São Paulo, domingo, 27 de novembro de 2005

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ENTREVISTA

Após ano com perda de renda, falta de recursos, juros altos e febre aftosa, ministro prevê que 2006 ainda será difícil

Agricultura vive pior momento, diz Rodrigues



Se tivéssemos recursos para comercialização, em tempo hábil, não teríamos tido as perdas de renda que tivemos neste ano. O cobertor é curto

Sergio Lima/Folha Imagem
O ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, durante entrevista; para ele, 2006 ainda será um ano difícil para o setor agrícola


SHEILA D'AMORIM
FERNANDO ITOKAZU

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA


Quando aceitou o cargo de ministro da Agricultura, no início do governo Lula, o paulista Roberto Rodrigues, 63, apostava que a bagagem que trazia em 40 anos de trabalho na área agrícola -e que inclui o comando de entidades importantes do setor- o credenciaria para ser "o melhor ministro da Agricultura que o Brasil já teve". Três anos depois, diz-se frustrado, conta que chegou a pensar em pedir demissão e, hoje, luta para se livrar do rótulo de "ministro da crise".
À frente do ministério, no ano em que, segundo ele, a agricultura enfrenta "o pior dos mundos" -com queda na renda, no preço das commodities e na taxa de câmbio, falta de recursos, juros altos e um surto de febre aftosa-, ele afirma que 2006 ainda será um ano difícil.
Mas argumenta que sementes importantes foram plantadas e deverão dar frutos a partir de 2007. Entusiasmado quando fala sobre a importância da agricultura para reduzir a distância entre ricos e pobres, emociona-se ao comentar os avanços que conseguiu e os que ainda pretende concluir, como a regulamentação da Lei de Biossegurança e o projeto de agroenergia.
Nesta entrevista à Folha, ele fala ainda do bombardeio que sofreu dentro do governo, diz que não criticou a política econômica, apenas fez "uma constatação", que o bate-boca público sobre falta de recursos ou a incapacidade dos ministérios gastarem o dinheiro liberado "não faz sentido".
"Se tivéssemos obtido recursos para comercialização, em tempo hábil, não teríamos tido as perdas de renda que tivemos neste ano. Não tinha dinheiro. É preciso entender que o cobertor é curto."
A seguir, os principais trechos da entrevista.

Folha - A agricultura vive uma safra ruim de notícias?
Roberto Rodrigues -
Aconteceu o seguinte neste ano: tivemos uma safra ruim por causa da seca, mal remunerada por causa do preço internacional e do câmbio e dos custos muito altos. Houve uma perda brutal na renda da agricultura. O governo teve de prorrogar as dívidas. O dinheiro emprestado não voltou e faltaram recursos para custeio. Houve perda de renda e, portanto, maior necessidade de dinheiro. Teve menos dinheiro e com juros mais altos. Foi o pior dos mundos.

Folha - Quando sairão os R$ 78 milhões prometidos?
Rodrigues -
Aquilo está sendo desdobrado. Já saiu uma parte para laboratórios: são R$ 37 milhões. Tiramos um pouco daqueles R$ 78 milhões para laboratórios.

Folha - E o restante?
Rodrigues -
Estamos trabalhando para que saia. Já fizemos uma cartinha, mais uma vez, solicitando a liberação.

Folha - Mas não está demorando muito?
Rodrigues -
Na defesa sanitária, temos um problema muito maior, que é uma instrução normativa que determina que, para passar recursos aos Estados, eles têm de estar adimplentes com o governo federal. Então, todos os recursos para a aftosa já repassados estão sem utilização porque não há adimplência dos Estados.

Folha - E o que fazer?
Rodrigues -
Fizemos uma carta para a Casa Civil solicitando que, nesse caso, não haja exigência de adimplência. A saúde pública foi isenta dessa questão. Queremos isonomia para a saúde animal. Estamos aguardando esse retorno.

Folha - Já houve novo descontingenciamento neste mês e o dinheiro ainda não foi integralmente distribuído. Não faz falta?
Rodrigues -
Lógico que faz falta. Mas preciso de instrumentos anteriores. Se não, o recurso chega e não tenho como aplicá-lo. Fica uma situação até estapafúrdia do ponto de vista gerencial.

Folha - O que virá primeiro?
Rodrigues -
Se conseguirmos que a defesa sanitária seja também excepcionalizada como é a da saúde pública, isso resolve instantaneamente. Tocaremos os projetos e preciso de mais dinheiro para complementar ações com outros Estados não atendidos.

Folha - O governo tem discutido a redução do superávit primário. Mas no atual momento não é difícil se aproximar dos 4,25% do PIB, que é a meta?
Rodrigues -
Há dificuldades operacionais para gastar.

Folha - Qual é o tempo necessário, no caso da agricultura?
Rodrigues -
Não existe uma resposta para isso. Cada plano é um plano. Não adianta fazer um plano sem os recursos garantidos. À medida que há a garantia do empenho dos recursos e um sinal da liberação financeira é que você consegue fazer seu programa. Se não, fica sonho, é romântico. Trabalho com dinheiro deferido. Agora, nem o deferido eu consigo aplicar por causa da adimplência.

Folha - E o debate sobre se há falta de dinheiro ou ministros são incapazes de gastar os recursos?
Rodrigues -
É um debate que não faz sentido. É acadêmico, semântico. De fato, você não consegue aplicar? Não, não consigo. Por quê? Porque há inadimplência. Vou ficar brigando em público? Isso é tolice. Bobagem. Não adianta nada, não resolve nada. Não beneficia o governo nem ninguém. Não é saudável, é tolo. É um problema de gestão que temos de administrar. E é o que estou tentando fazer: trabalhando para descontingenciar, para que eu não seja responsabilizado porque não gastei o dinheiro.

Folha - Mas os ministros já vêm sendo responsabilizados...
Rodrigues -
E não gastamos mesmo. Mas por que não gastamos? Vamos discutir por que não foi gasto. Isso não interessa à opinião pública. É debate interno do governo.

Folha - Como lidar com reclamações de todo lado e escassez de recursos?
Rodrigues -
Administrando a escassez que existe. Atendendo às prioridades absolutas dentro do que for possível. Não tem outro jeito. O cobertor é curto e a demanda é muito maior.

Folha - Mas essas afirmações foram vistas como críticas e o sr. apanhou muito por isso...
Rodrigues -
Apanhei pelo seguinte: venho desde o começo do governo reclamando de que os recursos da defesa sanitária e do custeio são insuficientes. E foram mesmo. Se tivéssemos obtido recursos para comercialização, em tempo hábil, não teríamos tido as perdas de renda que tivemos neste ano. Não tinha dinheiro. O que eu iria fazer? O ministro [Antonio] Palocci [Filho, da Fazenda] não pôde me dar o dinheiro. Não tinha. Então é preciso entender que o cobertor é curto.

Folha - E o sr. entende isso?
Rodrigues -
Compreendo. Sei o que é trabalhar com um orçamento apertado. Não fico feliz, mas compreendo. O que vou fazer? É a gestão do possível.

Folha - Então por que isso irrita as pessoas no governo?
Rodrigues -
Porque é irritante. Se você precisa do dinheiro e não consegue, você não fica feliz.

Folha - Mas seus comentários geraram críticas dentro do governo...
Rodrigues -
Isso também faz parte do jogo.

Folha - Mas os comentários alimentaram boatos sobre a sua saída do governo. Essa fase já passou?
Rodrigues -
Nunca passa. Isso aqui é uma moenda de carne humana. Todos chegam a Brasília no último grau de tolerância em relação a seus problemas. Se elas [as pessoas] tivessem resolvido antes, elas não vinham. Aqui é uma tragédia permanente. A agricultura vive uma crise sem precedentes. É realmente inédito. Estamos num ano horroroso.

Folha - Em algum momento nesse período o senhor pensou em sair do governo?
Rodrigues -
Você me faz uma pergunta muito chata. A única coisa que justifica o movimento na vida é a esperança. Se você perde a esperança de que é possível evoluir, progredir, e que a vida pode se tornar melhor, pare. A esperança é o combustível da vida. E a bomba da esperança é o otimismo. Com otimismo, você enche o tanque de esperança.

Folha - O senhor perdeu o otimismo?
Rodrigues -
Sou um otimista incorrigível. Tenho esperança sempre. Se disser: "Nunca pensei em sair", é mentira. Há momentos em que você fica profundamente frustrado, com aquela sensação de que não vai romper com o processo, mas logo vem a esperança. Vou vencer, vou vencer -e você toca para a frente. O Palocci falou: "A hora de sair depende do presidente. Se ele quiser, vou ficando. Se achar que posso ser útil e tiver a minha esperança".

Folha - Fica alguma mágoa?
Rodrigues -
Mágoa, não. Tenho frustração. Tenho 40 anos de experiência na vida privada. Fiz planos para vários ministros. Pensei: vou chegar e resolver tudo. Ledo engano. Não é assim. Há uma imensa demanda, muito maior do que o governo pode fazer. Não tinha a dimensão [dessas demandas]. Fiquei frustrado porque queria ser o maior ministro da Agricultura da história. Mas a vida é assim. Se você me perguntar se sou um homem feliz, responderei "não", porque tenho frustrações. A vida é dura. É preciso lutar. Trabalho das 7h às 22h, todos os dias.

Folha - Pela sua análise, 2006 vai ser um ano duro e 2007 melhora. Se o presidente Lula se reeleger, o sr. tem planos de seguir no cargo?
Rodrigues -
Não. Primeiro por que acho que isso é uma decisão do presidente. Segundo, não tenho visão política. Quero resolver problemas. Fiz uma reestruturação do ministério e estou preocupado com a estrutura.

Folha - Não fica a vontade de aproveitar isso?
Rodrigues -
Moro numa fazenda com palmeiras de cem anos. Não plantei aquilo. Quem vai à minha casa planta uma árvore comigo porque sei que alguém vai se beneficiar. Isso é romântico? Defina como quiser, mas tenho certeza de que quem planta permite a colheita. Não faço questão de levar os louros.

Folha - Como é trabalhar num governo com tantas divergências públicas?
Rodrigues -
Tive uma única divergência, com o Guido Mantega [ex-ministro do Planejamento e atual presidente do BNDES]. Foi uma incontinência verbal minha. Arrependo-me profundamente. Tenho divergências internas.

Folha - Mas o sr. criticou a política econômica publicamente...
Rodrigues -
Disse que a questão cambial inibe a competitividade do agronegócio e, se fosse mais flexível, inibiria menos. Não é crítica, é constatação.

Folha - O ex-ministro Pratini de Moraes defende uma posição mais dura do governo com relação aos embargos excessivos por causa da febre aftosa. O que o sr. acha disso?
Rodrigues -
Precisamos ter absoluta segurança para reagirmos. E o "affair" do Paraná ainda não está totalmente esclarecido. Quando tivermos todos os esclarecimentos, vamos convencer nossos parceiros comerciais de que não há necessidade de manter os embargos à carne bovina brasileira.


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