São Paulo, domingo, 28 de fevereiro de 1999

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POLÍTICA ECONÔMICA
Taxa alta é a arma que restou para conter a inflação, mas seu impacto na dívida também preocupa
Após câmbio, juro vira o novo nó do Real

GABRIEL J. DE CARVALHO
da Redação

Acuado, o Real desatou, em meio a enorme turbulência, o nó cambial que durante quatro anos e meio produziu déficits cavalares nas contas externas do país.
A expectativa de muita gente -não de especialistas, obviamente- era de que finalmente a economia voltaria a conviver com juros mais civilizados. Afinal, não era a âncora cambial que exigia taxas atraentes ao capital externo, necessário ao fechamento das contas com outros países?
De fato, a liberação do dólar afastou dos juros internos o risco da desvalorização mais acentuada. Ela já ocorreu. Durante anos, essa expectativa foi um dos principais componentes das altas taxas.
O investidor que trazia dólares para cá, trocando-os por reais, tinha sempre certa desconfiança de que, na hora de sair, precisaria desembolsar muito mais dinheiro para recomprar a moeda estrangeira, o que anularia seus ganhos e poderia resultar até em prejuízo.
Aqui, um lembrete: a queda das reservas internacionais do Banco Central, de US$ 70 bilhões para US$ 30 bilhões em apenas seis meses, mostra que o grosso desses capitais -fundos do tipo Soros, mas também múltis aqui instaladas e capitalistas locais- conseguiu se safar da máxi a tempo.
A escalada do dólar, entretanto, tem um preço -e por enquanto muito elevado, bem acima do que se previa. O preço é velho conhecido dos brasileiros: a inflação.
As importações ficam mais caras. Empresas endividadas em dólar têm seus custos financeiros pressionados, embora boa parte tenha se protegido fazendo "hedge" -à custa do governo, o lado perdedor nesse jogo de risco.
Os juros altos, que antes miravam mais o fechamento das contas externas, a manutenção da âncora cambial, têm agora outro alvo: manter a economia desaquecida para que não surja espaço para reajustes generalizados de preços.
Há certo consenso, entre economistas, de que não dá para cortar os juros de imediato. Seria como jogar lenha na fogueira. A divulgação do IGP-M de 3,61% para fevereiro reforçou essa percepção. Mas a tese não chega a ser unânime.
O economista Marcelo Allain, do Banco BMC, é um dos que entendem que o BC operou uma política monetária equivocada ao elevar os juros na tentativa de coibir a especulação contra o real e prevenir o repasse da desvalorização.
Os juros básicos, aqueles monitorados pelo governo, estão ao redor de 39% ao ano. Para Allain, o patamar anterior à máxi, de 29% ao ano, já era suficientemente elevado para o período pós-máxi.
A cada aumento dos juros, argumenta ele, cresce a percepção de que o governo não conseguirá pagar sua dívida em títulos, cerca de 70% dela indexada à taxa Selic, ou seja, aos juros diários que são pagos pelo governo.
A puxada dos juros de 29% para 39% ao ano agravou essa expectativa, lembra ele. Agora, com a taxa parada, o medo de um "default" (moratória) é menor. Se os juros subirem, o temor certamente volta, argumenta o economista.
A discussão sobre juros negativos, desencadeada pelo IGP-M de 3,61%, não é muito relevante para Allain, mesmo porque, diz ele, índices como o da Fipe não apontam para taxas tão altas. O IGP e seus congêneres são muito especiais, devido ao impacto maior e mais imediato de preços no atacado.
Muito mais que a comparação juro/inflação, afirma ele, é a expectativa do risco de um calote que pode provocar a fuga para ativos reais. "A política monetária já é austera", reforça Allain.
O economista José Márcio Camargo, professor da PUC do Rio e integrante da consultoria Tendências, tem visão oposta. No seu entender, "a política monetária é frouxa". Ele defende, com ênfase, nova elevação dos juros.
O impacto fiscal (dos juros sobre a dívida) se resolve com maior ajuste fiscal (corte de outras despesas do governo), afirma o economista, para quem o Banco Central deve se preocupar é com a moeda.
Os juros, segundo ele, não podem ficar negativos porque isso abre margem a mais especulações contra o real e à manutenção do dólar num nível devastador.
A pressão inflacionária que vem da disparada do dólar deve ser combatida de forma séria, é um problema muito grave, insiste Camargo. "A inflação não vai se reverter sozinha", frisa ele.
A preocupação com uma política monetária (e fiscal) austera também foi destaque, na última sexta, nas declarações do futuro presidente do BC no Senado.
O mercado, pelo humor das operações a futuro, não espera nova paulada nos juros, mas sabe que desatar o novo nó do Real, bem desenhado nas posições de Allain e Camargo, será o maior desafio de Armínio Fraga no BC.



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