São Paulo, domingo, 28 de março de 2004

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ECONOMIA E SAÚDE

Decisão é criticada por fabricantes e mineradora; material usado em telhas e caixas-dágua provoca câncer

Governo vai banir uso de amianto no país

FÁTIMA FERNANDES
CLAUDIA ROLLI
DA REPORTAGEM LOCAL

O governo Lula vai fixar um prazo para banir no país o uso do amianto, minério usado em produtos como telhas, caixas-d'água, pisos, cloro e pastilhas de freio.
A decisão, polêmica, vai incluir o Brasil no grupo de 36 nações que já optaram pelo fim da utilização dessa matéria-prima, tóxica e cancerígena a trabalhadores e consumidores expostos a ela.
Indústrias que usam amianto dizem que a substituição da matéria-prima vai aumentar significativamente os custos de produção. Dona da única mineradora de amianto do país, a empresa Sama diz que irá processar o governo para recuperar prejuízos que teria com a proibição. "Temos o direito de explorar a mina por 60 anos. Se banir o amianto, o governo terá de se responsabilizar."

Decisão de governo
"É uma decisão de governo", disse Ruth Vilela, secretária de inspeção do Ministério do Trabalho, referindo-se à proibição.
"A comunidade científica e do trabalho entende que o amianto faça mal à saúde do trabalhador", diz Alencar Ferreira, secretário-executivo do Ministério do Trabalho. "Por essa razão, o governo optou pela extinção. A exposição a essa matéria-prima, por menor que seja, não é segura."
Na última quinta-feira, portaria do governo deu prazo 90 dias para que um grupo técnico, formado por auditores do trabalho e representantes da Fundacentro, faça um diagnóstico sobre as condições de trabalho e os efeitos da exposição de uma pessoa ao amianto -desde a extração do minério até a industrialização e o transporte de produtos.
Enquanto o grupo técnico faz o mapeamento do uso do amianto no país, uma comissão interministerial -que será anunciada na próxima semana e terá representantes dos ministérios da Saúde, da Previdência Social, do Meio Ambiente, do Trabalho, de Minas e Energia e do Desenvolvimento- vai definir o prazo que as indústrias terão para extinguir o insumo de seus produtos.
A União Européia deu prazo de cinco anos, a partir de 2000, para que os fabricantes encontrem alternativas ao uso do amianto.
Segundo Ferreira, "isso não significa que esse será o período dado às empresas no Brasil. A comissão interministerial é que estabelecerá um prazo após ter o raio X do amianto no país."
Um projeto de lei -ou uma medida provisória- para proibir o uso do amianto no Brasil, diz, deverá ser encaminhado ainda neste ano ao Congresso Nacional.
A pressão para acabar com o uso do amianto no país partiu principalmente da auditora fiscal do trabalho Fernanda Giannasi. Há 20 anos, ela fiscaliza as empresas que utilizam essa matéria e acompanha a saúde de pessoas expostas ao mineral.
Com extensa documentação, Giannasi, segundo Alencar, deverá compor a comissão técnica do Ministério do Trabalho.
A promotora de justiça Anna Trotta Yaryd diz que o problema de saúde causado aos trabalhadores e ex-funcionários "é sério, grave e irreversível".
O Ministério Público Federal pediu numa ação civil pública o banimento do amianto. "Já se tem notícia de pelo menos 2.500 casos de contaminação em apenas uma empresa do setor", diz .
Os casos comprovados de contaminação levaram advogados de empresas a criar um modelo de indenização-padrão para as vítimas -de R$ 5 mil a R$ 20 mil, informa Giannasi.
Levantamento parcial do ministério mostra que 165 indústrias produzem, utilizam ou comercializam amianto -também conhecido como asbesto- no país. Juntas, empregam 15 mil trabalhadores, dos quais 3.500 -ou 23% deles- mantêm contato direto com o minério.
O ministério informa que esses números são maiores, pois os dados levantados até agora referem-se apenas às empresas cadastradas, que representam uma parte dos envolvidos com o amianto.
Metade dessas 165 empresas está no Estado de São Paulo, com cerca de 1.500 trabalhadores em contato direto com o minério, segundo o levantamento. O Rio Grande do Sul é o segundo Estado que mais utiliza o insumo no processo de produção, com 568 trabalhadores expostos diretamente à matéria-prima.
Em Minaçu, no Estado de Goiás, onde se localiza a mina Cana Brava, explorada pela Sama Mineração de Amianto, que pertence à Eternit, existem cerca de 410 trabalhadores em contato direto com o amianto -e 500 em outras atividades na empresa, segundo o ministério.

Reação
Dona da única mineradora de amianto do país, a Sama tem capacidade para extrair 270 mil toneladas por ano e produz 213 mil toneladas anuais. Rubens Rela Filho, diretor geral da empresa, diz que os 32 mil habitantes de Minaçu dependem da mina. "Essa é a única atividade econômica da cidade. Se o governo proibir o uso do amianto, a cidade fecha."
O prejuízo causado com a extinção do amianto no país, diz Rela Filho, terá de ser bancado pelo governo. "Temos o direito de explorar a mina por 60 anos. Se o governo banir o amianto, terá de se responsabilizar por isso", afirma.
A Carbocloro, indústria que usa o minério para a produção de soda e cloro, informa que sobrevive sem o amianto. Mas diz que a substituição da matéria-prima vai aumentar significativamente os custos de produção. A indústria já testa um substituto -um material cerâmico-, que é 15 vezes mais caro que o amianto.
Um dos setores que mais deve sentir o impacto do banimento do amianto é o de fibrocimento -especialmente na produção de telhas e caixas-d'água. Estimativa da Abifibro, associação do setor, é que a venda desses dois produtos movimenta R$ 1 bilhão por ano.
O Ministério do Trabalho sabe que vai enfrentar resistências das indústrias que usam o mineral. "Não adianta, a extinção do amianto é uma decisão de governo", afirma o secretário-executivo do Ministério do Trabalho.


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