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ANÁLISE
FMI deveria ajudar o Brasil a enfrentar fluxo de capitais
Mundo precisa de uma abordagem menos doutrinária sobre capital estrangeiro,
e discutir o IOF sobre remessas sinalizaria que o Fundo pode facilitar essa mudança
ARVIND SUBRAMANIAN
JOHN WILLIAMSON
DO "FINANCIAL TIMES"
A ação brasileira ao impor
um tributo sobre certas formas
de fluxo de capital estrangeiro,
a fim de controlar a alta da
moeda do país, tem grande importância, prática e simbólica.
O valor simbólico está no fato
de que a decisão sinaliza o fim
da era em que os mercados
emergentes viviam enamorados dos financiamentos estrangeiros e na expressão de uma
disposição de agir para moderar fluxos de capital externo.
Em termos práticos, a importância está na ampliação do arsenal de que os países podem
dispor para moderar o superaquecimento de suas economias. O caso serve como boa
ilustração do tipo de medida
que as autoridades econômicas
podem usar para deter um superaquecimento incipiente nos
preços dos ativos.
A resposta do FMI (Fundo
Monetário Internacional) à
medida foi cálida ou até ligeiramente negativa. Um importante dirigente da instituição afirmou que "esse tipo de imposto
oferece alguma margem de manobra, mas nem tanto, e por isso os governos não deveriam se
sentir tentados a postergar
ajustes mais fundamentais. Em
segundo lugar, implementar
esse tipo de taxa é muito complexo, porque ela precisa ser
aplicada a todos os possíveis
instrumentos financeiros"; ele
acrescentou que esse tipo de
imposto se havia provado "poroso" em diversos países.
A resposta é decepcionante
não porque esteja errada, mas
porque reflete que a abordagem intelectual do FMI quanto
à globalização das finanças
continua a mesma. Essa abordagem sempre envolveu desaprovação implícita a esse tipo
de medida, por meio de apelos
aos países para que tomem medidas complementares (melhor governança empresarial,
reforço de regulamentações financeiras etc.), a fim de preservar influxos estrangeiros, que o
FMI vê como sacrossantos.
Para os países de mercado
emergente, o problema vem
sendo o de que nem sempre é
fácil implementar medidas como essas em curto prazo, de
modo que a questão prática
premente do que fazer quanto
aos influxos excessivos persiste, e não há muita orientação do
FMI quanto a respostas.
Taxas sobre os fluxos de capital têm seus problemas, mas isso não é argumento contra elas.
Nenhuma pessoa sensata acredita que taxas não devam ser
impostas porque podem ser, e
serão, sonegadas. Em lugar disso, seria necessário procurar as
melhores maneiras de ordenar
essas medidas (a base deveria
ser o preço ou a quantidade?
Que espécie de influxo deve ser
visado preferencialmente, para
títulos de dívida ou de capital?
Qual é a duração mais efetiva
para essas limitações? Quando
elas devem ser retiradas?), de
modo a que os benefícios sejam
maximizados, e os riscos, minimizados.
Em lugar de continuar recebendo medidas como essa com
um banho de água fria, o FMI
deveria considerar que elas oferecem uma oportunidade intelectual. Deveria continuar a
apoiar os países em sua busca
de fluxos de capital mais abertos, como objetivo estrutural,
de longo prazo. Mas também é
preciso que reconheça que surtos de alta no fluxo de capitais
podem representar um sério
desafio macroeconômico, capaz de requerer resposta cíclica
diferenciada.
Para os mercados emergentes, o arsenal de medidas de política econômica contra crises
futuras precisa abarcar medidas de restrição em forma contracíclica do crescimento de
crédito e do endividamento, especialmente as altas no influxo
de capital.
O motivo mais importante
para que o FMI leve a sério a
medida tomada pelo Brasil se
refere a ideologia e narrativa.
Se a crise mundial deriva, em
parte, de um sistema de crenças
que elevava de maneira indevida o status das finanças, o FMI
contribuiu, de forma explícita
ou implícita, para que fosse
santificado o capital estrangeiro. Isso impôs um custo pesado,
e subestimado, aos países de
mercado emergente: caso tomassem medidas de restrição
ao fluxo de capital, corriam o
risco de ser vistos como avessos
ao livre mercado e imprudentes em suas políticas econômicas.
Ao reconhecer que, em certos casos, limitações sensatas
aos fluxos podem ser uma resposta de política econômica
pragmática e razoável, o Fundo
eliminaria o estigma de aversão
ao livre mercado que ações como as empreendidas pelo Brasil correm o risco de sofrer.
De fato, o medo desse estigma fica evidente na recente
medida brasileira: as magnitudes são pequenas, e o Brasil
vem se esforçando por enfatizar a natureza temporária das
limitações e as duas coisas fazem com que o mercado leve a
medida menos a sério, o que
prejudica sua eficiência.
Caso o estigma não existisse,
o imposto sobre o fluxo poderia
ter sido definido de forma melhor e aplicado com mais confiança, a fim de garantir sua efetividade.
O mundo precisa de uma
abordagem menos doutrinária
quanto aos influxos de capital
estrangeiro. Ajudar o Brasil em
sua decisão, em lugar de divulgar uma resposta negativa, sinalizaria que o FMI está desempenhando papel construtivo para facilitar essa mudança.
ARVIND SUBRAMANIAN e JOHN WILLIAMSON são pesquisadores sênior do Instituto Peterson de Economia Internacional.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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