São Paulo, Quinta-feira, 28 de Janeiro de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ARTIGO

A sociedade e as práticas contábeis

CHARLES BARNSLEY HOLLAND

O sucesso do Plano Real e a consequente estabilização do poder aquisitivo da moeda -há mais de quatro anos- despertam a consciência das pessoas sobre a necessidade de lidar de forma mais harmônica com os direitos e as obrigações de todas as camadas da população.
Nesse contexto, fica evidente a necessidade de prestar contas de forma inteligível e em tempo hábil. E surge a necessidade de usar a linguagem universal de negócios -a contabilidade.
Como podemos melhorar a harmonização desses direitos e obrigações, essenciais para a democratização do país? A resposta, apesar de óbvia e simples, não está sendo vista pelos nossos homens públicos.
Sabemos que inflação e corrupção caminham juntas. Depois de cinco décadas de inflação alta e de governo e empresas que não prestam contas de forma compreensível, a contabilidade foi posta de lado ou num plano secundário. Por muitos, ela foi até esquecida.
Não é interessante para um chefe prestar contas dos seus atos de modo transparente. Prestação de conta sempre foi -e continuará sendo- uma atividade trabalhosa e desgastante.
Só existe uma solução viável para melhorar em curto tempo a postura ética nos negócios: convocar os 300 mil contadores e técnicos em contabilidade do Brasil. Além de fazer a escrituração de livros fiscais, eles precisam passar a fazer sempre a escrituração contábil, de acordo com os princípios fundamentais de contabilidade. Estarão, assim, ajudando a acabar com a balbúrdia nos negócios.
O que os contadores podem fazer para ajudar o Brasil? Muito, porque estamos vivendo um momento histórico. O progresso do país depende de nós.
Todas as entidades ligadas à contabilidade, lideradas pelo Conselho Federal de Contabilidade, devem promover no Congresso Nacional e na sociedade duas reivindicações. A primeira é tornar obrigatório que todas as empresas, exceto as microempresas, mantenham uma escrituração contábil e prestem contas explícitas e éticas, baseadas nesses registros.
A outra é trabalhar para que seja acelerado o processo de aprovação do anteprojeto da Lei das Sociedades por Ações, com a finalidade de ajustar melhor as nossas normas contábeis e práticas de prestação de contas para a comunidade, com base nas que estão em vigência internacionalmente.
Os contadores sabem que a lei nº 9.249, de 1995, permite que as empresas com receita anual igual ou inferior a R$ 12 milhões optem pelo pagamento do Imposto de Renda pelo lucro presumido. Assim, se elimina, na prática, a escrituração contábil.
Em dezembro, foi aprovada a lei nº 9.718, que eleva o limite de receitas anuais de R$ 12 milhões para R$ 24 milhões. Até empresas que tenham sócios ou acionistas residentes no exterior, dentro do novo limite, podem fazer declarações de renda da forma presumida.
Nossos legisladores, certamente, não foram bem assessorados nesse caso -até mesmo pela classe contábil, que deveria estar sempre interessada em difundir a linguagem universal de negócios entre todos os empresários.
Enquanto na maioria dos países a auditoria independente das demonstrações contábeis é obrigatória para as empresas, exceto para as micro e pequenas empresas, aqui estamos incentivando o abandono da escrituração contábil.
Ética - A palavra presumido, nas leis nº 9.249 e nº 9.718, não estimula a prática da ética. Em nenhum país do mundo ocidental, desenvolvido ou em desenvolvimento, a legislação permite que empresas com receita anual acima do equivalente a R$ 1 milhão optem por fazer declaração de renda pelo lucro presumido.
Existe previsão de contabilidade obrigatória no Código Comercial, conforme a lei nº 556, de 1850, artigo 10. Também existe previsão de punição por falta de contabilidade, pelo decreto-lei nº 7.661, de 1945, artigo 186, que determina de seis meses a três anos de detenção no caso de falência fraudulenta. Todavia sabemos que não adianta administrar remédio para paciente falido.
Acredito que possamos lutar mais para o limite de receita que permite aos contribuintes fazer as declarações de renda pelo presumido. É essencial que todas as empresas, excluindo as microempresas, façam sua contabilidade e prestem contas de forma correta.
Sociedade - O anteprojeto para atualização dos aspectos contábeis da Lei das Sociedades por Ações está pronto há meses na Comissão de Valores Mobiliários, esperando somente ser encaminhado ao Congresso Nacional. A transformação em lei será um avanço extraordinário, proporcionando mecanismos eficientes para a manutenção das determinações contábeis atualizadas.
Conforme noticiário, existem mais de 2 milhões de empresas no Brasil e somente 50 mil apresentam declarações de renda pelo lucro real. A maioria faz declaração de renda pelo presumido ou adota o Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Simples).
Atualmente, há 350 cursos universitários de ciências contábeis e quase 130 mil alunos. Em agosto de 1997, estavam registrados no Conselho Federal de Contabilidade 196 mil técnicos em contabilidade e 110 mil contadores, bem como 50 mil organizações desses profissionais. Por que não atuarmos com mais decisão?
Atualmente, com a redução drástica de preços dos computadores e dos softwares, todas as empresas podem ter contabilidade coerente com os princípios fundamentais. Com a atualização da Lei da Sociedade por Ações, elas estarão agindo em harmonia com as práticas internacionais, por um custo módico, com enormes benefícios, tanto para as corporações quanto para a sociedade.
Entre as vantagens que podem ser obtidas nos empreendimentos é possível mencionar a melhoria na qualidade das informações, essenciais para o processo decisório e a condução de negócios. Além disso, a prestação de contas e os controles internos das empresas se tornariam mais eficientes.
Cada cidadão brasileiro também iria ser beneficiado com a harmonização entre os direitos e as obrigações das empresas e também com a redução dos riscos nos negócios, havendo a possibilidade de uma consequente redução nas taxas de juro. A evasão fiscal, segundo o governo, também seria menor.
Os efeitos positivos iriam ser sentidos tanto na redução dos impostos como na viabilização das leis de participação nos lucros e de aumentos salariais atribuídos de acordo com a produtividade.


Charles Barnsley Holland, 56, contador, é sócio-diretor da Ernst & Young.



Texto Anterior: Demitidos da Ford ocupam empresa
Próximo Texto: Opinião econômica - Aloysio Biondi: "Calote" russo, (bom) exemplo para o Brasil
Índice

Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.