|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ANÁLISE/ECONOMIA GLOBAL
Demanda mundial caminha para o Oriente
DO "FINANCIAL TIMES"
Os consumidores norte-americanos já foram muito
criticados como perdulários irresponsáveis. Mas, ultimamente, eles
vêm sendo os salvadores das classes trabalhadoras de todo o mundo. Seu apetite voraz por engenhocas, bugigangas e bobagens
em geral ajudou a tirar a Ásia de
sua crise financeira de 1997-98.
Eles também geraram um aumento de demanda na economia
mundial -e assim enriqueceram
os países produtores mais pobres.
Mas essa orgia sem precedentes
de generosidade egoísta deve certamente estar chegando ao fim.
Os endividados consumidores
dos Estados Unidos não podem
continuar gastando como no passado. Recentemente, o déficit em
conta corrente dos Estados Unidos vem sendo financiado por influxos de capital que equivalem a
espantosos 76% do superávit total
em conta corrente mundial.
Se a história serve de guia quanto ao futuro, esse imenso desequilíbrio financeiro agora se desfará,
à medida que o dólar entra em
queda e o déficit da conta corrente
dos EUA se contrai.
Na ausência de consumidores
norte-americanos vorazes, quem
puxará a demanda mundial nos
próximos 20 anos? Bem, a próxima novidade da economia mundial será o consumidor do "baby
boom" asiático.
Geração de consumistas
Um tema emergente nos relatórios de muitos corretores de valores é que os jovens, confiantes e
cada vez mais prósperos habitantes de China, Índia, Coréia do Sul
e Sudeste Asiático estão perto de
estimular a prosperidade mundial, abrindo suas carteiras. Demografia é destino, como diz o ditado.
E o destino parece estar sorrindo para a Ásia. Quase 58% dos 6,1
bilhões de habitantes do mundo
vivem na região, e uma proporção
cada vez mais alta deles atingirá a
idade de pico para o consumo.
Mas será que os argumentos em
favor da ascensão asiática resistem a uma análise? Ou não passam de conversa de vendedor para tentar estimular algum movimento no mercado?
Um dos casos mais bem argumentados foi apresentado pela
CLSA, uma corretora de valores
cujo foco é a Ásia. A empresa alega que a Ásia está prestes a assistir
à emergência de uma geração
exuberante e gastadora, semelhante à do "baby boom" dos Estados Unidos (os norte-americanos nascidos entre 1946 e 1964), o
que conduzirá a uma expansão
econômica mais rápida e a grandes oportunidades de investimento, da mesma maneira que o
amadurecimento da geração do
pós-Guerra nos EUA estimulou a
economia do país nos últimos 50
anos.
O argumento tem quatro bases.
Primeiro, a CLSA estima que o
número de asiáticos com rendas
anuais superiores a US$ 5.000 aumentará de 226 milhões, no ano
passado, a 1,12 bilhão, em 2020.
Com base na experiência asiática
geral, os economistas estimam
que os consumidores que excedem esse nível de renda gastam
60% de sua renda adicional em
bens de consumo que não sejam
essenciais.
Segundo, o índice tradicionalmente elevado de poupança dos
asiáticos, de cerca de 30%, está começando a declinar, prometendo
alimentar uma revolução de consumo. O alto índice de poupança
talvez reflita as tradições confucianas da frugalidade e da necessidade de proteção contra regimes
inadequados de aposentadoria e
serviços de saúde. Mas a geração
mais jovem de asiáticos tem a capacidade de gastar e parece disposta a viver o presente em lugar
de poupar para o amanhã.
Terceiro, a Ásia distribuiu bem
os benefícios do crescimento econômico, ajudando a fomentar
uma classe média e a manter a estabilidade social. Em média, os
20% mais ricos da população respondem por 46% da renda na
Ásia, ante 57% na América Latina.
Quarto, os asiáticos começam a
apreciar as vantagens da "terapia
do varejo" e estão sendo encorajados a isso por bancos indulgentes.
O índice de posse de bens de consumo, tais como televisores, refrigeradores e telefones celulares,
disparou. Os bancos comerciais
que emprestaram demais às grandes empresas que estavam se ampliando em demasia antes do
"crash" de 1997 agora preferem
expandir suas carteiras de crédito
ao consumidor, oferecendo hipotecas e cartões de crédito.
A maior parte dessas tendências
é clara e incontestável. Além disso, muitos governos asiáticos que
se sentem ameaçados pela ascensão da máquina industrial chinesa
estão ansiosos por estimular a demanda interna, para reduzir sua
dependência das exportações.
Mas ainda é cedo, para a maior
parte dos países asiáticos. A prosperidade econômica da região
ainda será ligada aos impulsos
dos consumidores norte-americanos por muitos anos.
Além disso, as preocupações sobre a estabilidade do sistema financeiro japonês, sobre a segurança da península coreana e sobre a legitimidade política da liderança chinesa devem causar alguns choques inesperados ao longo dos próximos anos. A expansão econômica contínua da Ásia
não é uma rua de mão única.
Defesa do consumidor
A melhor maneira de as economias emergentes asiáticas assegurarem que esse sonho promissor
de uma revolução de consumo se
torne realidade é reforçar as bases
de seus mercados. Os consumidores norte-americanos podem gastar com confiança porque, apesar
dos escândalos em grandes empresas, eles são amparados por
leis e regulamentos criados para
protegê-los.
Regimes legais fortes, governo
honesto e aberto, supervisão sensata ao setor financeiro e proteção
vigorosa ao consumidor são vitais
para as economias de serviço
bem-sucedidas. Nessa frente, a
Ásia ainda tem um longo caminho a percorrer.
Tradução de Paulo Migliacci
Texto Anterior: Vizinho em crise: No 1º dia sem câmbio oficial, dólar tem queda de 1,7% na Argentina Próximo Texto: Trecho Índice
|