São Paulo, sábado, 28 de março de 2009

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ROBERTO RODRIGUES

Bons projetos e boas intenções


É preciso buscar uma economia verde, mas sem radicalismo e com bom senso, mantendo o lucro na atividade produtiva


NO FINALZINHO de fevereiro, tive a oportunidade de participar da abertura do Global Seed Vault, um projeto muito interessante localizado em Svalbard, Noruega, já no círculo polar Ártico. Iniciada há um ano, o objetivo dessa "Arca de Noé" de sementes é guardar, em temperatura controlada, sementes das plantas alimentares do mundo todo, com o objetivo de garantir a preservação da biodiversidade.
Bancado por um fundo internacional em parceria com o governo da Noruega, o notável projeto aspira a ser um banco de germoplasma mundial à disposição da humanidade, para o caso de catástrofes de quaisquer naturezas destruírem o que existe nas diferentes regiões do planeta.
Depois de um ano de atividades, a direção do Vault e o governo da Noruega levaram algumas pessoas a visitarem o projeto, aproveitando a ocasião para realizar um seminário sobre diversidade. Gente respeitável tratou do tema com visão científica e preocupação com a sustentabilidade da produção agrícola mundial.
Tenho participado de eventos similares em vários países e, ao mesmo tempo em que admiro projetos dessa magnitude e a capacidade de realizá-los por meio de ações coordenadas entre os setores público e privado de diferentes regiões, preocupa-me um tema que, não explicitado, aparece meio "sombreado" em algumas discussões primeiro-mundistas. Vou exagerar nas cores para mostrar essa preocupação.
Os países ricos esperam que os agricultores de todos os quadrantes produzam mais alimentos, fibras e energia por hectare, mais baratos e sustentavelmente. Mas gostariam que tudo isso fosse feito com menos fertilizantes químicos, menos defensivos, usando pouca água, sem transgênicos, reduzindo as emissões de CO2 pelas máquinas agrícolas, sem ocupar mais terra...
E desejam que se realize mantido o protecionismo, com insuficientes recursos destinados à pesquisa e à tecnologia, sem coordenação entre os países na direção de políticas consistentes a favor da produção e enfrentando o preconceito de boa parte da sociedade urbana e da academia em relação a esse setor. Descontado o exagero, é claro que a equação não fecha: sem renda, a produção não aumentará.
Em Svalbard, onde há um projeto concreto e exitoso resultante de coordenação de esforços, o seminário concluiu pela necessidade de que os formuladores de políticas a favor da produção sustentável precisam sair da sua inércia institucional e, com transparência, promover mudanças que permitam a preservação da biodiversidade sem afetar o crescimento da oferta agrícola global.
E recomendam que isso se faça por meio da maciça informação dessas questões à opinião pública em geral e do diálogo construtivo entre o público e o privado, internacionalmente. Está tudo muito bem.
Os modernos discursos de Gordon Brown e mesmo do presidente Barack Obama apontam para a busca de uma economia verde. Propõem que a crise sirva como alavanca para um novo modelo de desenvolvimento baseado na real sustentabilidade em suas três vertentes: econômica, social e ambiental. Isso é correto e devemos todos, particularmente os produtores rurais, embarcar nessa canoa. Mas sem radicalismo: com bom senso, equilíbrio e inteligência, será possível fazê-lo, mantendo o lucro na atividade produtiva, motor de qualquer programa de desenvolvimento.

ROBERTO RODRIGUES, 66, coordenador do Centro de Agronegócio da FGV, presidente do Conselho Superior do Agronegócio da Fiesp e professor do Departamento de Economia Rural da Unesp - Jaboticabal, foi ministro da Agricultura (governo Lula). Escreve aos sábados, a cada 15 dias, nesta coluna.


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