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ARTIGO
A política do dólar fraco e as "bolhas" de Bush
DAVID HALE
ESPECIAL PARA O "FINANCIAL TIMES"
As circunstâncias que a
economia americana enfrenta hoje são únicas na era moderna.
O Federal Reserve (Banco Central
dos Estados Unidos) advertiu sobre o risco de deflação depois de
um ano em que o dólar caiu cerca
de 30% em relação a muitas das
principais moedas. Apesar da fraqueza monetária, o rendimento
dos títulos do Tesouro norte-americano caiu para os níveis mais
baixos em 45 anos e está 37 pontos
básicos abaixo do rendimento da
dívida do governo alemão.
O declínio do dólar foi indolor
para os mercados financeiros dos
Estados Unidos porque os investidores são complacentes sobre a
inflação. O fraco rendimento dos
títulos também produziu uma política de negligência benigna em
Washington. Autoridades do Federal Reserve dizem que a queda
do dólar é um problema europeu,
e não americano. O secretário do
Tesouro dos Estados Unidos,
John Snow, realmente abandonou, neste final de semana, a política do dólar forte do governo anterior, ao dar sua própria definição do que constitui uma moeda
forte. Ela não inclui os preços de
mercado.
O dólar começou a enfraquecer
há mais de um ano, mas seu declínio foi acelerado nas últimas semanas por três motivos.
Primeiro, os mercados temem
que a política fiscal do governo
Bush reforce o déficit do orçamento federal para US$ 400 bilhões a US$ 500 bilhões e crie um
desequilíbrio de poupança doméstica que expanda o atual déficit de conta corrente para US$ 600
bilhões.
Política imperialista
Segundo, os mercados estão
alarmados que os Estados Unidos
estejam embarcando numa política externa imperialista que terá
consequências imprevisíveis para
sua posição fiscal, o comércio exterior e as relações internacionais.
No auge do império, o Reino Unido tinha grandes superávits de
conta corrente. Não há precedente
de um país fazendo o papel de superpotência global com um grande déficit de pagamentos externos.
Durante a Guerra Fria, os Estados Unidos conseguiram financiar parcialmente seus gastos em
defesa através de programas de
compensações com outros países.
O Bundesbank, por exemplo, estocou dólares em troca dos gastos
de defesa americanos na Alemanha.
Durante a Guerra do Golfo de
1991, os Estados Unidos receberam grandes subsídios do Japão,
da Arábia Saudita e de outros países. Com os Estados Unidos seguindo uma política externa mais
unilateral, terão de absorver todos
os custos sem a ajuda de aliados
tradicionais.
Por último, os mercados percebem um vácuo no centro de decisão das políticas econômicas americanas. Neste governo, o poder
está altamente centralizado na Casa Branca. Os únicos ministros altamente visíveis são os dos departamentos de Estado e da Defesa.
A estatura e a influência do Tesouro decaíram durante o mandato de Paul O'Neill, devido a seus
comentários cáusticos sobre muitas questões e seu fraco relacionamento com o Congresso. Snow
trabalhou duro para melhorar essas relações, mas o mercado o
considera um vendedor, e não um
arquiteto de políticas. Larry Lindsey e Glenn Hubbard, as pessoas
que criaram a política econômica
do atual governo, pediram demissão.
Correção dos preços
As outras instituições de política
econômica também estão fracas.
O novo diretor do Conselho Nacional de Política Econômica está
concentrado na administração interna, mais do que em influenciar
os mercados. Mitch Daniels, diretor do Birô de Administração e
Orçamento, está saindo para seguir a carreira política em Indiana. O Conselho de Assessores
Econômicos está sendo expulso
da Casa Branca.
A política econômica parece estar sob o controle dos assessores
políticos da Casa Branca, e não
das instituições tradicionais do
governo. Na verdade, a Casa
Branca não conseguirá estimular
a recuperação do dólar enquanto
Karl Rove não der uma entrevista
coletiva sobre o assunto.
Como ficou claro após comentários recentes de Snow, Washington nada fará para estabilizar o
dólar enquanto não houver uma
grande correção nos preços dos títulos, o que poderá ameaçar o
boom no mercado imobiliário
americano. Mas na ausência de
uma ameaça a esse mercado o peso do ajuste recairá em outras partes.
A Ásia resistirá à depreciação do
dólar através de uma intervenção
em grande escala no mercado. As
reservas cambiais da China se expandirão de US$ 280 bilhões para
US$ 330 bilhões neste ano. As reservas cambiais do Japão vão aumentar de US$ 500 bilhões para
US$ 600 bilhões neste ano e alcançarão US$ 1 trilhão em 2008.
Processo de reflação
Se a Ásia conseguir estabilizar
suas taxas de câmbio, os Estados
Unidos terão de reduzir seu déficit
de conta corrente através de desvalorizações maiores em relação a
outras moedas.
Essa pressão pela desvalorização acionará um processo de reflação [política econômica que visa à retomada do crescimento, pelo estímulo à demanda] monetária competitiva com a zona do euro, a Grã-Bretanha, o Canadá, a
África do Sul e outros países que
têm taxas de câmbio variáveis. Esses países serão obrigados a cortar
suas taxas de juros para evitar que
suas moedas se desvalorizem em
relação ao dólar.
O governo Bush está preparado
para seguir políticas fiscal e monetária agressivas para garantir uma
recuperação saudável na corrida
para a eleição presidencial de
2004.
Sua nova política de dólar fraco
se destina a pressionar os outros
países a apoiar essa agenda de
crescimento doméstico. No final
dos anos 80, o Japão criou uma
"bolha" econômica com o aumento disparado dos preços da
terra e das ações, adotando uma
política monetária destinada a estabilizar o dólar.
A próxima rodada de reflação
monetária competitiva provavelmente também obrigará os bancos centrais a aplicar cortes em
suas taxas de juros muito mais
agressivos do que prevêem. Nesse
caso, o presidente George W.
Bush não ganhará a reeleição. Poderá haver "bolhas Bush" em
muitos mercados de valores no final de 2004 e em 2005.
David Hale é economista em Chicago
(EUA).
Tradução de Luiz Roberto Gonçalves
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