São Paulo, quarta-feira, 28 de abril de 2004

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"PROJETO CARNAVAL"

Relatório da Telefônica detalhava perfil político de integrantes de órgãos reguladores

Documento apreendido traz raio-X do Cade

MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

ELVIRA LOBATO
EM SÃO PAULO

A polícia apreendeu, na sede do grupo Telefônica, em São Paulo, no início do mês, um roteiro de orientação do "lobby" das três teles fixas no Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), na SDE (Secretaria de Direito Econômico) e na Seae (Secretaria de Acompanhamento Econômico) do Ministério da Justiça.
A Telefônica previa resistências do Cade à venda da Embratel para o consórcio Calais, do qual são acionistas e financiadoras as gigantes da telefonia Telefônica, Brasil Telecom e Telemar.
Relatório interno da empresa de origem espanhola, de 4 de dezembro de 2003, também apreendido, analisa que o papel do Cade seria tão importante na aprovação do negócio quanto o da Anatel, e que "há conselheiros contrários que teriam de ser convencidos". O documento é intitulado "Resultado dos contatos com o governo".
A resistência é identificada apenas no Cade. Em relação à Anatel, a constatação é que não haveria haveria restrições, desde que as operadoras encontrassem uma forma compatível com a legislação de comprar a Embratel.
A compra da Embratel foi batizada, nos documentos, de "Projeto Carnaval", em alusão ao mês de formalização do consórcio.
O roteiro para o lobby traça o perfil político dos conselheiros do Cade e dos secretários da SDE, Daniel Goldberg, e da Seae, José Tavares de Araújo Jr., além de fazer conjecturas sobre a força de cada um no governo.
O presidente do conselho do Cade, João Grandino Rodas, é descrito como "peixe fora d'água" no governo Lula, por não ser ligado ao PT, e como pessoa avessa à exposição pública, ao contrário do antecessor, Gesner Oliveira.
"Rodas é muito criticado por advogados que militam no Cade por não ter postura pró-ativa. Ele é um juiz aposentado e atua como magistrado: é inerte, só faz algo quando provocado", diz o texto.
Rodas disse à Folha que, se deixar de ser inerte, extrapolará suas funções. "O Cade é um tribunal administrativo que perdeu poder de instaurar processos. Não lhe cabe fazer política de concorrência, só julgar." Ele acaba de ser nomeado representante no Tribunal Permanente de Arbitragem.
Maria Paula Dallari Bucci, procuradora-geral do Cade, é apontada como provável sucessora de Grandino Rodas, "devido à sua proximidade com o PT e com o Palácio do Planalto". O mandato de Rodas termina em julho.
Ela é citada no relatório como militante do PT desde a criação do partido, nos anos 80, e como acadêmica com longa experiência na USP. Na verdade, é professora da Universidade Católica de Santos, e se desfiliou do PT em abril do ano passado, por exigência do cargo que ocupa no Cade.
O secretário de Defesa Econômica, Daniel Goldberg, é descrito como pessoa sem fortes ligações com o PT, que teria chegado ao cargo por influência do advogado Fábio Campos Lilla, amigo do ministro Márcio Thomaz Bastos, da Justiça. "Goldberg construiu sua equipe em torno de pessoas de seu escritório e de companheiros de faculdade'", descreve o documento, que cita cita o chefe de gabinete, Arthur Badin, e a diretora de Defesa Econômica, Bárbara Rosenberg, como ex-colegas de faculdade e de escritório no qual Goldberg atuava em São Paulo.
O texto frisa que o secretário elegeu o combate aos cartéis como prioridade e ocupa metade da agenda com a defesa da concorrência. É apontado ainda como o homem de ligação entre os ministérios da Justiça e da Fazenda.
O secretário Araújo Jr. (de Acompanhamento Econômico) é descrito como técnico discreto e o último secretário nomeado pelo ministro da Fazenda, Antonio Palocci, "numa clara demonstração de falta de projetos do governo" na área de concorrência.


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