São Paulo, domingo, 28 de março de 2004

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ORTODOXIA REVISTA

Para Blanchard, Lula fez trabalho "impressionante", mas dinâmica da dívida pode "ficar ruim rapidamente"

Metas podem ser "perversas", diz professor

DA REDAÇÃO

Olivier Blanchard, do MIT (Massachusetts Institute of Technology), questiona a eficácia da política de juros altos no Brasil. Segundo o economista, as taxas reais (descontada a inflação) estão elevadas há vários anos e, por isso, o aumento nos juros não tem muito efeito sobre o consumo.
"Estou impressionado com os elevados níveis das taxas, e não só da Selic [taxa básica]", diz Blanchard, em entrevista à Folha. "Suspeito que, em níveis elevados como esses, a demanda dos tomadores seja bastante inelástica. Não sei até que ponto um aumento nos juros afete os empréstimos."
Para o economista, o governo fez um impressionante trabalho de inversão das expectativas ao se comprometer com um elevado superávit primário (saldo das receitas menos as despesas, excluindo os gastos com a dívida).
"Mas, assim como em 2002, a dinâmica da dívida poderá ficar ruim rapidamente", diz. Nesse caso o governo teria que se comprometer com um superávit maior. "A não ser que ocorram novos choques, acredito e espero que isso não seja necessário."
Blanchard diz que a dívida brasileira tende a se deteriorar rapidamente em um ambiente de crise. Isso se deve ao perfil do endividamento (bastante atrelado ao câmbio) e à grande dependência do capital externo.
A reação típica do Banco Central, num momento de incertezas, é elevar a taxa de juros. Isso é especialmente verdadeiro sob o regime de metas de inflação, em que os juros são uma das principais ferramentas na dosagem das expectativas de alta nos preços.
Os juros mais altos por si só aumentam a dívida, mas existe um outro fator. Em momentos de choque, há uma seca de crédito externo, e o dólar acaba subindo rapidamente, o que acaba deteriorando ainda mais a dívida.
Em seu trabalho, Blanchard argumenta que, em uma situação de estresse, de pouco adianta o BC se ater ao regime de metas de inflação. O aumento dos juros só elevaria a percepção de risco.
Blanchard diz que há uma proposição elementar em macroeconomia segundo a qual a elevação nos juros torna a dívida de um país mais atraente, o que leva a uma valorização cambial. Mas, como demonstrou o caso brasileiro, nem sempre isso ocorre.
"Se o aumento na taxa de juros aumenta a probabilidade de "default" [inadimplência], pode ocorrer que o efeito seja tornar a dívida menos atraente e levar a uma depreciação do câmbio", afirma.
O autor prossegue: "Esse efeito é mais provável quanto maior o nível inicial da dívida, maior a proporção da dívida denominada em moeda estrangeira e maior o prêmio de risco [risco-país]". Diz ainda que, nesse cenário, "metas de inflação podem claramente ter efeitos perversos".
No artigo, o autor resume a arapuca em que o país se encontrou. "Quando as condições fiscais são erradas -a dívida é alta, uma grande proporção dela é denominada em moeda estrangeira e a aversão dos investidores ao risco é elevada-, é mais provável que um aumento nos juros deprecie o câmbio do que o aprecie."
Segundo Ilan Goldfajn, que era diretor de Política Econômica do BC à época da crise, o trabalho de Blanchard conclui que a política monetária perde a eficácia quando a situação fiscal é frágil.
"Não acho que a política monetária tivesse perdido eficácia em 2002", rebate.
Na opinião da professora da USP Eliana Cardoso, Blanchard analisa os riscos de uma política monetária muito ambiciosa, mas reconhece que o BC soube ser pragmático e evitou o pior em 2002. "Não houve moratória nem desastre à moda argentina."
O paper "Fiscal Dominance and Inflation Targeting: Lessons from Brazil" está no site de Blanchard (http://econ-www.mit.edu/faculty/download-pdf.php?id=669).
(GIULIANO GUANDALINI)



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