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DINHEIRO
Documento que servirá de base para declaração ministerial reconhece impossibilidade de avanços e já prevê "Hong-Kong-2"
OMC oficializa fracasso das negociações
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A GENEBRA
O diretor-geral da Organização
Mundial do Comércio, Pascal
Lamy, oficializou ontem, em Genebra, a absoluta impossibilidade
de avanços nas negociações da
Rodada Doha de liberalização comercial durante a Conferência
Ministerial, a máxima instância
da OMC, prevista para dezembro
em Hong Kong.
Lamy chega a anunciar uma
"Hong-Kong-2" -tal como já se
especulava no mundo diplomático-, embora não estabeleça uma
data, deixando-a entre parênteses. O texto afirma que a nova
reunião se realizará "não mais tarde do que (...)".
O documento ontem divulgado
pelo diretor-geral é tratado como
o primeiro esboço do que será a
Declaração Ministerial de Hong
Kong, o texto que formaliza os resultados das reuniões da Organização Mundial do Comércio.
Reflete o estágio atual das negociações, ou seja, o limitado número de coincidências e a vastíssima
área de discordâncias entre os 148
países-membros da OMC (serão
149 em Hong Kong, com a entrada da Arábia Saudita).
Nos dois principais temas em
discussão (agricultura e bens industriais), Lamy reconhece que
"falta muito a fazer para estabelecer as modalidades e concluir as
negociações".
Modalidades é o jargão diplomático para designar o que deveria ser uma espécie de pré-negociação, que delimita o objeto da
negociação. Tornou-se, no entanto, o eixo das discussões, o que é
fácil de entender: na parte agrícola, modalidades implicam, entre
outros pontos, definições sobre a
fórmula de redução das tarifas de
importação; tratamento a ser dado aos chamados produtos sensíveis; funcionamento das salvaguardas e produtos especiais para
os países em desenvolvimento;
definições claras sobre o corte
global no teto dos subsídios domésticos distorcivos; e fixação de
data para eliminação dos subsídios à exportação.
Como disse o próprio Lamy à
Folha, uma vez definidas as modalidades, basta jogar o acordado
em um computador que este dará
rapidamente os números finais da
liberalização, seja em agricultura,
seja em indústria.
Tamanho do fracasso
O tamanho do fracasso das negociações pode ser mais facilmente medido quando se sabe que as
modalidades deveriam ter sido
definidas até o início de 2003 (a
Rodada Doha foi lançada em
2001, na capital do Qatar, daí o
nome). Não foi possível. Ficou para a Ministerial anterior, em Cancún (México). Fracassou.
Adiou-se para Hong Kong e,
agora, como afirma o esboço preparado por Lamy, "estamos decididos a estabelecer as modalidades não mais tarde do que (...) e a
submeter o esboço de cronogramas detalhados baseados nessas
modalidades não mais tarde do
que (...)".
Essa indefinição vale tanto para
agricultura como para bens industriais, os dois principais itens
da negociação.
No setor de serviços, o terceiro
grande ponto em discussão pelos
países, o esboço contempla as posições principais. Reafirma a validade do acordo chamado Gats
(Acordo Geral sobre Comércio de
Serviços), o que atende as reivindicações do Brasil, mas também
fala da necessidade de "expandir a
cobertura setorial", como querem
os Estados Unidos e a União Européia.
Traduzindo: pelo Gats, cada
país oferece, na negociação de
serviços, os setores que se dispõe a
liberalizar, o que automaticamente exclui todos os outros.
Os países ricos preferem que haja uma oferta compulsória de um
número de setores a ser negociado, mas que teria que ser razoável.
Lado positivo
O embaixador brasileiro em Genebra, Clodoaldo Hugueney, festejou o texto não pelo que contém
mas pelo que deixou de ter.
"Tenho longa experiência nesse
tipo de negociação e, pela primeira vez, recebo um esboço que não
contém surpresas", disse.
Tradução: em vez de encampar
posições dos países ricos, como
foi muitas vezes a praxe na OMC
ou no seu antecessor, o Gatt,
Lamy apenas "refletiu o que está
acontecendo na negociação,
aqueles pontos em que há acordo
e aqueles em que há divergências", diz o embaixador.
Fecha o raciocínio com uma
ironia: "Se não podemos concordar, também não podemos chamar alguém para concordar em
nosso lugar".
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