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ENTREVISTA
Após ano com perda de renda, falta de recursos, juros altos e febre aftosa, ministro prevê que 2006 ainda será difícil
Agricultura vive pior momento, diz Rodrigues
Se tivéssemos recursos para comercialização, em tempo hábil, não teríamos tido as perdas de renda que tivemos neste ano. O cobertor é curto
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Sergio Lima/Folha Imagem
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O ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, durante entrevista; para ele, 2006 ainda será um ano difícil para o setor agrícola |
SHEILA D'AMORIM
FERNANDO ITOKAZU
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Quando aceitou o cargo de ministro da Agricultura, no início do
governo Lula, o paulista Roberto
Rodrigues, 63, apostava que a bagagem que trazia em 40 anos de
trabalho na área agrícola -e que
inclui o comando de entidades
importantes do setor- o credenciaria para ser "o melhor ministro
da Agricultura que o Brasil já teve". Três anos depois, diz-se frustrado, conta que chegou a pensar
em pedir demissão e, hoje, luta
para se livrar do rótulo de "ministro da crise".
À frente do ministério, no ano
em que, segundo ele, a agricultura
enfrenta "o pior dos mundos"
-com queda na renda, no preço
das commodities e na taxa de
câmbio, falta de recursos, juros altos e um surto de febre aftosa-,
ele afirma que 2006 ainda será um
ano difícil.
Mas argumenta que sementes
importantes foram plantadas e
deverão dar frutos a partir de
2007. Entusiasmado quando fala
sobre a importância da agricultura para reduzir a distância entre
ricos e pobres, emociona-se ao
comentar os avanços que conseguiu e os que ainda pretende concluir, como a regulamentação da
Lei de Biossegurança e o projeto
de agroenergia.
Nesta entrevista à Folha, ele fala
ainda do bombardeio que sofreu
dentro do governo, diz que não
criticou a política econômica,
apenas fez "uma constatação",
que o bate-boca público sobre falta de recursos ou a incapacidade
dos ministérios gastarem o dinheiro liberado "não faz sentido".
"Se tivéssemos obtido recursos
para comercialização, em tempo
hábil, não teríamos tido as perdas
de renda que tivemos neste ano.
Não tinha dinheiro. É preciso entender que o cobertor é curto."
A seguir, os principais trechos
da entrevista.
Folha - A agricultura vive uma safra ruim de notícias?
Roberto Rodrigues - Aconteceu o
seguinte neste ano: tivemos uma
safra ruim por causa da seca, mal
remunerada por causa do preço
internacional e do câmbio e dos
custos muito altos. Houve uma
perda brutal na renda da agricultura. O governo teve de prorrogar
as dívidas. O dinheiro emprestado não voltou e faltaram recursos
para custeio. Houve perda de renda e, portanto, maior necessidade
de dinheiro. Teve menos dinheiro
e com juros mais altos. Foi o pior
dos mundos.
Folha - Quando sairão os R$ 78
milhões prometidos?
Rodrigues - Aquilo está sendo
desdobrado. Já saiu uma parte para laboratórios: são R$ 37 milhões. Tiramos um pouco daqueles R$ 78 milhões para laboratórios.
Folha - E o restante?
Rodrigues - Estamos trabalhando para que saia. Já fizemos uma
cartinha, mais uma vez, solicitando a liberação.
Folha - Mas não está demorando
muito?
Rodrigues - Na defesa sanitária,
temos um problema muito
maior, que é uma instrução normativa que determina que, para
passar recursos aos Estados, eles
têm de estar adimplentes com o
governo federal. Então, todos os
recursos para a aftosa já repassados estão sem utilização porque
não há adimplência dos Estados.
Folha - E o que fazer?
Rodrigues - Fizemos uma carta
para a Casa Civil solicitando que,
nesse caso, não haja exigência de
adimplência. A saúde pública foi
isenta dessa questão. Queremos
isonomia para a saúde animal. Estamos aguardando esse retorno.
Folha - Já houve novo descontingenciamento neste mês e o dinheiro ainda não foi integralmente distribuído. Não faz falta?
Rodrigues - Lógico que faz falta.
Mas preciso de instrumentos anteriores. Se não, o recurso chega e
não tenho como aplicá-lo. Fica
uma situação até estapafúrdia do
ponto de vista gerencial.
Folha - O que virá primeiro?
Rodrigues - Se conseguirmos
que a defesa sanitária seja também excepcionalizada como é a
da saúde pública, isso resolve instantaneamente. Tocaremos os
projetos e preciso de mais dinheiro para complementar ações com
outros Estados não atendidos.
Folha - O governo tem discutido a
redução do superávit primário.
Mas no atual momento não é difícil
se aproximar dos 4,25% do PIB,
que é a meta?
Rodrigues - Há dificuldades operacionais para gastar.
Folha - Qual é o tempo necessário, no caso da agricultura?
Rodrigues - Não existe uma resposta para isso. Cada plano é um
plano. Não adianta fazer um plano sem os recursos garantidos. À
medida que há a garantia do empenho dos recursos e um sinal da
liberação financeira é que você
consegue fazer seu programa. Se
não, fica sonho, é romântico. Trabalho com dinheiro deferido.
Agora, nem o deferido eu consigo
aplicar por causa da adimplência.
Folha - E o debate sobre se há falta de dinheiro ou ministros são incapazes de gastar os recursos?
Rodrigues - É um debate que não
faz sentido. É acadêmico, semântico. De fato, você não consegue
aplicar? Não, não consigo. Por
quê? Porque há inadimplência.
Vou ficar brigando em público?
Isso é tolice. Bobagem. Não
adianta nada, não resolve nada.
Não beneficia o governo nem ninguém. Não é saudável, é tolo. É
um problema de gestão que temos de administrar. E é o que estou tentando fazer: trabalhando
para descontingenciar, para que
eu não seja responsabilizado
porque não gastei
o dinheiro.
Folha - Mas os
ministros já vêm
sendo responsabilizados...
Rodrigues - E
não gastamos
mesmo. Mas por
que não gastamos? Vamos discutir por que não
foi gasto. Isso não
interessa à opinião pública. É debate interno do
governo.
Folha - Como lidar com reclamações de todo lado e escassez de recursos?
Rodrigues - Administrando a escassez que existe. Atendendo às
prioridades absolutas dentro do
que for possível. Não tem outro
jeito. O cobertor é curto e a demanda é muito maior.
Folha - Mas essas afirmações foram vistas como críticas e o sr. apanhou muito por isso...
Rodrigues - Apanhei pelo seguinte: venho desde o começo do
governo reclamando de que os recursos da defesa sanitária e do
custeio são insuficientes. E foram
mesmo. Se tivéssemos obtido recursos para comercialização, em
tempo hábil, não teríamos tido as
perdas de renda que tivemos neste ano. Não tinha dinheiro. O que
eu iria fazer? O ministro [Antonio] Palocci [Filho, da Fazenda]
não pôde me dar o dinheiro. Não
tinha. Então é preciso entender
que o cobertor é curto.
Folha - E o sr. entende isso?
Rodrigues - Compreendo. Sei o
que é trabalhar com um orçamento apertado. Não fico feliz, mas
compreendo. O que vou fazer? É a
gestão do possível.
Folha - Então por que isso irrita as
pessoas no governo?
Rodrigues - Porque é irritante. Se
você precisa do dinheiro e não
consegue, você não fica feliz.
Folha - Mas seus
comentários geraram críticas dentro
do governo...
Rodrigues - Isso
também faz parte
do jogo.
Folha - Mas os comentários alimentaram boatos sobre a sua saída do
governo. Essa fase
já passou?
Rodrigues -
Nunca passa. Isso
aqui é uma moenda de carne humana. Todos chegam a Brasília no
último grau de tolerância em relação a seus problemas. Se elas [as
pessoas] tivessem resolvido antes,
elas não vinham. Aqui é uma tragédia permanente. A agricultura
vive uma crise sem precedentes. É
realmente inédito. Estamos num
ano horroroso.
Folha - Em algum momento nesse
período o senhor pensou em sair do
governo?
Rodrigues - Você me faz uma
pergunta muito chata. A única
coisa que justifica o movimento
na vida é a esperança. Se você perde a esperança de que é possível
evoluir, progredir, e que a vida
pode se tornar melhor, pare. A esperança é o combustível da vida.
E a bomba da esperança é o otimismo. Com otimismo, você enche o tanque de esperança.
Folha - O senhor perdeu o otimismo?
Rodrigues - Sou um otimista incorrigível. Tenho esperança sempre. Se disser: "Nunca pensei em
sair", é mentira. Há momentos
em que você fica profundamente
frustrado, com aquela sensação
de que não vai romper com o processo, mas logo vem a esperança.
Vou vencer, vou vencer -e você
toca para a frente. O Palocci falou:
"A hora de sair depende do presidente. Se ele quiser, vou ficando.
Se achar que posso ser útil e tiver a
minha esperança".
Folha - Fica alguma mágoa?
Rodrigues - Mágoa, não. Tenho
frustração. Tenho 40 anos de experiência na vida privada. Fiz planos para vários ministros. Pensei:
vou chegar e resolver tudo. Ledo
engano. Não é assim. Há uma
imensa demanda, muito maior
do que o governo pode fazer. Não
tinha a dimensão [dessas demandas]. Fiquei frustrado porque
queria ser o maior ministro da
Agricultura da história. Mas a vida é assim. Se você me perguntar
se sou um homem feliz, responderei "não", porque tenho frustrações. A vida é dura. É preciso
lutar. Trabalho das 7h às 22h, todos os dias.
Folha - Pela sua análise, 2006 vai
ser um ano duro e 2007 melhora. Se
o presidente Lula se reeleger, o sr.
tem planos de seguir no cargo?
Rodrigues - Não. Primeiro por
que acho que isso é uma decisão
do presidente. Segundo, não tenho visão política. Quero resolver
problemas. Fiz uma reestruturação do ministério e estou preocupado com a estrutura.
Folha - Não fica a vontade de
aproveitar isso?
Rodrigues - Moro numa fazenda
com palmeiras de cem anos. Não
plantei aquilo. Quem vai à minha
casa planta uma árvore comigo
porque sei que alguém vai se beneficiar. Isso é romântico? Defina
como quiser, mas tenho certeza
de que quem planta permite a colheita. Não faço questão de levar
os louros.
Folha - Como é trabalhar num governo com tantas divergências públicas?
Rodrigues - Tive uma única divergência, com o Guido Mantega
[ex-ministro do Planejamento e
atual presidente do BNDES]. Foi
uma incontinência verbal minha.
Arrependo-me profundamente.
Tenho divergências internas.
Folha - Mas o sr. criticou a política
econômica publicamente...
Rodrigues - Disse que a questão
cambial inibe a competitividade
do agronegócio e, se fosse mais
flexível, inibiria menos. Não é crítica, é constatação.
Folha - O ex-ministro Pratini de
Moraes defende uma posição mais
dura do governo com relação aos
embargos excessivos por causa da
febre aftosa. O que o sr. acha disso?
Rodrigues - Precisamos ter absoluta segurança para reagirmos. E
o "affair" do Paraná ainda não está totalmente esclarecido. Quando tivermos todos os esclarecimentos, vamos convencer nossos
parceiros comerciais de que não
há necessidade de manter os embargos à carne bovina brasileira.
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