Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Ministro da Fazenda é indispensável, diz economista
JANAÍNA LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL
O principal problema da economia brasileira é o desequilíbrio
fiscal e, portanto, o país deve cortar gastos e seguir com o programa de privatizações, priorizando
a venda dos bancos públicos. A
opinião é da economista Eliana
Cardoso, da USP.
"Os indicadores agregados são
bons, mas os detalhes são de desanimar", ponderou ela em entrevista à Folha prévia ao lançamento do livro "Fábulas Econômicas",
marcada para quarta-feira.
Cardoso se sente à vontade para
cravar uma projeção na política: o
presidente Lula, acredita, não se
reelegerá. A seguir, os principais
trechos da entrevista.
Folha - Palocci é indispensável?
Por quê?
Eliana Cardoso - Sim, é indispensável. Neste momento, sua saída
seria vista como uma sinalização
de que a política econômica vai
mudar. O próprio presidente, depois do choque de realidade da semana que passou, declarou que o
ministro é imprescindível.
Folha - O que ocorreria sem o ministro Palocci?
Cardoso - Mais incerteza. Sem
confiança nos rumos do país, os
investimentos produtivos haveriam de minguar e o crescimento
não se sustentaria. A saída de Palocci confirmaria a suspeita de
que Lula não tem convicções a
respeito da gestão macroeconômica que convém ao país. De que
o presidente não passa de um
oportunista.
Folha - O que acha da discussão
Dilma versus Palocci?
Cardoso - Não é uma discussão.
Dilma aplicou uma série de adjetivos a uma proposta séria de controlar os gastos do governo e impor racionalidade a eles. Palocci
disse, com razão, que ela estava
errada. E explicou por quê. Mas
ela não ofereceu argumentos em
sua resposta e disse apenas que os
dois tinham "opiniões" diferentes. Onde não há argumentos,
mas apenas opinião, não há uma
discussão substantiva.
Folha - E do atual debate econômico em geral?
Cardoso - Vejo um grande consenso entre os economistas a respeito de vários temas. O principal
problema da economia é fiscal. O
desequilíbrio fiscal gerou inflação
na década de 1980 e crescimento
da dívida pública na década de
1990. Tentou-se uma saída para o
desequilíbrio com um aumento
da carga tributária. Impostos e
gastos cresceram. Para criar espaço para um Estado cada vez
maior, foi necessário reduzir a
participação dos gastos privados
no PIB, o que se consegue com taxa de juros em patamares altíssimos. Para sair dessa armadilha, é
preciso cortar gastos públicos.
Folha - Como fazer a economia
crescer mais de forma sustentável?
Cardoso - Eleger um presidente
que inspire confiança e que tenha
um programa consistente. Uma
reforma tributária combinada a
uma reforma previdenciária para
valer permitiria impor um regime
de confiança e reduzir os juros.
Folha - Como a sra. avalia a política econômica?
Cardoso - Seu lado positivo foi a
austeridade fiscal entre 2003 e
2005. Mas, apesar de os indicadores agregados serem bons, os detalhes são de desanimar. Enquanto a maioria dos países emergentes conseguia acordos comerciais,
nossa diplomacia só andou para
trás com alianças com [o presidente venezuelano Hugo] Chávez
e [o presidente da Argentina, Néstor] Kirchner. A administração
federal é inoperante. Por exemplo, só 27% das verbas liberadas
para obras de infra-estrutura foram usadas, segundo a Abdib
[Associação Brasileira da Infra-Estrutura e Indústrias de Base].
Folha - O que precisa mudar?
Cardoso - Não acredito em mudanças positivas em final de governo. Nas eleições de 2006, teremos de mudar de presidente.
Folha - Lula se elege novamente
devido à economia?
Cardoso - Duvido que Lula se
eleja. O Bolsa-Família virou uma
bolsa de votos. Mas, mesmo assim, Lula terá de convencer o resto da população de que aprendeu
alguma coisa nos últimos anos;
que tem programa; que pode implementá-lo. Acho que está ficando mais difícil engabelar eleitores.
Folha - O Brasil está perdendo
uma oportunidade de crescer?
Cardoso - Com certeza. A queda
do PIB no trimestre e a valorização do real mostram que as taxas
de juros foram elevadas além do
necessário e que o Banco Central
deveria ter usado a conjuntura internacional favorável para reduzir
a Selic há mais tempo.
Folha - Há espaço para aventuras
na economia brasileira? Quais as
mais temíveis?
Cardoso - A quem você chamaria de aventureiros? À ministra
Dilma, que quer aumentar a gastança? Ao vice-presidente, que
quer cortar juros sem levar em
conta outras variáveis? Aos radicais, que, esquecidos da experiência de Collor, ainda falam em calote? Ao Dirceu, que pensava ser
possível aparelhar o Estado e ficar
no poder mais 20 anos?
Como esse pessoal continua por
aí, fica provado que sempre há espaço para aventureiros. Mas as
aventuras acabam sem final feliz,
cada vez com maior rapidez.
Folha - O que o Brasil pode aprender com a Argentina?
Cardoso - A Argentina só cometeu erros nos últimos dez anos.
Assim, o que podemos aprender é
não repeti-los. Isto é, devemos
manter a austeridade fiscal, fugir
do câmbio fixo e evitar o calote.
Folha - A sra. defende a venda dos
bancos públicos. Por quê?
Cardoso - A privatização do BB e
da Caixa Econômica é medida indispensável à transparência dos
orçamentos do governo e à estabilidade financeira, pois bancos
estatais representam empecilhos
ao crescimento sustentado. Gerentes de bancos privados direcionam empréstimos aos setores
mais competitivos, em que não
existe a intromissão do governo.
Folha - Essa é a principal razão em
favor da privatização dos bancos e
do corte de crédito direcionado?
Cardoso - É. Em teoria, os gerentes dos bancos públicos poderiam
estar sujeitos aos mesmos incentivos que os gerentes dos bancos
privados. Na realidade, isso não
ocorre. Muitos governos usam os
bancos estatais para distribuir favores e influenciar votos.
Folha - Qual deveria ser o modelo
do BNDES?
Cardoso - Um banco comercial,
que emprestasse a taxas competitivas. Um mercado de empréstimos de longo prazo deve estar
aberto à competição, e não só para os poucos privilegiados pelo
BNDES. É verdade que empréstimos privados de longo prazo só
existem em mercados financeiros
bem desenvolvidos, respaldados
numa moeda forte e em orçamentos transparentes. É hora de caminhar nessa direção, vendendo os
bancos federais.
Texto Anterior: Consolo: Palocci promete a Lula PIB de 5% na véspera da eleição Próximo Texto: Frase Índice
|