São Paulo, domingo, 27 de novembro de 2005

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Ministro da Fazenda é indispensável, diz economista

JANAÍNA LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL

O principal problema da economia brasileira é o desequilíbrio fiscal e, portanto, o país deve cortar gastos e seguir com o programa de privatizações, priorizando a venda dos bancos públicos. A opinião é da economista Eliana Cardoso, da USP.
"Os indicadores agregados são bons, mas os detalhes são de desanimar", ponderou ela em entrevista à Folha prévia ao lançamento do livro "Fábulas Econômicas", marcada para quarta-feira.
Cardoso se sente à vontade para cravar uma projeção na política: o presidente Lula, acredita, não se reelegerá. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Folha - Palocci é indispensável? Por quê?
Eliana Cardoso -
Sim, é indispensável. Neste momento, sua saída seria vista como uma sinalização de que a política econômica vai mudar. O próprio presidente, depois do choque de realidade da semana que passou, declarou que o ministro é imprescindível.

Folha - O que ocorreria sem o ministro Palocci?
Cardoso -
Mais incerteza. Sem confiança nos rumos do país, os investimentos produtivos haveriam de minguar e o crescimento não se sustentaria. A saída de Palocci confirmaria a suspeita de que Lula não tem convicções a respeito da gestão macroeconômica que convém ao país. De que o presidente não passa de um oportunista.

Folha - O que acha da discussão Dilma versus Palocci?
Cardoso -
Não é uma discussão. Dilma aplicou uma série de adjetivos a uma proposta séria de controlar os gastos do governo e impor racionalidade a eles. Palocci disse, com razão, que ela estava errada. E explicou por quê. Mas ela não ofereceu argumentos em sua resposta e disse apenas que os dois tinham "opiniões" diferentes. Onde não há argumentos, mas apenas opinião, não há uma discussão substantiva.

Folha - E do atual debate econômico em geral?
Cardoso -
Vejo um grande consenso entre os economistas a respeito de vários temas. O principal problema da economia é fiscal. O desequilíbrio fiscal gerou inflação na década de 1980 e crescimento da dívida pública na década de 1990. Tentou-se uma saída para o desequilíbrio com um aumento da carga tributária. Impostos e gastos cresceram. Para criar espaço para um Estado cada vez maior, foi necessário reduzir a participação dos gastos privados no PIB, o que se consegue com taxa de juros em patamares altíssimos. Para sair dessa armadilha, é preciso cortar gastos públicos.

Folha - Como fazer a economia crescer mais de forma sustentável?
Cardoso -
Eleger um presidente que inspire confiança e que tenha um programa consistente. Uma reforma tributária combinada a uma reforma previdenciária para valer permitiria impor um regime de confiança e reduzir os juros.

Folha - Como a sra. avalia a política econômica?
Cardoso -
Seu lado positivo foi a austeridade fiscal entre 2003 e 2005. Mas, apesar de os indicadores agregados serem bons, os detalhes são de desanimar. Enquanto a maioria dos países emergentes conseguia acordos comerciais, nossa diplomacia só andou para trás com alianças com [o presidente venezuelano Hugo] Chávez e [o presidente da Argentina, Néstor] Kirchner. A administração federal é inoperante. Por exemplo, só 27% das verbas liberadas para obras de infra-estrutura foram usadas, segundo a Abdib [Associação Brasileira da Infra-Estrutura e Indústrias de Base].

Folha - O que precisa mudar?
Cardoso -
Não acredito em mudanças positivas em final de governo. Nas eleições de 2006, teremos de mudar de presidente.

Folha - Lula se elege novamente devido à economia?
Cardoso -
Duvido que Lula se eleja. O Bolsa-Família virou uma bolsa de votos. Mas, mesmo assim, Lula terá de convencer o resto da população de que aprendeu alguma coisa nos últimos anos; que tem programa; que pode implementá-lo. Acho que está ficando mais difícil engabelar eleitores.

Folha - O Brasil está perdendo uma oportunidade de crescer?
Cardoso -
Com certeza. A queda do PIB no trimestre e a valorização do real mostram que as taxas de juros foram elevadas além do necessário e que o Banco Central deveria ter usado a conjuntura internacional favorável para reduzir a Selic há mais tempo.

Folha - Há espaço para aventuras na economia brasileira? Quais as mais temíveis?
Cardoso -
A quem você chamaria de aventureiros? À ministra Dilma, que quer aumentar a gastança? Ao vice-presidente, que quer cortar juros sem levar em conta outras variáveis? Aos radicais, que, esquecidos da experiência de Collor, ainda falam em calote? Ao Dirceu, que pensava ser possível aparelhar o Estado e ficar no poder mais 20 anos?
Como esse pessoal continua por aí, fica provado que sempre há espaço para aventureiros. Mas as aventuras acabam sem final feliz, cada vez com maior rapidez.

Folha - O que o Brasil pode aprender com a Argentina?
Cardoso -
A Argentina só cometeu erros nos últimos dez anos. Assim, o que podemos aprender é não repeti-los. Isto é, devemos manter a austeridade fiscal, fugir do câmbio fixo e evitar o calote.

Folha - A sra. defende a venda dos bancos públicos. Por quê?
Cardoso -
A privatização do BB e da Caixa Econômica é medida indispensável à transparência dos orçamentos do governo e à estabilidade financeira, pois bancos estatais representam empecilhos ao crescimento sustentado. Gerentes de bancos privados direcionam empréstimos aos setores mais competitivos, em que não existe a intromissão do governo.

Folha - Essa é a principal razão em favor da privatização dos bancos e do corte de crédito direcionado?
Cardoso -
É. Em teoria, os gerentes dos bancos públicos poderiam estar sujeitos aos mesmos incentivos que os gerentes dos bancos privados. Na realidade, isso não ocorre. Muitos governos usam os bancos estatais para distribuir favores e influenciar votos.

Folha - Qual deveria ser o modelo do BNDES?
Cardoso -
Um banco comercial, que emprestasse a taxas competitivas. Um mercado de empréstimos de longo prazo deve estar aberto à competição, e não só para os poucos privilegiados pelo BNDES. É verdade que empréstimos privados de longo prazo só existem em mercados financeiros bem desenvolvidos, respaldados numa moeda forte e em orçamentos transparentes. É hora de caminhar nessa direção, vendendo os bancos federais.


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