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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Por que estratégia industrial
LUCIANO COUTINHO
A geografia econômica
mundial mudou notavelmente nos últimos 20 anos como
resultado da rápida ascensão dos
Tigres Asiáticos (Coréia, Hong
Kong e Taiwan, principalmente),
secundados desde os anos 90 pela
China e pela Índia. Esse conjunto
de economias dinâmicas representa hoje 20% das exportações
globais, 16% da renda mundial
(em termos de PPP) e 22% da população do planeta. Coréia e Taiwan lograram se inserir na fronteira da inovação nas tecnologias
da informação como produtores e
criadores. A China, por sua vez,
tornou-se uma grande central
manufatureira global -base de
produção de baixo custo para as
transnacionais japonesas, coreanas e americanas.
Ressalte-se como contraponto
dessa mudança a formidável expansão do déficit comercial dos
EUA -em escala nunca vista em
termos de magnitude e de continuidade. Japão e China, as principais economias superavitárias no
comércio com os EUA, redistribuem esse beneficio através de um
esquema inter-regional concentrado na Ásia. As empresas japonesas subcontratam e descentralizam a manufatura de produtos e
partes na região, com destaque
para a China. Esta, por sua vez,
compra pesadamente insumos e
matérias-primas da Ásia e de outras regiões (inclusive a América
do Sul). A capacidade de manufaturar competitivamente (combinando custos, qualidade e taxa de
câmbio) revela-se como a mais
poderosa alavanca de crescimento. Mais que isso: permite ganhar
participação global em muitos
mercados e, ainda mais importante, perfazer processos exitosos
de aprendizado e de inovação tecnológica.
O Brasil e a América do Sul ficaram fora desse jogo nos anos 90
por conta das políticas neoliberais
e principalmente por causa das estabilizações ancoradas em taxas
de câmbio sobrevalorizadas com
juros elevados. Nos últimos três
anos, uma notável melhoria dos
termos de troca (resultante de fortes aumentos de preços das commodities metálicas, minerais, de
muitos produtos agrícolas e do petróleo) revigorou as economias
sul-americanas. A melhoria é fruto da forte aceleração das importações chinesas e do boom do setor
da construção civil combinado
com o aumento dos gastos militares nos EUA.
Não é sensato, especialmente
para o Brasil, tomar essa conjuntura favorável como sinal de uma
nova tendência longa para os preços das matérias-primas e, com
base nessa expectativa, abdicar de
vez do desenvolvimento industrial. Ao contrário, a experiência
dos países asiáticos mostra que o
sucesso só foi possível através de
intenso aprendizado industrial e
tecnológico focado na construção
de vantagens competitivas. Foi essa estratégia, aliada ao aprofundamento da abertura americana,
a causa da mudança da geografia
econômica global. Sua continuidade decerto dependerá da sustentabilidade do déficit dos EUA.
Enquanto isso, o Brasil continua
perdido, sem estratégia e conformado com crescimento medíocre,
câmbio apreciado e ausência de
projeto industrial.
Luciano Coutinho, 54, é professor titular
do Instituto de Economia da Unicamp.
Foi secretário-geral do Ministério da
Ciência e Tecnologia (1985-88).
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