São Paulo, sexta-feira, 27 de dezembro de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

O governo Lula e os conflitos internos do PT

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

O governo Lula tem a cara do PT. O ministério anunciado pelo novo presidente reflete de maneira muito clara a dinâmica política do partido desde a sua fundação. Sua marca principal é a existência de pelo menos duas correntes ideológicas opostas e que vão tentar coexistir: um grupo que caminhou para a Social Democracia estilo europeu e outro que permaneceu com seu pensamento marxista. Colocado em outros termos, temos uma direita que incorporou a economia de mercado em sua ideologia e uma esquerda que ainda pensa em termos de socialismo.
Aqueles que acompanharam o PT em sua longa marcha em direção ao poder político do país sempre identificaram em Lula o elemento que permitia a liga política entre suas várias tendências ideológicas. O novo presidente desenvolveu, ao longo de anos de militância, uma incrível capacidade de acomodar os conflitos internos, mesmo em momentos agudos de enfrentamento quase físico entre os militantes, e conseguir ao final um compromisso. Embora ele pertença à ala que hoje é considerada mais à direita e que controla o poder no partido, sempre foi aceito nos grupos mais radicais e minoritários. A composição de sua equipe de governo é o espelho desses conflitos internos, que a campanha eleitoral escondeu da opinião pública, e mostra que Lula vai governar tentando manter essa tradição de ambiguidade do PT. A convivência do futuro ministro da Fazenda, hoje um homem conservador no que diz respeito à política econômica, e do presidente do Banco Central com um trotskista no comando do Ministério da Reforma Agrária é, para citar apenas o caso mais chocante, um sinal claro dessa tentativa.
Essa transposição do modo Lula de equilibrar as tendências políticas de seu partido para o governo é o grande risco que vejo no ministério anunciado. O sucesso obtido na acomodação da política interna do PT não garante que o presidente possa governar com esses mesmos conflitos. O palco, as luzes e principalmente o público serão completamente diferentes. A repercussão dessas brigas e diferenças de opinião na mídia, que habilmente sabe transformar conflitos internos em notícias, serão de natureza diferente. E não estaremos falando de divergências de superfície, mas sim de diferenças do tipo socialismo ou capitalismo, manter a responsabilidade fiscal ou fazer dos gastos do governo uma força ativa na dinâmica econômica e outras questões polares como essas.Uma coisa é explorar as brigas internas de José Dirceu com Antonio Palocci Filho na condição de militantes de um partido político fora do governo; outra será repercutir os conflitos entre dois ministros fortes do governo. Uma coisa é noticiar, certamente nas páginas internas de um jornal de grande circulação, as declarações radicais de alguns petistas sobre a questão da reforma agrária no país; outra será o impacto dessas declarações saídas da boca ou do punho do ministro da Reforma Agrária.
Outra característica importante do ministério que vai tomar posse, e que reforça esse potencial de conflito, é a clara hegemonia petista. As alianças políticas, feitas pelo partido nas eleições de outubro passado, não representaram um compromisso de divisão de poder. Este fica integralmente com o partido, como, aliás, ensina o estrategista político de José Dirceu, Antonio Gramsci. Aos aliados sobraram os ministérios do Turismo, dos Esportes, dos Transportes (sem recursos financeiros) e da Integração Nacional (esvaziado de seus braços operacionais). Em outras palavras, o osso! Mesmo os ministros que não pertencem ao PT, como o da Agricultura e o do Desenvolvimento Econômico, fazem parte do governo por uma decisão estratégica do partido, e de Lula, de se alinhar com o chamado empresariado nacional.
Outra questão importante na mudança entre o PT oposição e o PT governo e que está intimamente ligado ao novo tratamento a ser dado pela mídia às ambiguidades petistas será sua repercussão sobre o funcionamento da economia. A parte mais sensível desse estresse de expectativas, que estou prevendo, acontecerá sobre os mercados financeiros. Acostumados a viver com os olhos pregados nos veículos on-line de informações, os operadores, aqui no Brasil e no exterior, vão explorar ao máximo esse desfiar de brigas e conflitos. A blindagem política que foi feita sobre a equipe econômica, e que ficou mais clara a partir das declarações cautelosas de Guido Mantega depois de sua escolha para o Ministério do Planejamento, deve reduzir inicialmente os estragos da dubiedade petista sobre os preços dos ativos brasileiros.
O início do ano deve trazer alguma folga no encilhamento, na rolagem da dívida pública interna e no financiamento de nossas contas externas. Alguns analistas estão prevendo um período de valorização do real devido aos vencimentos menores de nossa dívida externa e da entrada de capitais financeiros de curto prazo. Caso esse cenário mais otimista ocorra, a posição da equipe econômica ficará fortalecida, adiando com isso um conflito mais intenso com a esquerda do governo. Mas as divergências sobre a condução da economia estarão presentes na mídia e devem gerar um sentimento de medo em relação ao futuro entre os investidores. Em outras palavras, teremos que pagar taxas de juros mais elevadas, aqui no Brasil e no exterior, devido a essas ambiguidades de opinião dentro do governo. Também as decisões de mais longo prazo, como a definição de novos investimentos das empresas do setor produtivo, serão afetadas pelos conflitos dentro da equipe de Lula. Os empresários vão esperar algum tempo antes de tomar suas decisões, aguardando sinais mais claros sobre a linha definitiva de atuação do governo e o vencedor desse embate ideológico e programático.
Será que Lula tem claras as diferenças entre sua experiência passada como símbolo do partido da estrela e suas responsabilidades como presidente da República? Espero sinceramente que sim.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 59, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br


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