São Paulo, quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

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PAULO RABELLO DE CASTRO

2009, o tamanho da encrenca


Imaginar que os planos de socorro de Fed e uma política fiscal gastadora vão resolver a crise são dois equívocos

NA AVALIAÇÃO do cenário mundial, há dois equívocos distintos, mas entrelaçados. Primeiro, o erro de estimar que as intervenções de socorro do Fed (US$ 1,2 trilhão) e, proximamente, as de Obama (US$ 850 bilhões) conseguirão neutralizar a enorme contração monetária ora em curso. Segundo, o erro de julgar que uma política fiscal corajosamente gastadora (opinião do Prêmio Nobel Paul Krugman) compensaria os impactos da atual fase de rápida destruição de meios de pagamento em nível mundial (US$ 10 trilhões!).
Não estamos, como muita gente cogita, num mundo que se salvará pelo remédio keynesiano do gasto público megadeficitário. Apesar do apoio de outro Nobel, Joseph Stiglitz, ao suposto "retorno triunfal" da era Keynes, a situação atual é bem distinta da realidade keynesiana de meados dos anos 30.
Dessa vez, a moléstia econômica atacou direto o sistema nervoso central -o lado financeiro- que regula os estímulos vitais da economia mundial. Nos dois lados do Atlântico, padecemos de um nível de alavancagem jamais experimentado -e completamente diferente dos ajustes no setor não-financeiro ocorridos nos anos 30. No livro "A Grande Bolha de Wall Street" (Livraria Cultura), mostramos que as alavancagens bancária e não-bancária geraram tamanha metástase de ativos e passivos exóticos -a maioria fora dos balanços- que obriga, neste momento, o sistema monetário "lato sensu" a se encolher em velocidade alucinante, e nada segura nem compensa tal contração.
A base de capital sobre a qual os bancos calculavam sua proteção contra maus pagadores foi caindo, nos últimos anos, de 8% para 5%, depois 3% e, em seguida 2% ou menos, em relação ao total de ativos contabilizados. Imagine. Com tal proporção de capital sobre ativos, basta uma pequena inadimplência para corroer toda a base de sustentação bancária. A contração da moeda agora se torna mais agressiva pela corrosão da própria base de capital ante índices de default inusitados.
Pior: a maneira como o Fed intervém, ao comprar "ativos tóxicos", não só delonga o ajuste inevitável como propicia transferências de renda catastróficas contra os interesses dos contribuintes americanos e a favor dos que conduziram a nau à procela.
Aqui o segundo equivoco. O efeito produtivo do gasto público excedente é quase completamente compensado pela fome de economizar das famílias, que agora se defrontam com a dura realidade de poupar ou quebrar. Inverteu-se a posição dos EUA imperiais e gastadores que sustentava a produção chinesa brasileira etc. Contudo os emergentes deixam suas moedas se desvalorizarem, empurrando o peso do ajuste de volta ao campo dos EUA. Já se vislumbra um novo desdobramento dessa debacle financeira generalizada, que é a perda de substância intrínseca (reputação mais ativos tangíveis) do regime monetário do dólar como reserva mundial. As recentes advertências do ministro das Finanças da Alemanha, que resiste a embarcar seu país na espiral de gastos pelos neokeynesianos (e, nesse sentido, neogastadores), representam uma voz de alerta contra os efeitos provavelmente deletérios do remédio então sugerido por Keynes a uma situação parecida, mas distinta.
Aplicar recursos fiscais no capital dos bancos, e não em ativos de valor impossível de estimar, e fomentar mais competição em todas as áreas financeiras seriam a única saída viável para acelerar (e não postergar!) e assim reduzir os imensos custos sociais da mais virulenta crise econômica dos últimos cem anos. E 2009 ainda não mostrou nada...


PAULO RABELLO DE CASTRO , 59, doutor em economia pela Universidade de Chicago (Estados Unidos), é vice-presidente do Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora de riscos. Preside também a RC Consultores, consultoria econômica, e o Conselho de Planejamento Estratégico da Fecomercio SP. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.

paulo@rcconsultores.com.br


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