São Paulo, domingo, 28 de janeiro de 2007

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Problema é imposto, não juros, diz ex-BC

Para Luiz Fernando Figueiredo, economia brasileira não é eficiente o bastante para ter juros muito mais baixos que os atuais

Economista diz que foi crítico do "conservadorismo do Banco Central" nos últimos dois anos, mas que o mesmo não acontece hoje

CLÁUDIA TREVISAN
DA REPORTAGEM LOCAL

Diretor de política monetária do Banco Central no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, o economista Luiz Fernando Figueiredo defende a desaceleração na queda da taxa de juros e afirma que o Brasil não cresce mais em razão da pesada carga tributária.
"Na história recente, o Brasil nunca teve uma taxa real de juros tão baixa", observa Figueiredo, sócio-diretor da Mauá Investimentos, que administra fundos de R$ 2,2 bilhões.
Na semana passada, dois dias após o anúncio do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), o BC reduziu a taxa em 0,25 ponto percentual, para 13%. Para Figueiredo, o país poderá diminuir "gradualmente" o juro real dos atuais 8% para 6%. Leia trechos da entrevista:

 

FOLHA - Como o sr. avalia a decisão de reduzir o ritmo de corte da Selic?
LUIZ FERNANDO FIGUEIREDO
- O BC vem reduzindo os juros há muito tempo. Como a política monetária demora para produzir efeito, é sempre necessário ter cuidado para não passar de onde deveria. O BC vem sinalizando desde agosto que iria aumentar a parcimônia. Só que os dados de inflação surpreenderam favoravelmente. Por isso, ele postergou a mudança do corte de 50 pontos para o de 25.

FOLHA - Mas, apesar dos cortes na Selic, a taxa de juro real caiu em velocidade muito menor.
FIGUEIREDO
- Por isso que o BC continuou com os 50 pontos. O que ele está falando agora é "estou querendo reduzir o ritmo para, se possível, reduzir mais". Na história recente, o Brasil nunca teve uma taxa real de juros tão baixa. Estamos em um ambiente desconhecido. O impacto em termos de crescimento por ter reduzido 25, ao invés de 50, é muito marginal. O que atrapalha é cada vez menos a taxa de juros e cada vez mais a carga tributária, 40% do PIB.

FOLHA - Qual é o juro real hoje?
FIGUEIREDO
- O ideal é sempre olhar para a frente. Você olha a curva de juros e a projeção de inflação por um ano. Nessa conta, está em torno de 8% e caiu cerca de dois pontos percentuais nos últimos meses. Se você olha a taxa "ex post" dos últimos meses [o juro real efetivo] ela não caiu tanto, porque a inflação foi mais baixa.

FOLHA - Esse trajeto dos atuais 8% até os 6% é o terreno desconhecido no qual o BC terá que navegar?
FIGUEIREDO
- Já está navegando. Essa questão é muito politizada no Brasil, as pessoas falam que é um absurdo, mas nossa economia não é eficiente o bastante para ter juros muito mais baixos. Fui crítico do BC por ter sido muito conservador em 2005, 2006. Não é o caso hoje.

FOLHA - Essa questão remete à discussão sobre o piso da taxa real de juros, abaixo do qual o Brasil não consegue crescer sem inflação. Na época, se dizia que era 10%.
FIGUEIREDO
- No passado, toda a vez que a taxa real de juros chegou abaixo de 10%, a inflação subiu. Mas sempre que a taxa chegou a 10%, tivemos choques. Não dá para saber se a inflação subiu pelos choques ou pela queda dos juros. Diria que foram os choques. Mas o Brasil melhorou muito. É outro país, menos arriscado, mais estável, menos fragilizado. Com o que temos hoje, sem reformas, o Brasil pode gradualmente chegar a taxa de juros de 6% em termos reais. Se tivéssemos reformas e redução tributária, poderíamos ter taxa real bem mais baixa. Não parece ser o caminho seguido pelo governo.

FOLHA - Como a carga tributária limita o crescimento?
FIGUEIREDO
- Suponhamos que nosso PIB seja 100. Desses 100, 40% vão para o governo. Sobram 60% para o resto da economia. Esses 40% investem quase zero. Mas nossa economia como um todo investe 21% do PIB. Ou seja, 60% da nossa economia, o setor privado, investe na verdade mais de 30% do que consegue como receita. O que países que crescem muito têm em comum? Carga tributária de 20%, 25% do PIB e nível de poupança muito mais alto. Há mais dinheiro disponível para o investimento.

FOLHA - Como reduzir tributos e fechar as contas do governo?
FIGUEIREDO
- A carga tributária está deste tamanho porque a gente não pára de aumentar despesas. O Brasil deveria reduzir as despesas públicas. Ao invés disso, elas têm aumentado em torno de 9% e 10% em termos reais nos últimos anos.

FOLHA - Sem redução de despesas e com o PAC dá para crescer quanto?
FIGUEIREDO
- Neste ano provavelmente 3,5%, com o mundo crescendo perto de 5% e os países emergentes, 6% a 7%. No ano que vem, um pouquinho mais. Existe uma coisa que os economistas chamam de PIB potencial. É a capacidade de o país crescer de maneira sustentada. O Brasil não está trabalhando para elevar esse potencial, que é de 3%, 3,5%. Para isso, você precisa investir. Como é que você investe se não tem renda disponível, já que paga tudo de imposto?

FOLHA - O Brasil paga taxas cada vez mais baixas para se financiar no exterior. Na última emissão, conseguiu 6,6%, ante a taxa interna de 13%. A distância não está grande?
FIGUEIREDO
- Sim, mas há uma razão. Do ponto de vista público, a dívida externa é negativa. Se você é investidor estrangeiro, diz: "Não preciso prêmio tão grande porque o Brasil tem mais ativos e reservas que dívida". A taxa interna está mais relacionada com a inflação, que, por sua vez, está relacionada com a eficiência da economia.

FOLHA - Essa diferença entre os juros internos e externos não aumenta a entrada de dólares no país, o que leva à valorização do real?
FIGUEIREDO
- O dinheiro que entra no Brasil hoje não tem quase nada a ver com os juros. O dinheiro que está entrando no Brasil é de investimento direto e de investimento de portfólio.
Se o Brasil pudesse reduzir a taxa de juros de maneira sustentada -o que significa melhorar a eficiência da economia, fazer reformas, reduzir a carga tributária-, o efeito seria mais dinheiro desse tipo.
Nos últimos dois, três meses, a discussão sobre o câmbio perdeu muita intensidade. Às vezes, uma taxa de câmbio mais valorizada, mas mais estável, é melhor do que uma taxa mais desvalorizada e muito volátil. A maior estabilidade gera uma eficiência muito maior.


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