São Paulo, sábado, 27 de setembro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ARTIGO

Onde estão os adultos?

PAUL KRUGMAN
DO "NEW YORK TIMES"

MUITA GENTE , na direta e na esquerda, está indignada diante da idéia de usar dinheiro dos contribuintes para resgatar o sistema financeiro dos Estados Unidos. Elas têm motivo para isso, mas inação não é uma escolha séria. No momento, os participantes do mercado em todos os níveis do sistema estão recusando empréstimo e acumulando caixa, e esse colapso do crédito traz à mente de muitos economistas a corrida aos bancos que resultou na Grande Depressão.
É verdade que não sabemos ao certo se o paralelo procede.
Talvez fosse possível permitir que o mercado financeiro explodisse sem que isso acarretasse desastre para a economia como um todo. Mas não é algo que devamos arriscar.
Assim, a atitude adulta a tomar seria fazer alguma coisa para resgatar o sistema financeiro. A grande questão é determinar se ainda resta algum adulto disponível e se lhe será dada a oportunidade de assumir as rédeas.
No começo da semana, o secretário do Tesouro, Hank Paulson, tentou convencer o Congresso de que ele era o adulto e que estava na sala para nos proteger do perigo. Exigiu total autoridade sobre o resgate: US$ 700 bilhões que seriam usados como ele dispusesse e com imunidade ante revisões.
O Congresso refugou. Não se deve conceder a qualquer funcionário de governo um privilégio monárquico como esse, muito menos a um funcionário que conduziu o país a uma guerra sob falsos pretextos.
Além disso, o histórico de Paulson não é nem de longe confiável: ele demorou demais a compreender a dimensão dos problemas financeiros do país e é em parte por sua culpa que chegamos ao atual colapso.
Além disso, Paulson jamais ofereceu uma explicação convincente de como seu plano deveria funcionar. E o veredicto de muitos economistas, de fato, era de que não funcionaria a menos que representasse o equivalente a um grande programa de bem-estar social para o setor financeiro.
Mas se Paulson não é o adulto de que precisamos, será que os líderes do Congresso estão prontos a assumir essa responsabilidade e são capazes disso?
Bem, o "acordo em princípio" entre os dois partidos anunciado na quinta-feira parecia bem melhor que o plano original de Paulson. De fato, o plano colocaria Paulson mesmo sob fiscalização adulta muito necessária, ao estabelecer um conselho de supervisão "com autoridade para bloquear qualquer medida". Além disso, a mesada de Paulson também seria limitada, a apenas (!) US$ 250 bilhões, de imediato.
O acordo também dispõe que os salários dos executivos de empresas que receberem dinheiro federal respeitem determinados limites. E, o mais importante, requer que "qualquer transação envolva participação de capital".
Por que isso é tão importante? O problema fundamental do nosso sistema financeiro é que as conseqüências do colapso na habitação deixaram as instituições financeiras descapitalizadas. Quando por fim se dignou a oferecer uma explicação de seu plano, Paulson argumentou que poderia resolver esse problema pela "descoberta de preços" alegando que, assim que o dinheiro dos contribuintes tiver criado um mercado para o lixo tóxico vinculado a títulos hipotecários, todo mundo viria a compreender que o lixo tóxico na verdade vale muito mais do que o valor pelo qual vem sendo vendido, e isso resolveria o problema de capital.
É sensato nunca dizer nunca, admito, mas quem deseja apostar US$ 700 bilhões em uma esperança?
Na verdade, a probabilidade é que o governo tenha de fazer o que o governos sempre fazem em crises financeiras -usar dinheiro dos contribuintes para injetar capital no sistema. Sob o plano Paulson original, o Tesouro provavelmente o teria feito adquirindo lixo tóxico por valor muito maior que o justo e sem nada receber em troca.
O que os contribuintes deveriam receber é aquilo a que qualquer pessoa que forneça capital tem direito: uma participação acionária. E é isso que o plano do Congresso propõe.
O plano do Congresso, portanto, parece bem melhor -bem mais adulto- do que o plano Paulson. Mas, apesar disso, não foi bem detalhado, e os detalhes são cruciais. Que preços os contribuintes pagarão para assumir parte desse lixo tóxico? Quanto capital receberão em retorno? Esses números farão toda a diferença.
E, de qualquer forma, parece que não temos acordo.
É preciso que o plano seja bipartidário, e não apenas no nível das lideranças. Os democratas não conseguirão aprová-lo sem os votos das bases republicanas, e as bases republicanas não pareciam inclinadas a isso.
Além disso, um republicano que está bem acima da base, o senador John McCain, aparentemente decidiu desempenhar o papel de estraga-prazeres. No começo da semana, quando recusou declarar apoio ao plano de Paulson, ele disse que não tinha tido tempo de lê-lo, e o plano só tem três páginas. Depois, o senador se imiscuiu nas delicadas negociações do plano do Congresso, insistindo numa reunião na Casa Banca na qual, ao que se sabe, pouco disse, mas também durante a qual o consenso pareceu desaparecer.
Em resumo, portanto, parece que existem alguns adultos no Congresso, prontos a fazer alguma coisa para nos ajudar.
Mas os adultos por enquanto não estão no comando.


Tradução de PAULO MIGLIACCI


Texto Anterior: Frase
Próximo Texto: Lei fixa 30 horas semanais para estagiário
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.