São Paulo, domingo, 27 de novembro de 2005

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DINHEIRO

Documento que servirá de base para declaração ministerial reconhece impossibilidade de avanços e já prevê "Hong-Kong-2"
OMC oficializa fracasso das negociações

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A GENEBRA

O diretor-geral da Organização Mundial do Comércio, Pascal Lamy, oficializou ontem, em Genebra, a absoluta impossibilidade de avanços nas negociações da Rodada Doha de liberalização comercial durante a Conferência Ministerial, a máxima instância da OMC, prevista para dezembro em Hong Kong.
Lamy chega a anunciar uma "Hong-Kong-2" -tal como já se especulava no mundo diplomático-, embora não estabeleça uma data, deixando-a entre parênteses. O texto afirma que a nova reunião se realizará "não mais tarde do que (...)".
O documento ontem divulgado pelo diretor-geral é tratado como o primeiro esboço do que será a Declaração Ministerial de Hong Kong, o texto que formaliza os resultados das reuniões da Organização Mundial do Comércio.
Reflete o estágio atual das negociações, ou seja, o limitado número de coincidências e a vastíssima área de discordâncias entre os 148 países-membros da OMC (serão 149 em Hong Kong, com a entrada da Arábia Saudita).
Nos dois principais temas em discussão (agricultura e bens industriais), Lamy reconhece que "falta muito a fazer para estabelecer as modalidades e concluir as negociações".
Modalidades é o jargão diplomático para designar o que deveria ser uma espécie de pré-negociação, que delimita o objeto da negociação. Tornou-se, no entanto, o eixo das discussões, o que é fácil de entender: na parte agrícola, modalidades implicam, entre outros pontos, definições sobre a fórmula de redução das tarifas de importação; tratamento a ser dado aos chamados produtos sensíveis; funcionamento das salvaguardas e produtos especiais para os países em desenvolvimento; definições claras sobre o corte global no teto dos subsídios domésticos distorcivos; e fixação de data para eliminação dos subsídios à exportação.
Como disse o próprio Lamy à Folha, uma vez definidas as modalidades, basta jogar o acordado em um computador que este dará rapidamente os números finais da liberalização, seja em agricultura, seja em indústria.

Tamanho do fracasso
O tamanho do fracasso das negociações pode ser mais facilmente medido quando se sabe que as modalidades deveriam ter sido definidas até o início de 2003 (a Rodada Doha foi lançada em 2001, na capital do Qatar, daí o nome). Não foi possível. Ficou para a Ministerial anterior, em Cancún (México). Fracassou.
Adiou-se para Hong Kong e, agora, como afirma o esboço preparado por Lamy, "estamos decididos a estabelecer as modalidades não mais tarde do que (...) e a submeter o esboço de cronogramas detalhados baseados nessas modalidades não mais tarde do que (...)".
Essa indefinição vale tanto para agricultura como para bens industriais, os dois principais itens da negociação.
No setor de serviços, o terceiro grande ponto em discussão pelos países, o esboço contempla as posições principais. Reafirma a validade do acordo chamado Gats (Acordo Geral sobre Comércio de Serviços), o que atende as reivindicações do Brasil, mas também fala da necessidade de "expandir a cobertura setorial", como querem os Estados Unidos e a União Européia.
Traduzindo: pelo Gats, cada país oferece, na negociação de serviços, os setores que se dispõe a liberalizar, o que automaticamente exclui todos os outros.
Os países ricos preferem que haja uma oferta compulsória de um número de setores a ser negociado, mas que teria que ser razoável.

Lado positivo
O embaixador brasileiro em Genebra, Clodoaldo Hugueney, festejou o texto não pelo que contém mas pelo que deixou de ter.
"Tenho longa experiência nesse tipo de negociação e, pela primeira vez, recebo um esboço que não contém surpresas", disse.
Tradução: em vez de encampar posições dos países ricos, como foi muitas vezes a praxe na OMC ou no seu antecessor, o Gatt, Lamy apenas "refletiu o que está acontecendo na negociação, aqueles pontos em que há acordo e aqueles em que há divergências", diz o embaixador.
Fecha o raciocínio com uma ironia: "Se não podemos concordar, também não podemos chamar alguém para concordar em nosso lugar".


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