São Paulo, sexta-feira, 27 de dezembro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ANÁLISE/ECONOMIA GLOBAL

Demanda mundial caminha para o Oriente

DO "FINANCIAL TIMES"

Os consumidores norte-americanos já foram muito criticados como perdulários irresponsáveis. Mas, ultimamente, eles vêm sendo os salvadores das classes trabalhadoras de todo o mundo. Seu apetite voraz por engenhocas, bugigangas e bobagens em geral ajudou a tirar a Ásia de sua crise financeira de 1997-98. Eles também geraram um aumento de demanda na economia mundial -e assim enriqueceram os países produtores mais pobres.
Mas essa orgia sem precedentes de generosidade egoísta deve certamente estar chegando ao fim. Os endividados consumidores dos Estados Unidos não podem continuar gastando como no passado. Recentemente, o déficit em conta corrente dos Estados Unidos vem sendo financiado por influxos de capital que equivalem a espantosos 76% do superávit total em conta corrente mundial.
Se a história serve de guia quanto ao futuro, esse imenso desequilíbrio financeiro agora se desfará, à medida que o dólar entra em queda e o déficit da conta corrente dos EUA se contrai.
Na ausência de consumidores norte-americanos vorazes, quem puxará a demanda mundial nos próximos 20 anos? Bem, a próxima novidade da economia mundial será o consumidor do "baby boom" asiático.

Geração de consumistas
Um tema emergente nos relatórios de muitos corretores de valores é que os jovens, confiantes e cada vez mais prósperos habitantes de China, Índia, Coréia do Sul e Sudeste Asiático estão perto de estimular a prosperidade mundial, abrindo suas carteiras. Demografia é destino, como diz o ditado.
E o destino parece estar sorrindo para a Ásia. Quase 58% dos 6,1 bilhões de habitantes do mundo vivem na região, e uma proporção cada vez mais alta deles atingirá a idade de pico para o consumo.
Mas será que os argumentos em favor da ascensão asiática resistem a uma análise? Ou não passam de conversa de vendedor para tentar estimular algum movimento no mercado?
Um dos casos mais bem argumentados foi apresentado pela CLSA, uma corretora de valores cujo foco é a Ásia. A empresa alega que a Ásia está prestes a assistir à emergência de uma geração exuberante e gastadora, semelhante à do "baby boom" dos Estados Unidos (os norte-americanos nascidos entre 1946 e 1964), o que conduzirá a uma expansão econômica mais rápida e a grandes oportunidades de investimento, da mesma maneira que o amadurecimento da geração do pós-Guerra nos EUA estimulou a economia do país nos últimos 50 anos.
O argumento tem quatro bases. Primeiro, a CLSA estima que o número de asiáticos com rendas anuais superiores a US$ 5.000 aumentará de 226 milhões, no ano passado, a 1,12 bilhão, em 2020. Com base na experiência asiática geral, os economistas estimam que os consumidores que excedem esse nível de renda gastam 60% de sua renda adicional em bens de consumo que não sejam essenciais.
Segundo, o índice tradicionalmente elevado de poupança dos asiáticos, de cerca de 30%, está começando a declinar, prometendo alimentar uma revolução de consumo. O alto índice de poupança talvez reflita as tradições confucianas da frugalidade e da necessidade de proteção contra regimes inadequados de aposentadoria e serviços de saúde. Mas a geração mais jovem de asiáticos tem a capacidade de gastar e parece disposta a viver o presente em lugar de poupar para o amanhã.
Terceiro, a Ásia distribuiu bem os benefícios do crescimento econômico, ajudando a fomentar uma classe média e a manter a estabilidade social. Em média, os 20% mais ricos da população respondem por 46% da renda na Ásia, ante 57% na América Latina.
Quarto, os asiáticos começam a apreciar as vantagens da "terapia do varejo" e estão sendo encorajados a isso por bancos indulgentes. O índice de posse de bens de consumo, tais como televisores, refrigeradores e telefones celulares, disparou. Os bancos comerciais que emprestaram demais às grandes empresas que estavam se ampliando em demasia antes do "crash" de 1997 agora preferem expandir suas carteiras de crédito ao consumidor, oferecendo hipotecas e cartões de crédito.
A maior parte dessas tendências é clara e incontestável. Além disso, muitos governos asiáticos que se sentem ameaçados pela ascensão da máquina industrial chinesa estão ansiosos por estimular a demanda interna, para reduzir sua dependência das exportações. Mas ainda é cedo, para a maior parte dos países asiáticos. A prosperidade econômica da região ainda será ligada aos impulsos dos consumidores norte-americanos por muitos anos.
Além disso, as preocupações sobre a estabilidade do sistema financeiro japonês, sobre a segurança da península coreana e sobre a legitimidade política da liderança chinesa devem causar alguns choques inesperados ao longo dos próximos anos. A expansão econômica contínua da Ásia não é uma rua de mão única.

Defesa do consumidor
A melhor maneira de as economias emergentes asiáticas assegurarem que esse sonho promissor de uma revolução de consumo se torne realidade é reforçar as bases de seus mercados. Os consumidores norte-americanos podem gastar com confiança porque, apesar dos escândalos em grandes empresas, eles são amparados por leis e regulamentos criados para protegê-los.
Regimes legais fortes, governo honesto e aberto, supervisão sensata ao setor financeiro e proteção vigorosa ao consumidor são vitais para as economias de serviço bem-sucedidas. Nessa frente, a Ásia ainda tem um longo caminho a percorrer.


Tradução de Paulo Migliacci


Texto Anterior: Vizinho em crise: No 1º dia sem câmbio oficial, dólar tem queda de 1,7% na Argentina
Próximo Texto: Trecho
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.