São Paulo, quarta-feira, 27 de dezembro de 2006

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ALEXANDRE SCHWARTSMAN

Resposta a Almotásim


Se no Brasil a taxa de câmbio fosse fixa, a taxa de juros não poderia ser diferente daquela paga pelos títulos no exterior

RECEBO muitas mensagens por e-mail. Afora insultos ocasionais, a interação com os leitores enriquece meu trabalho e sugere novos tópicos para os artigos. Um tema que tem aparecido com certa freqüência -de onde imagino que há uma fonte, o Almotásim, disseminando essa idéia equivocada- diz respeito à relação da taxa de juros a que o Brasil pode tomar recursos no mercado externo e a taxa de juros que prevalece no país. Por que, perguntam, se o Brasil pode emitir títulos de dez anos no exterior com rendimentos em torno de 6% ao ano, a taxa doméstica de juros é tão maior?
Antes de entrar no caso brasileiro, peço ao leitor que considere dois exemplos. Os EUA têm uma avaliação de risco de crédito algo melhor do que o Japão, e poderiam, portanto, emitir títulos denominados em ienes a taxas, no máximo, iguais àquelas pagas pelo Tesouro japonês.
Tomando como referência um título de dez anos, os EUA poderiam emitir um papel denominado em ienes a uma taxa ao redor de 1,6% ao ano, enquanto a taxa dos Fed Funds (o equivalente à Selic) é de 5,25%.
Por outro lado, as taxas de juros da Alemanha e da França, países com risco de crédito similar, são praticamente idênticas, desde a taxa de curtíssimo prazo àquela que baliza os títulos públicos de dez anos.
Por que, quando tratamos de Japão e EUA, as taxas diferem tanto, mais altas para o país com crédito melhor, enquanto no outro caso as taxas são idênticas? A resposta passa pelos regimes cambiais vigentes nesses países.
Alemanha e França escolheram um regime extremo de fixação da taxa de câmbio: a adoção da moeda única. Nesse contexto, diferenças entre as taxas de juros que não sejam associadas a diferenças de percepção de risco de crédito não podem persistir. Se as taxas de juros fossem mais baixas na França do que na Alemanha, especuladores tomariam recursos na França e os emprestariam na Alemanha, embolsando a diferença. Esse processo -conhecido como "arbitragem"- faz as taxas de juros convergirem para o mesmo patamar.
Por que, então, a "arbitragem" não parece funcionar no caso EUA-Japão? Porque a taxa de câmbio entre esses países é flutuante: se alguém toma recursos no Japão para emprestar nos EUA, faz com que o dólar se aprecie em relação ao seu nível de equilíbrio (pois o arbitrador vende ienes e compra dólares), gerando uma expectativa de que o dólar vá, à frente, se depreciar. Em tese, a "arbitragem" cessa quando a apreciação corrente chega a um ponto no qual a depreciação esperada corresponde exatamente à diferença entre as taxas de juros americanas e japonesas. Note-se que, nesse caso, a "arbitragem" afeta a taxa de câmbio, mas não as taxas de juros.
Assim, se no Brasil a taxa de câmbio fosse fixa (como é entre Alemanha e França), a taxa de juros doméstica não poderia ser muito diferente da taxa de juros paga pelos títulos brasileiros no exterior, dado que o risco de crédito em ambos os casos é praticamente o mesmo. Como, porém, a taxa de câmbio é flutuante, não há nenhuma força de mercado que faça essas taxas de juros se igualarem, como no caso das taxas americanas e japonesas.
Dito isso, um leitor mais insistente poderia questionar se o BC não poderia desempenhar esse papel, trazendo a taxa de juros doméstica para o patamar das taxas a que o país toma recursos em dólares, reduzindo a Selic para cerca de 6% ao ano?
A resposta para essa questão é a mesma que o leitor receberia se perguntasse ao professor Bernanke por que ele não reduz a taxa dos Fed Funds para o mesmo nível das taxas japonesas: porque essa taxa não é consistente com a manutenção da inflação em patamares próximos às suas metas. Nem o Fed mantém a taxa dos Fed Funds acima da taxa hipotética a que os EUA poderiam se financiar no mercado japonês, nem o BC mantém a Selic acima das taxas pagas pelo Brasil em dólares por ignorância, sadismo ou má-fé, mas porque têm razões para crer que essas taxas domésticas são aquelas consistentes com os objetivos que seus mandatos lhes conferem -no caso, com as metas de inflação.
Na verdade, quem fez a pergunta inicial aparenta desconhecer que: (1) uma taxa é em moeda estrangeira e a outra é em moeda local; e (2) que a taxa de câmbio no Brasil é flutuante, não fixa. Esclarecido o assunto, espero que os leitores levem a resposta a Almotásim.


ALEXANDRE SCHWARTSMAN , 43, é economista-chefe para América Latina do Banco Real, doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley) e ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central.

alexandre.schwartsman@hotmail.com


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