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OPINIÃO ECONÔMICA
O governo Lula e os conflitos internos do PT
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
O governo Lula tem a cara
do PT. O ministério anunciado pelo novo presidente reflete
de maneira muito clara a dinâmica política do partido desde a
sua fundação. Sua marca principal é a existência de pelo menos
duas correntes ideológicas opostas e que vão tentar coexistir: um
grupo que caminhou para a Social Democracia estilo europeu e
outro que permaneceu com seu
pensamento marxista. Colocado
em outros termos, temos uma direita que incorporou a economia
de mercado em sua ideologia e
uma esquerda que ainda pensa
em termos de socialismo.
Aqueles que acompanharam o
PT em sua longa marcha em direção ao poder político do país sempre identificaram em Lula o elemento que permitia a liga política
entre suas várias tendências ideológicas. O novo presidente desenvolveu, ao longo de anos de militância, uma incrível capacidade
de acomodar os conflitos internos, mesmo em momentos agudos de enfrentamento quase físico
entre os militantes, e conseguir ao
final um compromisso. Embora
ele pertença à ala que hoje é considerada mais à direita e que controla o poder no partido, sempre
foi aceito nos grupos mais radicais e minoritários. A composição
de sua equipe de governo é o espelho desses conflitos internos, que a
campanha eleitoral escondeu da
opinião pública, e mostra que Lula vai governar tentando manter
essa tradição de ambiguidade do
PT. A convivência do futuro ministro da Fazenda, hoje um homem conservador no que diz respeito à política econômica, e do
presidente do Banco Central com
um trotskista no comando do Ministério da Reforma Agrária é,
para citar apenas o caso mais
chocante, um sinal claro dessa
tentativa.
Essa transposição do modo Lula de equilibrar as tendências políticas de seu partido para o governo é o grande risco que vejo no
ministério anunciado. O sucesso
obtido na acomodação da política interna do PT não garante que
o presidente possa governar com
esses mesmos conflitos. O palco, as
luzes e principalmente o público
serão completamente diferentes.
A repercussão dessas brigas e diferenças de opinião na mídia, que
habilmente sabe transformar
conflitos internos em notícias, serão de natureza diferente. E não
estaremos falando de divergências de superfície, mas sim de diferenças do tipo socialismo ou capitalismo, manter a responsabilidade fiscal ou fazer dos gastos do governo uma força ativa na dinâmica econômica e outras questões
polares como essas.Uma coisa é
explorar as brigas internas de José
Dirceu com Antonio Palocci Filho
na condição de militantes de um
partido político fora do governo;
outra será repercutir os conflitos
entre dois ministros fortes do governo. Uma coisa é noticiar, certamente nas páginas internas de
um jornal de grande circulação,
as declarações radicais de alguns
petistas sobre a questão da reforma agrária no país; outra será o
impacto dessas declarações saídas
da boca ou do punho do ministro
da Reforma Agrária.
Outra característica importante
do ministério que vai tomar posse, e que reforça esse potencial de
conflito, é a clara hegemonia petista. As alianças políticas, feitas
pelo partido nas eleições de outubro passado, não representaram
um compromisso de divisão de
poder. Este fica integralmente
com o partido, como, aliás, ensina
o estrategista político de José Dirceu, Antonio Gramsci. Aos aliados sobraram os ministérios do
Turismo, dos Esportes, dos Transportes (sem recursos financeiros)
e da Integração Nacional (esvaziado de seus braços operacionais). Em outras palavras, o osso!
Mesmo os ministros que não pertencem ao PT, como o da Agricultura e o do Desenvolvimento Econômico, fazem parte do governo
por uma decisão estratégica do
partido, e de Lula, de se alinhar
com o chamado empresariado
nacional.
Outra questão importante na
mudança entre o PT oposição e o
PT governo e que está intimamente ligado ao novo tratamento
a ser dado pela mídia às ambiguidades petistas será sua repercussão sobre o funcionamento da
economia. A parte mais sensível
desse estresse de expectativas, que
estou prevendo, acontecerá sobre
os mercados financeiros. Acostumados a viver com os olhos pregados nos veículos on-line de informações, os operadores, aqui no
Brasil e no exterior, vão explorar
ao máximo esse desfiar de brigas
e conflitos. A blindagem política
que foi feita sobre a equipe econômica, e que ficou mais clara a
partir das declarações cautelosas
de Guido Mantega depois de sua
escolha para o Ministério do Planejamento, deve reduzir inicialmente os estragos da dubiedade
petista sobre os preços dos ativos
brasileiros.
O início do ano deve trazer alguma folga no encilhamento, na
rolagem da dívida pública interna e no financiamento de nossas
contas externas. Alguns analistas
estão prevendo um período de valorização do real devido aos vencimentos menores de nossa dívida externa e da entrada de capitais financeiros de curto prazo.
Caso esse cenário mais otimista
ocorra, a posição da equipe econômica ficará fortalecida, adiando com isso um conflito mais intenso com a esquerda do governo.
Mas as divergências sobre a condução da economia estarão presentes na mídia e devem gerar um
sentimento de medo em relação
ao futuro entre os investidores.
Em outras palavras, teremos que
pagar taxas de juros mais elevadas, aqui no Brasil e no exterior,
devido a essas ambiguidades de
opinião dentro do governo. Também as decisões de mais longo
prazo, como a definição de novos
investimentos das empresas do
setor produtivo, serão afetadas
pelos conflitos dentro da equipe
de Lula. Os empresários vão esperar algum tempo antes de tomar
suas decisões, aguardando sinais
mais claros sobre a linha definitiva de atuação do governo e o vencedor desse embate ideológico e
programático.
Será que Lula tem claras as diferenças entre sua experiência passada como símbolo do partido da
estrela e suas responsabilidades
como presidente da República?
Espero sinceramente que sim.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, 59,
engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e
ministro das Comunicações (governo
FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br
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