São Paulo, domingo, 27 de novembro de 2005

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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS

Por que estratégia industrial

LUCIANO COUTINHO

A geografia econômica mundial mudou notavelmente nos últimos 20 anos como resultado da rápida ascensão dos Tigres Asiáticos (Coréia, Hong Kong e Taiwan, principalmente), secundados desde os anos 90 pela China e pela Índia. Esse conjunto de economias dinâmicas representa hoje 20% das exportações globais, 16% da renda mundial (em termos de PPP) e 22% da população do planeta. Coréia e Taiwan lograram se inserir na fronteira da inovação nas tecnologias da informação como produtores e criadores. A China, por sua vez, tornou-se uma grande central manufatureira global -base de produção de baixo custo para as transnacionais japonesas, coreanas e americanas.
Ressalte-se como contraponto dessa mudança a formidável expansão do déficit comercial dos EUA -em escala nunca vista em termos de magnitude e de continuidade. Japão e China, as principais economias superavitárias no comércio com os EUA, redistribuem esse beneficio através de um esquema inter-regional concentrado na Ásia. As empresas japonesas subcontratam e descentralizam a manufatura de produtos e partes na região, com destaque para a China. Esta, por sua vez, compra pesadamente insumos e matérias-primas da Ásia e de outras regiões (inclusive a América do Sul). A capacidade de manufaturar competitivamente (combinando custos, qualidade e taxa de câmbio) revela-se como a mais poderosa alavanca de crescimento. Mais que isso: permite ganhar participação global em muitos mercados e, ainda mais importante, perfazer processos exitosos de aprendizado e de inovação tecnológica.
O Brasil e a América do Sul ficaram fora desse jogo nos anos 90 por conta das políticas neoliberais e principalmente por causa das estabilizações ancoradas em taxas de câmbio sobrevalorizadas com juros elevados. Nos últimos três anos, uma notável melhoria dos termos de troca (resultante de fortes aumentos de preços das commodities metálicas, minerais, de muitos produtos agrícolas e do petróleo) revigorou as economias sul-americanas. A melhoria é fruto da forte aceleração das importações chinesas e do boom do setor da construção civil combinado com o aumento dos gastos militares nos EUA.
Não é sensato, especialmente para o Brasil, tomar essa conjuntura favorável como sinal de uma nova tendência longa para os preços das matérias-primas e, com base nessa expectativa, abdicar de vez do desenvolvimento industrial. Ao contrário, a experiência dos países asiáticos mostra que o sucesso só foi possível através de intenso aprendizado industrial e tecnológico focado na construção de vantagens competitivas. Foi essa estratégia, aliada ao aprofundamento da abertura americana, a causa da mudança da geografia econômica global. Sua continuidade decerto dependerá da sustentabilidade do déficit dos EUA. Enquanto isso, o Brasil continua perdido, sem estratégia e conformado com crescimento medíocre, câmbio apreciado e ausência de projeto industrial.


Luciano Coutinho, 54, é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp. Foi secretário-geral do Ministério da Ciência e Tecnologia (1985-88).


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