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São Paulo, sexta-feira, 28 de março de 2003

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COMÉRCIO

Guerra afeta relevância

Empresários defendem aproximação com UE

Gerard Cerles/Associated Press
O comissário de comércio da União Européia, Pascal Lamy


CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

Em meio ao denso nevoeiro lançado sobre as relações internacionais pelo ataque norte-americano ao Iraque, vozes brasileiras influentes começam a falar com mais carinho de uma aproximação com a União Européia.
Foi o que ficou evidente ontem na Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), durante o lançamento do estudo "Acordo Mercosul-União Européia - Além da Agricultura".
Claro que o tema era propício para pôr a Europa à frente dos EUA nas considerações dos expositores. Mas o conflito no Iraque, iniciado pelos EUA com total desprezo ao multilateralismo, tornou o assunto mais urgente.
"Agora, mais do que nunca, na nova configuração das relações internacionais, o relacionamento com a União Européia é mais importante", acha, por exemplo, Mário Marconini, diretor-executivo do Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais), um dos organizadores do estudo, patrocinado pela Fundação Konrad Adenauer (braço de estudos da Democracia Cristã alemã).
Mais pragmático, como convém a um homem de negócios, Horacio Lafer Piva, o presidente da Fiesp, defendeu a necessidade de incrementar as exportações de manufaturados para os países europeus, fugindo da camisa-de-força imposta pelo protecionismo agrícola dos europeus.
"Tenho certeza de que há nichos aí que podem ser encontrados", diz Piva. E acrescenta: "Companheiros com posição nos EUA começam a achar oportunidades na Europa".
Ninguém disse, mas ficou claro que o maior carinho pela Europa leva em conta também a perspectiva de um fracasso no foro prioritário para o Brasil, que é a Organização Mundial do Comércio.
"Qual será o futuro da OMC?", indagava Roberto Teixeira da Costa, vice-presidente do Cebri e um dos executivos brasileiros com maior quilometragem rodada em assuntos internacionais.
De todo modo, os diferentes expositores deixaram claro que qualquer consideração mais sólida sobre as relações externas do Brasil vai depender do que Teixeira da Costa chamou de "novas relações de poder" que surgirem depois da guerra no Iraque.
Como a guerra pode ser mais longa do que inicialmente prevista, as declarações de ontem na Fiesp constituem apenas uma primeira abordagem. Mesmo assim, é reveladora do estado de ânimo entre importantes lideranças empresariais e acadêmicas.
O estudo ontem divulgado também ofereceu abordagem nova sobre o valor do mercado europeu para os países do Mercosul por ter deixado à margem a questão agrícola, que domina todas as discussões nesse âmbito.
Marta Castilho, professora da UFF (Universidade Federal Fluminense) e pesquisadora do Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas), lembrou um dado conhecido, mas pouco discutido: "50% das exportações do Mercosul para a UE são de produtos agrícolas. Mas a gente deve se preocupar também com os outros 50%", os manufaturados.
A pesquisadora mostrou as barreiras, tarifárias e não-tarifárias, que os países europeus impõem também no caso dos manufaturados, para assinalar que "existe espaço para uma negociação tanto em tarifas como em barreiras não-tarifárias".
Já Laura Viana, gerente de relacionamento internacional da Embratel, sugere usar a definição do padrão que o Brasil usará na TV digital como instrumento de barganha na negociação com os europeus.
"A possibilidade de o Mercosul seguir o caminho da União Européia para as redes 3G (a terceira geração de celulares) e para o padrão de TV digital pode ser apontado como um facilitador das negociações entre os dois blocos econômicos", escreve Viana.
É claro que o raciocínio também se aplica à Alca, já que o padrão norte-americano para TV digital é um dos três que o Brasil examina. Mas, ontem, o humor era decididamente pró-Europa, a ponto de Piva afirmar que "nosso parentesco cultural com a Europa é muito forte".


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