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OPINIÃO ECONÔMICA
Mato Grosso é Brasil?
PAULO RABELLO DE CASTRO
Mato grosso, 2004: a Agrishow do cerrado, feira mais
importante do agronegócio da região Centro-Oeste, acaba de contabilizar o resultado de cinco dias
de evento. Conforme divulgado
pelos organizadores, o balanço
parcial do movimento financeiro
da Agrishow teria se aproximado
de R$ 1,5 bilhão, com vendas concentradas em máquinas ultracomputadorizadas, silos e outros
equipamentos de armazenagem e,
quem diria, aviões agrícolas.
Para uma boa parte do Brasil estagnado, essa é uma surpresa das
boas, por sinal. Saber que o Brasil
da produção agropecuária vai
bem é fundamental, não só para
fazer cair o risco-país, pela certeza
de divisas de exportação para
honrar os compromissos da nossa
conta financeira externa, como
também por nos salvaguardar de
uma crise de alimentos vindo maltratar os já machucados brasileiros. Nada de mal vai acontecer.
Choveu na horta do Brasil em
2004. De norte a sul comemora-se
uma abençoada abundância.
Nesse meio tempo, um panorama lúgubre se apresenta à vista do
cidadão urbano. Apesar das reconfortantes declarações de Washington sobre o nosso "bom comportamento econômico", as expectativas do Brasil empresarial urbano permanecem retraídas.
O Brasil rural que brilha, destoando dos tons pálidos da economia urbana, não brilha por reflexo. Tem luz própria. O agronegócio brasileiro não vai bem por causa da política econômica, muito
menos pela tranqüilidade e pela
ordem social no campo. Aliás, pelo
contrário. Sem medo de errar, dá
para dizer que o agro brilha "apesar" da ação pública federal. O
campo é o que é hoje porque o poder público fez o favor de esquecê-lo. Quando o crédito rural no Brasil chegou à cifra de US$ 25 bilhões, no fim da década de 70,
muita gente pensava ser o apoio
oficial aos empréstimos de custeio
rural o responsável pelo sucesso
dos 40 e tantos milhões de toneladas de grãos então produzidos. Os
subsídios foram eliminados (felizmente!) e levaram o crédito junto.
Em dólares, o crédito rural foi reduzido a US$ 5 bilhões, correspondentes a apenas 20% do que havia
sido duas décadas antes.
Mas a pesquisa agrícola continuava, via Embrapa e por meio de
instituições dos próprios agricultores, como a Fundação Mato Grosso e outras. Uma revolução silenciosa de tecnificação, de treinamento e gestão, de eliminação de
desperdícios seguia acontecendo
nos grãos, nas fibras, nas frutas, na
cana, no café, nas carnes e até no
leite, além dos hortícolas. Daí os
recordes sucessivos em todas as linhas de produção agropecuária,
sem exceção. Atingimos neste ano,
em grãos, a marca de 130 milhões
de toneladas e estamos partindo
para muito mais!
A pergunta recorrente é: se o governo mais atrapalhou do que
ajudou, por que a teimosa agropecuária do Brasil insiste em ser
campeã do mundo?
Vocação, competência e arrojo
seriam os três ingredientes que sobram na agricultura e faltam ao
Brasil oficial. Vocação para os
produtos da terra o país sempre teve. Mas, em alguns casos, como em
frutas no Nordeste ou trigo no Sul,
ainda há espaço para novas conquistas.
Vocação também se garimpa.
Competência é filha primogênita
da vocação, pois essa sem aquela
não se desenvolve nem se capitaliza. Competência os agricultores
foram buscar na pesquisa e na experimentação, arriscando muitas
vezes para perder. Por isso, o terceiro ingrediente é essencial: Arrojo, com o qual se sustenta a persistência, até dominar as técnicas e
conhecer melhor os mercados,
além de tentar o que antes parecia
impossível (como o plantio da soja
no cerrado em solos quimicamente deficientes).
Existe hoje, portanto, um Brasil
privado que ajuda o Brasil oficial
a construir estradas, como fazem
os agricultores de Mato Grosso, financiando as suas vias de escoamento. Pelas contas do atual secretário de Projetos Estratégicos de
Mato Grosso (e um dos mentores
da revolução agrícola aí ocorrida),
Cloves Vettorato, o Estado deverá
quase dobrar o PIB nos próximos
quatro anos. Mesmo descontando
um excesso de otimismo contido
na estimativa, isso é mais do que
uma pequena China acontecendo
dentro do Brasil, lado a lado com
a estagnação federativa que nos
assola há alguns anos.
Acontece que o modelo produtivo brasileiro não é producente; é
contraproducente. Decisões de
onerar quem produz são muito
mais freqüentes do que providências para desobstruir e liberar as
forças produtivas. Era e continua
sendo assim. Prevalece um modelo
baseado na acomodação de um
setor público inchado, que o setor
privado sangra para financiar, enquanto a dívida de governo é bondosamente rolada no mercado a
taxas de juros incompatíveis com
o bom senso. Daí o freio artificial
aplicado às atividades do mercado doméstico, que, não fossem
subjugadas como o são hoje, poderiam ter desempenho tão ou mais
dinâmico que o vitorioso agronegócio.
A culpa é nossa. Só nossa. Faz
tempo que o Brasil urbano deixou
de contabilizar seu futuro, de projetar seu porvir, de planejar seu vir
a ser. O exemplo máximo dessa
falta de querer coletivo é o meu
Rio de Janeiro.
Não sei se o entusiasmado Cloves Vettorato, de Mato Grosso, está correto ao projetar uma duplicação do PIB estadual em quatro
anos. Mas ele já acertou em cheio,
por exercer o direito de sonhar
acordado e planejar esse sonho,
por ter a coragem de anunciar seu
ponto de chegada, sua marca futura. Há quantos e quantos anos
não ouvimos de uma única autoridade federal a enunciação de
uma meta de crescimento econômico para o país? Não há quem se
arrisque ao prognóstico no plano
federal.
Por isso somos obrigados a ouvir, como ouviu o ministro Antonio Palocci Filho em Washington
há poucos dias, que o FMI projeta
crescimento superior a 4% para a
economia do planeta, enquanto
no Brasil a coragem dos governantes não arrisca sequer alcançar
aquela média mundial. Preferimos perseguir metas inflacionárias. Por isso sou, pessoalmente,
menos meta e mais mato. Mato
Grosso, bem entendido.
Paulo Rabello de Castro, 55, doutor em
economia pela Universidade de Chicago
(EUA), é vice-presidente do Instituto
Atlântico e chairman da SR Rating, agência brasileira de classificação de riscos de
crédito. Escreve às quartas-feiras, a cada
15 dias, nesta coluna.
E-mail -
rabellodecastro@uol.com.br
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