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ALEXANDRE SCHWARTSMAN
Resposta a Almotásim
Se no Brasil a taxa de câmbio fosse fixa, a taxa de juros não poderia ser diferente daquela paga pelos títulos no exterior
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RECEBO muitas mensagens por
e-mail. Afora insultos ocasionais, a interação com os leitores enriquece meu trabalho e sugere
novos tópicos para os artigos. Um
tema que tem aparecido com certa
freqüência -de onde imagino que
há uma fonte, o Almotásim, disseminando essa idéia equivocada- diz
respeito à relação da taxa de juros a
que o Brasil pode tomar recursos no
mercado externo e a taxa de juros
que prevalece no país. Por que, perguntam, se o Brasil pode emitir títulos de dez anos no exterior com rendimentos em torno de 6% ao ano, a
taxa doméstica de juros é tão maior?
Antes de entrar no caso brasileiro,
peço ao leitor que considere dois
exemplos. Os EUA têm uma avaliação de risco de crédito algo melhor
do que o Japão, e poderiam, portanto, emitir títulos denominados em
ienes a taxas, no máximo, iguais
àquelas pagas pelo Tesouro japonês.
Tomando como referência um título de dez anos, os EUA poderiam
emitir um papel denominado em ienes a uma taxa ao redor de 1,6% ao
ano, enquanto a taxa dos Fed Funds
(o equivalente à Selic) é de 5,25%.
Por outro lado, as taxas de juros da
Alemanha e da França, países com
risco de crédito similar, são praticamente idênticas, desde a taxa de curtíssimo prazo àquela que baliza os títulos públicos de dez anos.
Por que, quando tratamos de Japão e EUA, as taxas diferem tanto,
mais altas para o país com crédito
melhor, enquanto no outro caso as
taxas são idênticas? A resposta passa pelos regimes cambiais vigentes
nesses países.
Alemanha e França escolheram
um regime extremo de fixação da taxa de câmbio: a adoção da moeda
única. Nesse contexto, diferenças
entre as taxas de juros que não sejam associadas a diferenças de percepção de risco de crédito não podem persistir. Se as taxas de juros
fossem mais baixas na França do
que na Alemanha, especuladores tomariam recursos na França e os emprestariam na Alemanha, embolsando a diferença. Esse processo
-conhecido como "arbitragem"-
faz as taxas de juros convergirem para o mesmo patamar.
Por que, então, a "arbitragem" não
parece funcionar no caso EUA-Japão? Porque a taxa de câmbio entre
esses países é flutuante: se alguém
toma recursos no Japão para emprestar nos EUA, faz com que o dólar se aprecie em relação ao seu nível de equilíbrio (pois o arbitrador vende ienes e compra dólares), gerando uma expectativa de que o dólar vá, à
frente, se depreciar. Em tese, a "arbitragem" cessa quando a apreciação corrente chega a um ponto no qual a depreciação esperada corresponde exatamente à diferença entre as taxas de juros americanas e japonesas. Note-se que, nesse caso, a "arbitragem" afeta a taxa de câmbio,
mas não as taxas de juros.
Assim, se no Brasil a taxa de câmbio fosse fixa (como é entre Alemanha e França), a taxa de juros doméstica não poderia ser muito diferente da taxa de juros paga pelos títulos brasileiros no exterior, dado
que o risco de crédito em ambos os
casos é praticamente o mesmo. Como, porém, a taxa de câmbio é flutuante, não há nenhuma força de mercado que faça essas taxas de juros se igualarem, como no caso das taxas americanas e japonesas.
Dito isso, um leitor mais insistente poderia questionar se o BC não
poderia desempenhar esse papel,
trazendo a taxa de juros doméstica
para o patamar das taxas a que o país
toma recursos em dólares, reduzindo a Selic para cerca de 6% ao ano?
A resposta para essa questão é a
mesma que o leitor receberia se perguntasse ao professor Bernanke por
que ele não reduz a taxa dos Fed
Funds para o mesmo nível das taxas
japonesas: porque essa taxa não é
consistente com a manutenção da
inflação em patamares próximos às
suas metas. Nem o Fed mantém a
taxa dos Fed Funds acima da taxa
hipotética a que os EUA poderiam
se financiar no mercado japonês,
nem o BC mantém a Selic acima das
taxas pagas pelo Brasil em dólares
por ignorância, sadismo ou má-fé,
mas porque têm razões para crer
que essas taxas domésticas são
aquelas consistentes com os objetivos que seus mandatos lhes conferem -no caso, com as metas de inflação.
Na verdade, quem fez a pergunta
inicial aparenta desconhecer que:
(1) uma taxa é em moeda estrangeira
e a outra é em moeda local; e (2) que
a taxa de câmbio no Brasil é flutuante, não fixa. Esclarecido o assunto,
espero que os leitores levem a resposta a Almotásim.
ALEXANDRE SCHWARTSMAN , 43, é economista-chefe
para América Latina do Banco Real, doutor em economia
pela Universidade da Califórnia (Berkeley) e ex-diretor de
Assuntos Internacionais do Banco Central.
alexandre.schwartsman@hotmail.com
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