São Paulo, domingo, 27 de outubro de 2002

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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS

Bens públicos contribuem para globalização remediada

GILSON SCHWARTZ
ARTICULISTA DA FOLHA

Depois de quase 15 anos em que o sistema econômico internacional seguiu as trilhas da liberalização, da privatização e da desregulamentação, com os fracassos notórios que hoje atingem principalmente os países mais pobres e em desenvolvimento, a busca de uma alternativa passa pela revalorização de espaços e mecanismos públicos.
Essa reação ao longo período de políticas em favor do livre funcionamento do mercado não aponta necessariamente para a reestatização. O que está em jogo é a reconstrução e em muitos casos a inovação no desenho das instituições públicas, sem as quais o funcionamento dos mercados perde sentido.
Há cada vez mais exemplos de bens públicos e os governos dedicam cada vez mais recursos à sua promoção. Da regulação ambiental à reforma dos organismos financeiros multilaterais, passando pelos espaços virtuais, cibermercados e projetos de integração regional, torna-se cada vez mais absurdo pensar na economia de mercado como um sistema que se reduz ao jogo de oferta e procura.
O assunto será discutido no início de novembro numa conferência promovida pelo BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento). Doenças infecciosas, conflitos comerciais, poluição e desastres naturais, crises financeiras e o crime organizado são alguns dos problemas que não se resolvem nos mercados nem podem ser enfrentados pelos governos isoladamente. Está em jogo a mobilização de recursos de governos e de organizações de ajuda internacional para aumentar a oferta e a qualidade de bens públicos nacionais, regionais e globais ou transnacionais.
Segundo o Banco Mundial, atualmente são gastos US$ 5 bilhões por ano na promoção de bens públicos transnacionais. Outros US$ 11 bilhões destinam-se a atividades complementares que promovem a absorção desses bens públicos pelos países em desenvolvimento.
No leque de ações de ajuda promovidas por países, o peso do financiamento a bens públicos nacionais e transnacionais passou de 16% para 40% do total entre os anos 80 e 90.
Já nos organismos multilaterais, predomina a ajuda a governos e, portanto, o financiamento a bens públicos nacionais.
Organizações como o Banco de Desenvolvimento Asiático e o BID destinaram respectivamente 7% e 2% de seus orçamentos de ajuda à promoção de bens públicos transnacionais.
Mas nem tudo é esperança nessa renascença das preocupações com a oferta global, regional e nacional de bens públicos. Estudos revelam que a nova modalidade de ajuda substitui as antigas. Em alguns casos, o volume total de ajuda cai, ainda que o financiamento a bens públicos transnacionais ganhe importância.
Na prática, o interesse dos países ricos pela ampliação de bens públicos transnacionais remedeia, mas não resolve os desajustes criados pela globalização.
Antigamente, os países ricos focalizavam seus esforços de ajuda em países isolados, em geral associando essa ajuda a vendas de produtos, serviços e tecnologias. A nova abordagem reflete o surgimento de problemas novos, globais (poluição, crime organizado e contágio de crises financeiras). Mas a preocupação com a oferta de algum remédio para os males da globalização não produz alteração nas políticas macroeconômicas e financeiras recomendadas pelo Banco Mundial, o FMI e outras organizações. Num contexto de crise, a oferta de bens públicos produz no máximo uma globalização remediada.


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