São Paulo, sábado, 27 de dezembro de 2008

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CESAR BENJAMIN

Cautela com Kondratiev


Com a crise atual, os ciclos longos aos quais estaria sujeita a economia mundial voltaram ao debate

A HIPÓTESE apresentada na década de 1920 pelo economista russo Nikolai Kondratiev tem reaparecido com freqüência em explicações da crise atual. Trabalhando com dados de Alemanha, França, Inglaterra e Estados Unidos, ele propôs que, além de ciclos curtos e médios, então já conhecidos, a economia internacional estava sujeita também a ciclos longos, com 48 a 60 anos de duração, divididos em uma fase ascendente e uma descendente.
Trabalhou com dificuldades imensas: a maioria das séries disponíveis começava no século 19, mostrando períodos curtos demais para a análise que desejava fazer; e, antes de serem comparados, os dados precisavam ser tratados com métodos estatísticos complexos, para obter uma relativa uniformização e afastar a influência de fatores exógenos, eventos aleatórios e flutuações de curto prazo.
Partindo de curvas empíricas, Kondratiev construiu curvas teóricas que, a seu ver, mostravam tendências seculares. Propôs, em seguida, uma interpretação dessas curvas: "A base dos ciclos longos é o desgaste, a reposição e o incremento do fundo de bens de capital básicos, cuja produção exige investimentos enormes. [...] A reposição e o incremento desse fundo não é um processo contínuo. Realiza-se por saltos".
Kondratiev considerou ter encontrado dois ciclos longos e meio entre 1780 e 1920, anunciando que, quando escrevia, iniciava-se a fase descendente do terceiro ciclo. Seu trabalho foi duramente criticado na ex-União Soviética, pois a existência desses ciclos, com suas inflexões, enfraquecia a idéia de que o capitalismo rumava para uma grande crise que seria a ante-sala do socialismo.
Em 1928, foi deportado à Sibéria.
Suas idéias foram revitalizadas com a publicação de Business Cycles, de J. A. Schumpeter. Essa obra monumental admite que a dinâmica do sistema capitalista combina ciclos curtos, médios e longos, e dá a cada um o nome do economista que melhor o descreveu. Reapareceram assim, na literatura econômica, os ciclos de Kondratiev, que, no Brasil, tiveram em Ignácio Rangel um ardente defensor.
Na década de 1950, sem conhecer o trabalho do russo, Rangel propôs uma reinterpretação da história do Brasil a partir do conceito de "dualidade básica", que tentava relacionar a dinâmica interna brasileira e as relações que o país mantém com as economias centrais: "Desenvolvendo-se como uma economia complementar ou periférica, o Brasil deve ajustar-se a uma economia externa diferente da sua". Nossa história, segundo Rangel, ocorreu até hoje numa seqüência de pares de modos de produção simultâneos, as dualidades, que contêm pólos internos e externos. Descreveu três delas, a partir do início do século 19, e anunciou uma quarta, que seria a derradeira.
Só depois percebeu que essa sucessão coincidia com as inflexões dos ciclos de Kondratiev, o que o levou a imaginar que a sociedade brasileira modifica as suas dualidades como resposta a esses grandes movimentos da economia mundial.
Com a crise atual, os ciclos de Kondratiev estão de volta ao debate.
Não posso analisá-los aqui. Deixo, porém, duas observações. Kondratiev sempre manteve a cautela típica do cientista, ressaltando seguidamente as dificuldades inerentes à comprovação dos ciclos longos. E o criminoso exílio de que foi vítima não retira o mérito de vários de seus críticos. Entre eles, destacou-se D. I. Oparin, que reviu todos os procedimentos e refez os cálculos, apontando inconsistências em muitas opções metodológicas de Kondratiev. Infelizmente, esse debate nunca chegou ao Brasil. Uma edição dele está a caminho.


CESAR BENJAMIN , 53, editor da Editora Contraponto e doutor honoris causa da Universidade Bicentenária de Aragua (Venezuela), é autor de "Bom Combate" (Contraponto, 2006). Escreve aos sábados, a cada 15 dias, nesta coluna.


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