São Paulo, domingo, 27 de novembro de 2005

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País joga na defensiva em serviços

DO ENVIADO ESPECIAL A GENEBRA

Também em serviços, o terceiro setor importante que está em jogo na Rodada Doha, o Brasil tem um pé no passado e outro no futuro, o que o força a jogar na defensiva.
O futuro, ao menos de acordo com a tendência econômica hegemônica hoje, é a abertura para a participação estrangeira da mais ampla gama de serviços. Sob esse ponto de vista, o Brasil está no futuro: bandeiras estrangeiras estão fincadas em praticamente todos os serviços, como no sistema financeiro e em telecomunicações, as jóias da coroa, sempre citadas quando se fala em serviços.
Mas, em matéria de regulação, seu modelo é primitivo, ao menos na área financeira: cabe ainda ao presidente da República, por determinação constitucional, autorizar a entrada de bancos estrangeiros ou até mesmo a ampliação dos serviços dos já instalados.
O que se pede do Brasil é principalmente consolidar na legislação o que já existe na prática. "Restrições constitucionais não podem servir de desculpa", diz Julien Guerrier, negociador europeu.
Mas há um segundo ponto de atrito entre os países ricos e os emergentes como o Brasil: a proposta dos ricos é mudar as regras estabelecidas em um acordo chamado Gats (Acordo Geral sobre Comércio em Serviços).
Por tais regras, a negociação de acordos em serviços é bilateral e feita na base de oferta e demanda de abertura. Digamos que a União Européia queira abrir o setor brasileiro de águas e saneamento para o capital estrangeiro. Demanda uma negociação, na qual o Brasil, se aceitar, faz sua oferta e pede o que quiser dos europeus.
Para os ricos, não funciona. "O processo negociador no modelo oferta/demanda não ofereceu progressos no aprofundamento dos compromissos de acesso a mercado que nós e outros membros da OMC procuramos", diz Peter Allgeier, embaixador dos Estados Unidos para a OMC.
O que Europa e EUA pedem é um modelo de negociação compulsória em que um número x de setores terá que ser posto à mesa para abertura. O Brasil não aceita. Quer continuar com o direito de oferecer o que lhe convier e proteger o que quiser. Já não aceitou negociar tecnologia da informação e ficou fora do acordo multilateral fechado na 1ª Ministerial da OMC (Cingapura, 1996).
Estados Unidos e Europa jogam a isca do crescimento econômico supostamente decorrente da liberalização: "A economia cresceu 1,5 ponto percentual a mais em países que liberalizaram o mercado [de serviços] em relação aos que permaneceram fechados", diz Allgeier. Reforça Guerrier: "A liberalização dos serviços nos países em desenvolvimento geraria US$ 6 trilhões de renda adicional entre 2005 e 2015".
A isca tem pouco apelo. Entre outras razões porque, na Rodada Uruguai, também foram trombeteados números espetaculares sobre as vantagens do livre comércio. Passados dez anos de sua conclusão, o Fundo Monetário Internacional informa que houve, sim, benefícios, mas os países ricos abocanharam quase US$ 3 de cada US$ 4 de renda adicional (exatamente 73%). (CR)


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