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OPINIÃO ECÔNOMICA
Negociações comerciais e desindustrialização
RUBENS RICUPERO
Embora bem menos do que a
Argentina e a maioria dos
latino-americanos, o Brasil já sofre de desindustrialização precoce, que pode se agravar se cairmos na armadilha que se prepara nas negociações da OMC (Organização Mundial do Comércio). O que se trama para o final
da Rodada Doha é a refilmagem
do "happy end" (para os desenvolvidos) da Rodada Uruguai.
Começando pela reunião de
Hong Kong, de 12 de dezembro,
para culminar, provavelmente
em junho de 2006, prazo limite
para as negociações, os europeus
estão articulando, como em "O
Poderoso Chefão", uma "oferta
que não poderemos recusar". Isto
é, a oferta em agricultura será irrisória, mas virá embrulhada em
embalagem publicitária para
nos fazer assumir o ônus de enfraquecer a OMC, se a rejeitarmos.
A pressão sobre o Brasil e a Índia já começou com o discurso
recente de Tony Blair na City de
Londres, a entrevista na qual o
diretor-geral da OMC, Pascal
Lamy, afirma que os "ganhos em
agricultura não serão gratuitos",
as declarações do comissário europeu Peter Mandelson de que,
ao exigir muito, o Brasil arrisca
ficar sem nada.
A fim de poder fazer concessões
em agricultura, os europeus alegam que antes o Brasil (e outros)
precisa oferecer concessões significativas em produtos industriais
e serviços. A barganha pode parecer razoável, mas é vazia, porque as negociações deste mês em
Genebra mostraram existir já resignação geral com um resultado
medíocre em agricultura. O que
os europeus oferecem, exigindo
serem pagos para isso, é "cortar
água", isto é, abrir mão de subsídios redundantes, que não estão
sendo utilizados porque desnecessários. A barganha, em tal caso, equivale a trocar algo -nosso mercado- por coisa nenhuma.
Contudo, ainda que ocorresse
um milagre e a França permitisse
uma oferta real em agricultura,
seria preciso questionar se vale a
pena pagar o preço que está sendo cobrado. Algumas das fórmulas propostas pelos desenvolvidos
em produtos industriais implicam reduções de três quartos das
tarifas consolidadas e dois terços
das aplicadas, incomparavelmente mais do que os cortes efetuados pelos países ricos aos longo de 30 anos após a Segunda
Guerra. A versão favorecida no
momento obrigaria a cortar 50%
das tarifas consolidadas, com
efeitos devastadores para setores
como o automobilístico e o que
sobrou do eletrônico no Brasil.
É esse um dos mecanismos da
desindustrialização precoce: a
retirada da proteção em países
como o nosso, de economia precária, com taxas de juros, câmbio
e carga tributária que desencorajam transferir o investimento para setores mais competitivos. A
diferença em relação à China e
aos asiáticos é que estes fizeram a
abertura a partir de posição de
força, com reduções graduais no
contexto de economias que investem 30% ou mais do PIB
(comparados aos nossos magros
20%, ou menos), com juros baixos e câmbio desvalorizado.
O impacto na média tarifária
pode ser pequeno, mas o que conta não é a média, e sim o perfil setorial das tarifas. O ideal não é
proteger setores decadentes, mas
as indústrias tecnológicas dinâmicas em que haja possibilidade
de aprender e adquirir competitividade. São elas justamente as
mais ameaçadas.
Amanhã, na sede da Fiesp, vamos discutir o declínio relativo
da indústria no PIB e na geração
de empregos, em curso no Brasil,
e a terapêutica necessária para a
desejável reindustrialização do
país. Faz parte do remédio evitar
que o acordo na OMC acentue o
padrão de exportar commodities
em troca de manufaturas, que
caracteriza nosso comércio com
a Europa desde a Colônia. Sacrificar indústrias dinâmicas pela
agricultura é trocar o nosso futuro pelo nosso passado.
Rubens Ricupero, 68, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda (governo Itamar Franco). Escreve quinzenalmente, aos domingos, nesta coluna.
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