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RECEITA ORTODOXA
Para economistas, governo quer mostrar austeridade e ensaiar fim de acordo; Fundo inicia reunião nesta semana
Arrocho leva em conta o FMI, dizem analistas
ANDRÉ SOLIANI
NEY HAYASHI DA CRUZ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O provável fim do acordo entre
o Brasil e o FMI (Fundo Monetário Internacional), em março, pesou na hora de o governo decidir
pelo aumento da meta de superávit fiscal deste ano. Com a medida, a equipe econômica quer
mostrar que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva
manterá o arrocho fiscal, independentemente do monitoramento do Fundo. Nesta semana,
autoridades brasileiras estarão
em Washington para a reunião
anual da instituição.
A avaliação sobre as intenções
do governo com a medida é consenso entre a maioria dos analistas entrevistados pela Folha. Nem
todos, no entanto, concordam
com a eficácia da decisão. Dos nove especialistas consultados, cinco afirmam que o arrocho fiscal
poderá interromper a retomada
do crescimento.
"É um debate de uma pobreza
tão grande. A economia não pode
se mover. A economia não tem a
menor possibilidade de querer
crescer mais do que 3,5% ao ano",
diz o professor de economia da
Unicamp Luiz Gonzaga Belluzzo.
Paulo Gomes, analista da Global
Invest, também acha que o maior
superávit pode prejudicar o desempenho da economia.
O presidente eleito do Ciesp
(Centro das Indústrias do Estado
de São Paulo), Claudio Vaz, afirma que apoiaria o superávit
maior se fosse acompanhado de
redução na taxa de juros estabelecida pelo Banco Central. Vaz teme, no entanto, que o país acabe
com superávit e juros maiores.
"Associar os dois e dar predominância à estabilidade, e não à
política de crescimento, é desconsiderar a necessidade de crescimento do mercado interno para a
recuperação da economia", afirma ele, que hoje assume o Ciesp.
O próprio ministro da Fazenda,
Antonio Palocci Filho, fez questão
de deixar claro nos debates dentro
do governo que não podia garantir queda dos juros no curto prazo
por conta do maior arrocho fiscal
adotado pelo governo.
Maior confiança
Maílson da Nóbrega, sócio da
consultoria Tendências, admite
que a elevação do superávit não
garante que o Banco Central não
vá aumentar os juros na próxima
reunião do Copom (Comitê de
Política Monetária).
Ex-ministro da Fazenda durante o governo José Sarney (1985-1990), Maílson diz considerar a
medida adequada, pois mostra
que o governo está mais comprometido com a austeridade e com o
crescimento de longo prazo do
que se imaginava.
Na sua opinião, a decisão também melhora as expectativas dos
agentes econômicos com relação
à capacidade do país de enfrentar
eventuais turbulências externas,
de pagar seus compromissos e
controlar a inflação ao longo de
2005. "A decisão aumenta a credibilidade do país", concorda o professor de economia da PUC-RJ,
Luiz Roberto Cunha.
Edward Amadeo, sócio da Tendências, ressalta o efeito positivo
do maior superávit sobre a política de juros do BC. Segundo ele, ao
evitar que o excesso de arrecadação deste ano seja gasto e, portanto, aumente o consumo, haverá
uma menor pressão inflacionária,
que dará maior flexibilidade na
condução da política monetária.
Para o economista Fernando
Cardim, professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), os argumentos sobre os efeitos do aumento do superávit na
inflação "não têm pé nem cabeça". Na sua opinião, são explicações criadas para justificar uma
medida que beneficia o setor rentista da sociedade (financeiro),
que garante maiores pagamentos
de juros. "Se o Copom decidisse
aumentar salários de professores,
eu não só seria a favor como ainda
iria encontrar um jeito de explicar
por que a medida seria necessária", ironiza Cardim. O economista, no entanto, reconhece que um
maior superávit ajuda na formação de expectativas positivas, tese
defendida também pelo economista da Cepal (Comissão Econômica para América Latina e Caribe) Carlos Mussi.
O argumento das expectativas
não convence nem Belluzzo nem
Paulo Nogueira Batista Júnior,
professor da FGV. "Os rumos do
país estão nas mãos de economistas e contadores obcecados com a
estabilidade e equilíbrio das contas públicas", diz Batista Júnior.
Belluzzo lembra que desde 1998
o Brasil aplica um modelo de juros elevados e superávits crescentes contando com os seus efeitos
nas expectativas de mercado e na
promessa de ganhos de confiança. "O futuro nem sempre repete
o passado. Mas é bom olhar para
as lições da história", afirma ele,
ao lembrar os resultados pífios do
crescimento econômico do país
na última década.
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