São Paulo, domingo, 27 de setembro de 2009

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Melhorar qualidade e reduzir as perdas são vantagens às empresas

Menor sofrimento dos rebanhos ajuda a cortar gastos com acidentes e doenças e melhora a carne

ENVIADAS ESPECIAIS A CHAPECÓ (SC)

A conversão dos agroexecutivos à crença na "qualidade ética da carne" tem explicações bem materiais. Segundo Sergio Trentinaglia, 54, gerente industrial da Bondio Alimentos, um dos gigantes no abate de frangos de Santa Catarina, o trabalho conjunto da WSPA e da indústria permitiu "reduzir perdas e melhorar o produto".
"Os suínos são animais que a cultura da pecuária tradicional acha que podem sofrer as mais bárbaras torturas. É uma rotina de pauladas, marretadas, fraturas e hematomas", afirma Luciana Duarte Nomura Debona, 38, veterinária do Serviço de Inspeção Municipal de Chapecó, que cuida dos pequenos abatedouros da cidade, locais onde ainda é praticado o abate de suínos na base da marretada, um método considerado cruel.
É uma realidade bem diferente da encontrada no frigorífico Aurora, modelo positivo de linha de produção e, não por acaso, escolhido pelo Ministério da Agricultura para ser a vitrine nacional que será avaliada pelos auditores europeus.
A totalidade dos animais abatidos no Aurora recebe eletrochoques com o objetivo de insensibilizá-los antes da sangria. Já é uma garantia de redução de sofrimento. Mas as normas vigentes desde 2000 no Brasil (instrução normativa nº 3 do Ministério da Agricultura) e os mercados a conquistar estão exigindo mais.
Redução do tempo de viagem até o abatedouro, manejo com mínimo de excitação e desconforto, período curto de jejum pré-abate e local adequado de descanso passaram a ser também escrutinados, a fim de reduzir os fatores geradores de estresse, ferimentos e fraturas.
Há um ano, a Bondio construiu um galpão para receber os caminhões com carregamento de frangos para abate. Comprou uma briga com os motoristas ao obrigá-los a parar em determinada posição -aves na sombra, cabine do motorista no sol. Instalou nebulizadores para refrescar as penosas, cansadas da viagem. Obrigou os transportadores a comprar caixas novas. Construiu uma esteira rolante, como a de aeroportos, para que as aves não se machucassem com movimentos bruscos. Mordomia?
O gerente industrial da Bondio se lembra de como era antes: caixas mal fechadas permitiam que as aves colocassem as cabeças para fora. Um movimento mais brusco do caminhão e a caixa de cima degolava a curiosa. Hipertermia, em casos extremos, podia dizimar toda a carga antes que ela chegasse ao abate. As perdas por contusões e fraturas atingiam até 10% dos peitos e das asas.
Nos porcos, o sofrimento derruba o valor da carne, que, em vez da consistência normal, fica mole. O tom vermelho empalidece. Perde a capacidade de reter líquidos. Fica seca. É o estresse, a dor e a carga genética que geram esse quadro, chamado de PSE (na sigla em inglês).
Os bois sofrem mais comumente de outra doença, a chamada DFD. A carne fica dura, escura, seca. Na feira livre, até passa. Nunca em mercados seletos, como o europeu.
No treinamento feito no Aurora, os instrutores da WSPA flagraram dois animais sendo sangrados sem o grau de insensibilização correto. Explica-se: às vezes o animal se movimenta e o choque não é aplicado no local exato. Cai na esteira de sangria ainda consciente. "Qual o percentual admitido de falha na insensibilização?", pergunta a supervisora da WSPA Juliana Andrade Vilela, à turma de alunos. Silêncio. Ela mesma responde: "Zeeeeeeero".
No dia seguinte, o operador de sangria já tinha uma pinça portátil de eletrochoque -nova em folha- para completar o serviço. Agora, sim.


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