São Paulo, quinta-feira, 27 de novembro de 2008

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VINICIUS TORRES FREIRE

Brasil: está frio, está quente?


Primeiros dados sobre meses do pânico mostram estragos, mas não tão terríveis como pareciam, dada a gritaria

PARA QUEM viveu como adulto ou quase isso o quarto de século da crise brasileira iniciada nos anos 1980, os primeiros indicadores sobre o efeito do tumulto mundial sobre o Brasil afinal não pareceram tão impressionantes. Dias piores estão à espreita, decerto, mas as muralhas resistiram à primeira grande carga dos cavaleiros do apocalipse da finança euroamericana.
É o que se depreende da publicação do primeiro trio relevante de informações agregadas sobre a economia em outubro: contas externas, crédito e contas públicas.
O déficit do setor público é mais baixo desde quando tal medida é confiável -1991. Caiu bastante em relação à média do ano, a 1,1% do PIB. Sim, sabe-se que a receita federal tem crescido ao dobro do ritmo do PIB. Sim, o déficit da Previdência não deverá cair tanto como neste ano, de alta forte na carteira assinada. Sim, o governo encomendou gastos pesados para 2009. Mas, desde abril, o crescimento da despesa se acalmou. Enfim, ainda que os ingredientes não sejam de primeira qualidade, o bolo do déficit fiscal até que ficou com uma cara boa.
Viu-se que não houve o "congelamento geral" do crédito. Os bancos enfiaram a faca, é verdade, elevando os juros muito além do aumento de seus custo de captação. A concessão de crédito para pessoas físicas caiu em relação a outubro de 2007, mas não a de empréstimos para empresas, as quais no entanto os juros escorcharam. Enfim, houve mais encarecimento do que seca de crédito.
O fato de os bancos estatais terem dado uma força extra para segurar a peteca dos empréstimos é um dilema. Avançaram mais no crédito que bancos privados, em geral. Ok, se a discrepância for momentânea, um calmante para o pânico. Mas os estatais não serão capazes de conter tendências duradouras de contração econômica -e, se tentarem fazê-lo, podem arrumar rombos.
No caso do crédito externo, os exportadores penaram, sim, no deserto. Quanto a emissões de papéis no exterior, o resultado foi previsivelmente ruim (mas de 2001 a 2005 foram piores). Mas o desastre parou por aí no financiamento externo.
Para contraditar, ao menos por ora, os pessimistas (como este que escreve), o saldo da conta corrente foi bem melhor do que o esperado. Caíram as remessas de lucros, gasta-se menos em viagens e compras no exterior, e a balança comercial ainda não afundou. O investimento externo "na produção" ainda está em ritmo pré-crise, embora o desembolso de dinheiro para tais projetos seja um reflexo de decisões já antigas.
Já fomos varridos pela maxidesvalorização do real e pela seca localizada de crédito, mas as ondas do maremoto da crise mundial ainda não chegaram todas. Haverá o risco de o saldo comercial cair demais (mas não sabemos se as importações vão cair também e se outras contas do balanço externo vão melhorar). O nível de emprego costuma reagir mais tarde tanto em recuperações como em declínios econômicos. É pois muito cedo para prever efeitos da queda na atividade sobre a arrecadação de impostos. Mas os amortecedores brasileiros contra a crise funcionaram e estão intactos: reservas, contas públicas, inflação ruim mas não descabelada e contas externas sem deterioração adicional.

vinit@uol.com.br



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