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Problema é imposto, não juros, diz ex-BC
Para Luiz Fernando Figueiredo, economia brasileira não é eficiente o bastante para ter juros muito mais baixos que os atuais
Economista diz que foi crítico do "conservadorismo do Banco Central" nos últimos dois anos, mas que o mesmo não acontece hoje
CLÁUDIA TREVISAN
DA REPORTAGEM LOCAL
Diretor de política monetária
do Banco Central no segundo
mandato de Fernando Henrique Cardoso, o economista
Luiz Fernando Figueiredo defende a desaceleração na queda
da taxa de juros e afirma que o
Brasil não cresce mais em razão
da pesada carga tributária.
"Na história recente, o Brasil
nunca teve uma taxa real de juros tão baixa", observa Figueiredo, sócio-diretor da Mauá Investimentos, que administra
fundos de R$ 2,2 bilhões.
Na semana passada, dois dias
após o anúncio do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), o BC reduziu a taxa em
0,25 ponto percentual, para
13%. Para Figueiredo, o país poderá diminuir "gradualmente"
o juro real dos atuais 8% para
6%. Leia trechos da entrevista:
FOLHA - Como o sr. avalia a decisão
de reduzir o ritmo de corte da Selic?
LUIZ FERNANDO FIGUEIREDO - O BC
vem reduzindo os juros há muito tempo. Como a política monetária demora para produzir
efeito, é sempre necessário ter
cuidado para não passar de onde deveria. O BC vem sinalizando desde agosto que iria aumentar a parcimônia. Só que os
dados de inflação surpreenderam favoravelmente. Por isso,
ele postergou a mudança do
corte de 50 pontos para o de 25.
FOLHA - Mas, apesar dos cortes na
Selic, a taxa de juro real caiu em velocidade muito menor.
FIGUEIREDO - Por isso que o BC
continuou com os 50 pontos. O
que ele está falando agora é "estou querendo reduzir o ritmo
para, se possível, reduzir mais".
Na história recente, o Brasil
nunca teve uma taxa real de juros tão baixa. Estamos em um
ambiente desconhecido. O impacto em termos de crescimento por ter reduzido 25, ao invés
de 50, é muito marginal. O que
atrapalha é cada vez menos a
taxa de juros e cada vez mais a
carga tributária, 40% do PIB.
FOLHA - Qual é o juro real hoje?
FIGUEIREDO - O ideal é sempre
olhar para a frente. Você olha a
curva de juros e a projeção de
inflação por um ano. Nessa
conta, está em torno de 8% e
caiu cerca de dois pontos percentuais nos últimos meses.
Se você olha a taxa "ex post"
dos últimos meses [o juro real
efetivo] ela não caiu tanto, porque a inflação foi mais baixa.
FOLHA - Esse trajeto dos atuais 8%
até os 6% é o terreno desconhecido
no qual o BC terá que navegar?
FIGUEIREDO - Já está navegando.
Essa questão é muito politizada
no Brasil, as pessoas falam que
é um absurdo, mas nossa economia não é eficiente o bastante para ter juros muito mais
baixos. Fui crítico do BC por ter
sido muito conservador em
2005, 2006. Não é o caso hoje.
FOLHA - Essa questão remete à discussão sobre o piso da taxa real de
juros, abaixo do qual o Brasil não
consegue crescer sem inflação. Na
época, se dizia que era 10%.
FIGUEIREDO - No passado, toda a
vez que a taxa real de juros chegou abaixo de 10%, a inflação
subiu. Mas sempre que a taxa
chegou a 10%, tivemos choques. Não dá para saber se a inflação subiu pelos choques ou
pela queda dos juros. Diria que
foram os choques. Mas o Brasil
melhorou muito. É outro país,
menos arriscado, mais estável,
menos fragilizado. Com o que
temos hoje, sem reformas, o
Brasil pode gradualmente chegar a taxa de juros de 6% em
termos reais. Se tivéssemos reformas e redução tributária,
poderíamos ter taxa real bem
mais baixa. Não parece ser o caminho seguido pelo governo.
FOLHA - Como a carga tributária limita o crescimento?
FIGUEIREDO - Suponhamos que
nosso PIB seja 100. Desses 100,
40% vão para o governo. Sobram 60% para o resto da economia. Esses 40% investem
quase zero. Mas nossa economia como um todo investe 21%
do PIB. Ou seja, 60% da nossa
economia, o setor privado, investe na verdade mais de 30%
do que consegue como receita.
O que países que crescem muito têm em comum? Carga tributária de 20%, 25% do PIB e
nível de poupança muito mais
alto. Há mais dinheiro disponível para o investimento.
FOLHA - Como reduzir tributos e fechar as contas do governo?
FIGUEIREDO - A carga tributária
está deste tamanho porque a
gente não pára de aumentar
despesas. O Brasil deveria reduzir as despesas públicas. Ao
invés disso, elas têm aumentado em torno de 9% e 10% em
termos reais nos últimos anos.
FOLHA - Sem redução de despesas
e com o PAC dá para crescer quanto?
FIGUEIREDO - Neste ano provavelmente 3,5%, com o mundo
crescendo perto de 5% e os países emergentes, 6% a 7%. No
ano que vem, um pouquinho
mais. Existe uma coisa que os
economistas chamam de PIB
potencial. É a capacidade de o
país crescer de maneira sustentada. O Brasil não está trabalhando para elevar esse potencial, que é de 3%, 3,5%.
Para isso, você precisa investir. Como é que você investe se
não tem renda disponível, já
que paga tudo de imposto?
FOLHA - O Brasil paga taxas cada
vez mais baixas para se financiar no
exterior. Na última emissão, conseguiu 6,6%, ante a taxa interna de
13%. A distância não está grande?
FIGUEIREDO - Sim, mas há uma
razão. Do ponto de vista público, a dívida externa é negativa.
Se você é investidor estrangeiro, diz: "Não preciso prêmio tão
grande porque o Brasil tem
mais ativos e reservas que dívida". A taxa interna está mais relacionada com a inflação, que,
por sua vez, está relacionada
com a eficiência da economia.
FOLHA - Essa diferença entre os juros internos e externos não aumenta a entrada de dólares no país, o
que leva à valorização do real?
FIGUEIREDO - O dinheiro que entra no Brasil hoje não tem quase nada a ver com os juros. O dinheiro que está entrando no
Brasil é de investimento direto
e de investimento de portfólio.
Se o Brasil pudesse reduzir a
taxa de juros de maneira sustentada -o que significa melhorar a eficiência da economia, fazer reformas, reduzir a
carga tributária-, o efeito seria
mais dinheiro desse tipo.
Nos últimos dois, três meses,
a discussão sobre o câmbio perdeu muita intensidade. Às vezes, uma taxa de câmbio mais
valorizada, mas mais estável, é
melhor do que uma taxa mais
desvalorizada e muito volátil. A
maior estabilidade gera uma
eficiência muito maior.
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