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ORTODOXIA REVISTA
Para Blanchard, Lula fez trabalho "impressionante", mas dinâmica da dívida pode "ficar ruim rapidamente"
Metas podem ser "perversas", diz professor
DA REDAÇÃO
Olivier Blanchard, do MIT
(Massachusetts Institute of Technology), questiona a eficácia da
política de juros altos no Brasil.
Segundo o economista, as taxas
reais (descontada a inflação) estão elevadas há vários anos e, por
isso, o aumento nos juros não tem
muito efeito sobre o consumo.
"Estou impressionado com os
elevados níveis das taxas, e não só
da Selic [taxa básica]", diz Blanchard, em entrevista à Folha.
"Suspeito que, em níveis elevados
como esses, a demanda dos tomadores seja bastante inelástica. Não
sei até que ponto um aumento
nos juros afete os empréstimos."
Para o economista, o governo
fez um impressionante trabalho
de inversão das expectativas ao se
comprometer com um elevado
superávit primário (saldo das receitas menos as despesas, excluindo os gastos com a dívida).
"Mas, assim como em 2002, a
dinâmica da dívida poderá ficar
ruim rapidamente", diz. Nesse caso o governo teria que se comprometer com um superávit maior.
"A não ser que ocorram novos
choques, acredito e espero que isso não seja necessário."
Blanchard diz que a dívida brasileira tende a se deteriorar rapidamente em um ambiente de crise. Isso se deve ao perfil do endividamento (bastante atrelado ao
câmbio) e à grande dependência
do capital externo.
A reação típica do Banco Central, num momento de incertezas,
é elevar a taxa de juros. Isso é especialmente verdadeiro sob o regime de metas de inflação, em que
os juros são uma das principais
ferramentas na dosagem das expectativas de alta nos preços.
Os juros mais altos por si só aumentam a dívida, mas existe um
outro fator. Em momentos de
choque, há uma seca de crédito
externo, e o dólar acaba subindo
rapidamente, o que acaba deteriorando ainda mais a dívida.
Em seu trabalho, Blanchard argumenta que, em uma situação de
estresse, de pouco adianta o BC se
ater ao regime de metas de inflação. O aumento dos juros só elevaria a percepção de risco.
Blanchard diz que há uma proposição elementar em macroeconomia segundo a qual a elevação
nos juros torna a dívida de um
país mais atraente, o que leva a
uma valorização cambial. Mas,
como demonstrou o caso brasileiro, nem sempre isso ocorre.
"Se o aumento na taxa de juros
aumenta a probabilidade de "default" [inadimplência], pode ocorrer que o efeito seja tornar a dívida menos atraente e levar a uma
depreciação do câmbio", afirma.
O autor prossegue: "Esse efeito
é mais provável quanto maior o
nível inicial da dívida, maior a
proporção da dívida denominada
em moeda estrangeira e maior o
prêmio de risco [risco-país]". Diz
ainda que, nesse cenário, "metas
de inflação podem claramente ter
efeitos perversos".
No artigo, o autor resume a arapuca em que o país se encontrou.
"Quando as condições fiscais são
erradas -a dívida é alta, uma
grande proporção dela é denominada em moeda estrangeira e a
aversão dos investidores ao risco é
elevada-, é mais provável que
um aumento nos juros deprecie o
câmbio do que o aprecie."
Segundo Ilan Goldfajn, que era
diretor de Política Econômica do
BC à época da crise, o trabalho de
Blanchard conclui que a política
monetária perde a eficácia quando a situação fiscal é frágil.
"Não acho que a política monetária tivesse perdido eficácia em
2002", rebate.
Na opinião da professora da
USP Eliana Cardoso, Blanchard
analisa os riscos de uma política
monetária muito ambiciosa, mas
reconhece que o BC soube ser
pragmático e evitou o pior em
2002. "Não houve moratória nem
desastre à moda argentina."
O paper "Fiscal Dominance and
Inflation Targeting: Lessons from
Brazil" está no site de Blanchard
(http://econ-www.mit.edu/faculty/download-pdf.php?id=669).
(GIULIANO GUANDALINI)
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