são explicações criadas para justificar uma medida que beneficia o setor rentista da sociedade (financeiro), que garante maiores pagamentos de juros. "Se o Copom decidisse aumentar salários de professores, eu não só seria a favor como ainda iria encontrar um jeito de explicar por que a medida seria necessária", ironiza Cardim. O economista, no entanto, reconhece que um maior superávit ajuda na formação de expectativas positivas, tese defendida também pelo economista da Cepal (Comissão Econômica para América Latina e Caribe) Carlos Mussi.
O argumento das expectativas não convence nem Belluzzo nem Paulo Nogueira Batista Júnior, professor da FGV. "Os rumos do país estão nas mãos de economistas e contadores obcecados com a estabilidade e equilíbrio das contas públicas", diz Batista Júnior.
Belluzzo lembra que desde 1998 o Brasil aplica um modelo de juros elevados e superávits crescentes contando com os seus efeitos nas expectativas de mercado e na promessa de ganhos de confiança. "O futuro nem sempre repete o passado. Mas é bom olhar para as lições da história", afirma ele, ao lembrar os resultados pífios do crescimento econômico do país na última década.


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