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ARTIGO
A sociedade e as práticas contábeis
CHARLES BARNSLEY HOLLAND
O sucesso do Plano Real e a consequente estabilização do poder
aquisitivo da moeda -há mais de
quatro anos- despertam a consciência das pessoas sobre a necessidade de lidar de forma mais harmônica com os direitos e as obrigações de todas as camadas da população.
Nesse contexto, fica evidente a
necessidade de prestar contas de
forma inteligível e em tempo hábil.
E surge a necessidade de usar a linguagem universal de negócios -a
contabilidade.
Como podemos melhorar a harmonização desses direitos e obrigações, essenciais para a democratização do país? A resposta, apesar
de óbvia e simples, não está sendo
vista pelos nossos homens públicos.
Sabemos que inflação e corrupção caminham juntas. Depois de
cinco décadas de inflação alta e de
governo e empresas que não prestam contas de forma compreensível, a contabilidade foi posta de lado ou num plano secundário. Por
muitos, ela foi até esquecida.
Não é interessante para um chefe
prestar contas dos seus atos de modo transparente. Prestação de conta sempre foi -e continuará sendo- uma atividade trabalhosa e
desgastante.
Só existe uma solução viável para
melhorar em curto tempo a postura ética nos negócios: convocar os
300 mil contadores e técnicos em
contabilidade do Brasil. Além de
fazer a escrituração de livros fiscais, eles precisam passar a fazer
sempre a escrituração contábil, de
acordo com os princípios fundamentais de contabilidade. Estarão,
assim, ajudando a acabar com a
balbúrdia nos negócios.
O que os contadores podem fazer
para ajudar o Brasil? Muito, porque estamos vivendo um momento histórico. O progresso do país
depende de nós.
Todas as entidades ligadas à contabilidade, lideradas pelo Conselho Federal de Contabilidade, devem promover no Congresso Nacional e na sociedade duas reivindicações. A primeira é tornar obrigatório que todas as empresas, exceto as microempresas, mantenham uma escrituração contábil e
prestem contas explícitas e éticas,
baseadas nesses registros.
A outra é trabalhar para que seja
acelerado o processo de aprovação
do anteprojeto da Lei das Sociedades por Ações, com a finalidade de
ajustar melhor as nossas normas
contábeis e práticas de prestação
de contas para a comunidade, com
base nas que estão em vigência internacionalmente.
Os contadores sabem que a lei nº
9.249, de 1995, permite que as empresas com receita anual igual ou
inferior a R$ 12 milhões optem pelo pagamento do Imposto de Renda pelo lucro presumido. Assim, se
elimina, na prática, a escrituração
contábil.
Em dezembro, foi aprovada a lei
nº 9.718, que eleva o limite de receitas anuais de R$ 12 milhões para
R$ 24 milhões. Até empresas que
tenham sócios ou acionistas residentes no exterior, dentro do novo
limite, podem fazer declarações de
renda da forma presumida.
Nossos legisladores, certamente,
não foram bem assessorados nesse
caso -até mesmo pela classe contábil, que deveria estar sempre interessada em difundir a linguagem
universal de negócios entre todos
os empresários.
Enquanto na maioria dos países
a auditoria independente das demonstrações contábeis é obrigatória para as empresas, exceto para
as micro e pequenas empresas,
aqui estamos incentivando o abandono da escrituração contábil.
Ética - A palavra presumido, nas
leis nº 9.249 e nº 9.718, não estimula a prática da ética. Em nenhum
país do mundo ocidental, desenvolvido ou em desenvolvimento, a
legislação permite que empresas
com receita anual acima do equivalente a R$ 1 milhão optem por fazer declaração de renda pelo lucro
presumido.
Existe previsão de contabilidade
obrigatória no Código Comercial,
conforme a lei nº 556, de 1850, artigo 10. Também existe previsão de
punição por falta de contabilidade,
pelo decreto-lei nº 7.661, de 1945,
artigo 186, que determina de seis
meses a três anos de detenção no
caso de falência fraudulenta. Todavia sabemos que não adianta administrar remédio para paciente
falido.
Acredito que possamos lutar
mais para o limite de receita que
permite aos contribuintes fazer as
declarações de renda pelo presumido. É essencial que todas as empresas, excluindo as microempresas, façam sua contabilidade e
prestem contas de forma correta.
Sociedade - O anteprojeto para
atualização dos aspectos contábeis
da Lei das Sociedades por Ações
está pronto há meses na Comissão
de Valores Mobiliários, esperando
somente ser encaminhado ao Congresso Nacional. A transformação
em lei será um avanço extraordinário, proporcionando mecanismos eficientes para a manutenção
das determinações contábeis atualizadas.
Conforme noticiário, existem
mais de 2 milhões de empresas no
Brasil e somente 50 mil apresentam declarações de renda pelo lucro real. A maioria faz declaração
de renda pelo presumido ou adota
o Sistema Integrado de Pagamento
de Impostos e Contribuições das
Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Simples).
Atualmente, há 350 cursos universitários de ciências contábeis e
quase 130 mil alunos. Em agosto de
1997, estavam registrados no Conselho Federal de Contabilidade 196
mil técnicos em contabilidade e 110
mil contadores, bem como 50 mil
organizações desses profissionais.
Por que não atuarmos com mais
decisão?
Atualmente, com a redução
drástica de preços dos computadores e dos softwares, todas as empresas podem ter contabilidade
coerente com os princípios fundamentais. Com a atualização da Lei
da Sociedade por Ações, elas estarão agindo em harmonia com as
práticas internacionais, por um
custo módico, com enormes benefícios, tanto para as corporações
quanto para a sociedade.
Entre as vantagens que podem
ser obtidas nos empreendimentos
é possível mencionar a melhoria
na qualidade das informações, essenciais para o processo decisório
e a condução de negócios. Além
disso, a prestação de contas e os
controles internos das empresas se
tornariam mais eficientes.
Cada cidadão brasileiro também
iria ser beneficiado com a harmonização entre os direitos e as obrigações das empresas e também
com a redução dos riscos nos negócios, havendo a possibilidade de
uma consequente redução nas taxas de juro. A evasão fiscal, segundo o governo, também seria menor.
Os efeitos positivos iriam ser
sentidos tanto na redução dos impostos como na viabilização das
leis de participação nos lucros e de
aumentos salariais atribuídos de
acordo com a produtividade.
Charles Barnsley Holland, 56, contador, é sócio-diretor da Ernst & Young.
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