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POLÍTICA ECONÔMICA
Taxa alta é a arma que restou para conter a inflação, mas seu impacto na dívida também preocupa
Após câmbio, juro vira o novo nó do Real
GABRIEL J. DE CARVALHO
da Redação
Acuado, o Real desatou, em meio
a enorme turbulência, o nó cambial que durante quatro anos e
meio produziu déficits cavalares
nas contas externas do país.
A expectativa de muita gente
-não de especialistas, obviamente- era de que finalmente a economia voltaria a conviver com juros mais civilizados. Afinal, não
era a âncora cambial que exigia taxas atraentes ao capital externo,
necessário ao fechamento das contas com outros países?
De fato, a liberação do dólar afastou dos juros internos o risco da
desvalorização mais acentuada.
Ela já ocorreu. Durante anos, essa
expectativa foi um dos principais
componentes das altas taxas.
O investidor que trazia dólares
para cá, trocando-os por reais, tinha sempre certa desconfiança de
que, na hora de sair, precisaria desembolsar muito mais dinheiro
para recomprar a moeda estrangeira, o que anularia seus ganhos e
poderia resultar até em prejuízo.
Aqui, um lembrete: a queda das
reservas internacionais do Banco
Central, de US$ 70 bilhões para
US$ 30 bilhões em apenas seis meses, mostra que o grosso desses capitais -fundos do tipo Soros, mas
também múltis aqui instaladas e
capitalistas locais- conseguiu se
safar da máxi a tempo.
A escalada do dólar, entretanto,
tem um preço -e por enquanto
muito elevado, bem acima do que
se previa. O preço é velho conhecido dos brasileiros: a inflação.
As importações ficam mais caras. Empresas endividadas em dólar têm seus custos financeiros
pressionados, embora boa parte
tenha se protegido fazendo "hedge" -à custa do governo, o lado
perdedor nesse jogo de risco.
Os juros altos, que antes miravam mais o fechamento das contas
externas, a manutenção da âncora
cambial, têm agora outro alvo:
manter a economia desaquecida
para que não surja espaço para
reajustes generalizados de preços.
Há certo consenso, entre economistas, de que não dá para cortar
os juros de imediato. Seria como
jogar lenha na fogueira. A divulgação do IGP-M de 3,61% para fevereiro reforçou essa percepção. Mas
a tese não chega a ser unânime.
O economista Marcelo Allain, do
Banco BMC, é um dos que entendem que o BC operou uma política
monetária equivocada ao elevar os
juros na tentativa de coibir a especulação contra o real e prevenir o
repasse da desvalorização.
Os juros básicos, aqueles monitorados pelo governo, estão ao redor de 39% ao ano. Para Allain, o
patamar anterior à máxi, de 29%
ao ano, já era suficientemente elevado para o período pós-máxi.
A cada aumento dos juros, argumenta ele, cresce a percepção de
que o governo não conseguirá pagar sua dívida em títulos, cerca de
70% dela indexada à taxa Selic, ou
seja, aos juros diários que são pagos pelo governo.
A puxada dos juros de 29% para
39% ao ano agravou essa expectativa, lembra ele. Agora, com a taxa
parada, o medo de um "default"
(moratória) é menor. Se os juros
subirem, o temor certamente volta, argumenta o economista.
A discussão sobre juros negativos, desencadeada pelo IGP-M de
3,61%, não é muito relevante para
Allain, mesmo porque, diz ele, índices como o da Fipe não apontam
para taxas tão altas. O IGP e seus
congêneres são muito especiais,
devido ao impacto maior e mais
imediato de preços no atacado.
Muito mais que a comparação
juro/inflação, afirma ele, é a expectativa do risco de um calote que
pode provocar a fuga para ativos
reais. "A política monetária já é
austera", reforça Allain.
O economista José Márcio Camargo, professor da PUC do Rio e
integrante da consultoria Tendências, tem visão oposta. No seu entender, "a política monetária é
frouxa". Ele defende, com ênfase,
nova elevação dos juros.
O impacto fiscal (dos juros sobre
a dívida) se resolve com maior
ajuste fiscal (corte de outras despesas do governo), afirma o economista, para quem o Banco Central
deve se preocupar é com a moeda.
Os juros, segundo ele, não podem ficar negativos porque isso
abre margem a mais especulações
contra o real e à manutenção do
dólar num nível devastador.
A pressão inflacionária que vem
da disparada do dólar deve ser
combatida de forma séria, é um
problema muito grave, insiste Camargo. "A inflação não vai se reverter sozinha", frisa ele.
A preocupação com uma política
monetária (e fiscal) austera também foi destaque, na última sexta,
nas declarações do futuro presidente do BC no Senado.
O mercado, pelo humor das operações a futuro, não espera nova
paulada nos juros, mas sabe que
desatar o novo nó do Real, bem desenhado nas posições de Allain e
Camargo, será o maior desafio de
Armínio Fraga no BC.
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