São Paulo, domingo, 28 de março de 2010

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Empresa nos EUA "maquia" compra de turista

De propriedade de brasileiros, firmas transportam para o país produtos novos como se fossem itens de mudança e driblam a Receita

Pelas regras da Receita, se estiver "desacompanhada" a bagagem é isenta de tributos, mas nesse caso há o crime de descaminho

FÁTIMA FERNANDES
CLAUDIA ROLLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Por uma taxa de serviço que varia de US$ 150 a US$ 350, empresas que pertencem a brasileiros e estão sediadas nos Estados Unidos oferecem o envio de produtos novos para o Brasil sem o pagamento de impostos, o que é proibido pela lei.
Para isso, essas empresas de transporte simulam que computadores, eletroeletrônicos, roupas e brinquedos comprados por turistas nos EUA -ou até mesmo pela internet, por quem está no Brasil- são artigos de uso pessoal que fazem parte de mudança de pessoas que residiam fora e estão retornando ao país. Pelas normas da Receita Federal, itens que fazem parte de mudança (bagagem desacompanhada) são isentos de tributos.
Quem opta por esse serviço recebe até orientação para retirar as embalagens dos produtos para não parecerem novos, antes de colocá-los em caixas que serão enviadas ao Brasil.
Funcionários de quatro empresas -Status Baby Moving, Mundial Moving, Fastway Moving e Interact Moving- informaram à Folha que o envio de mercadorias para o Brasil nessas caixas (de tamanhos que variam de 0,70 m a 1,20 m de altura e 0,45 m a 0,60 m de largura) é seguro. Dizem que a fiscalização quase não existe no país e que entre 60 e 90 dias os produtos são entregues na "porta" da casa do cliente.
"Tem de ser feito como a empresa orienta. Não pode ter mais do que 15 perfumes, cremes ou xampus iguais. No total, pode ter 15 produtos, mas variados, para não caracterizar comércio. Pode trazer na caixa um laptop, um DVD, um videogame e outro eletroeletrônico, no máximo. Tudo fora da embalagem para não parecer novo", diz, por telefone, uma funcionária da Fastway Moving.
A empresa iniciou suas operações na Flórida no setor de mudanças e hoje tem filiais em Massachusetts, Connecticut, Nova Jersey e Pensilvânia.
Um funcionário da Mundial Moving diz que laptop não pode ser enviado; desktop, sim. "As caixas vão para o Brasil como bagagem desacompanhada, assim não há incidência de impostos sobre os produtos."
A Mundial entrega e recolhe caixas para os clientes também em hotéis. "Tem de obedecer as regras. Se colocar 200 cremes, seis laptops, 30 fones iguais na mesma caixa, a possibilidade de parar na alfândega é maior", diz esse funcionário.
As mesmas dicas são dadas por atendentes da Status Baby Moving e da Interact Moving. "Nesse esquema, [o envio] tem de ficar caracterizado como mudança. Tem de ter bom senso, colocar roupas variadas e não dez itens semelhantes", diz um funcionário da Interact, no mercado há 16 anos.
Ao ser questionado sobre o risco de as caixas serem barradas na alfândega brasileira, ele responde: "Só mando quando tenho certeza de que está tudo bem. Se meu embarcador falar que não é um bom momento, espero a hora certa".
Quem mais usa esses serviços, segundo as empresas, são brasileiros com maior poder aquisitivo, que viajam com frequência aos EUA e querem se livrar de malas pesadas. As empresas chegam a embarcar para o Brasil um contêiner lotado dessas caixas a cada dez dias.

Crime de descaminho
Empresas e pessoas que enviam produtos novos disfarçados de usados praticam crime de descaminho (importação sem pagar tributos), informa Everardo Maciel, ex-secretário da Receita Federal. O que ocorre, segundo ele, é que o Ministério Público não oferece denúncia quando essa situação é flagrada, porque os produtos têm baixo valor e são considerados crimes de bagatelas.
"Essa situação não me surpreende. A maioria dos produtos vem de Miami sem vistoria porque os EUA não estão preocupados com exportação e, sim, com importação", diz Maciel.
E como só 2% dos contêineres que chegam ao país são revistados, o esquema é fácil de ser feito, dizem auditores da Receita em São Paulo.
O número de empresas que faz esse serviço nos EUA, principalmente em Miami, cresce a cada ano. São comuns anúncios em jornais dedicados à comunidade brasileira, especialmente na Flórida. Algumas até fazem promoções -do tipo "mande 5 e pague 4" ou "se, em 90 dias você mandar cinco caixas, a sexta será gratuita".
Até no YouTube há vídeos com dicas que ensinam como "trazer" os produtos (com plástico bolha e sem embalagens, para mostrar que as mercadorias são usadas) para simular o transporte como se fosse mudança residencial.
Produtos importados no valor de até US$ 50 por via postal ou expressa por courier, sem fim comercial, estão isentos de impostos. Acima desse valor, qualquer produto importado está sujeito à tributação, como Imposto de Importação, IPI, PIS, Cofins e ICMS.
O valor máximo de bens a serem importados pelo sistema de remessas expressas é de até US$ 3.000. Nesse caso, a tributação é de 60% sobre o valor da fatura, acrescido de custos de transporte e de seguro.


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