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São Paulo, quarta-feira, 28 de maio de 2003

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ARTIGO

A política do dólar fraco e as "bolhas" de Bush

DAVID HALE
ESPECIAL PARA O "FINANCIAL TIMES"

As circunstâncias que a economia americana enfrenta hoje são únicas na era moderna. O Federal Reserve (Banco Central dos Estados Unidos) advertiu sobre o risco de deflação depois de um ano em que o dólar caiu cerca de 30% em relação a muitas das principais moedas. Apesar da fraqueza monetária, o rendimento dos títulos do Tesouro norte-americano caiu para os níveis mais baixos em 45 anos e está 37 pontos básicos abaixo do rendimento da dívida do governo alemão.
O declínio do dólar foi indolor para os mercados financeiros dos Estados Unidos porque os investidores são complacentes sobre a inflação. O fraco rendimento dos títulos também produziu uma política de negligência benigna em Washington. Autoridades do Federal Reserve dizem que a queda do dólar é um problema europeu, e não americano. O secretário do Tesouro dos Estados Unidos, John Snow, realmente abandonou, neste final de semana, a política do dólar forte do governo anterior, ao dar sua própria definição do que constitui uma moeda forte. Ela não inclui os preços de mercado.
O dólar começou a enfraquecer há mais de um ano, mas seu declínio foi acelerado nas últimas semanas por três motivos.
Primeiro, os mercados temem que a política fiscal do governo Bush reforce o déficit do orçamento federal para US$ 400 bilhões a US$ 500 bilhões e crie um desequilíbrio de poupança doméstica que expanda o atual déficit de conta corrente para US$ 600 bilhões.

Política imperialista
Segundo, os mercados estão alarmados que os Estados Unidos estejam embarcando numa política externa imperialista que terá consequências imprevisíveis para sua posição fiscal, o comércio exterior e as relações internacionais. No auge do império, o Reino Unido tinha grandes superávits de conta corrente. Não há precedente de um país fazendo o papel de superpotência global com um grande déficit de pagamentos externos.
Durante a Guerra Fria, os Estados Unidos conseguiram financiar parcialmente seus gastos em defesa através de programas de compensações com outros países. O Bundesbank, por exemplo, estocou dólares em troca dos gastos de defesa americanos na Alemanha.
Durante a Guerra do Golfo de 1991, os Estados Unidos receberam grandes subsídios do Japão, da Arábia Saudita e de outros países. Com os Estados Unidos seguindo uma política externa mais unilateral, terão de absorver todos os custos sem a ajuda de aliados tradicionais.
Por último, os mercados percebem um vácuo no centro de decisão das políticas econômicas americanas. Neste governo, o poder está altamente centralizado na Casa Branca. Os únicos ministros altamente visíveis são os dos departamentos de Estado e da Defesa.
A estatura e a influência do Tesouro decaíram durante o mandato de Paul O'Neill, devido a seus comentários cáusticos sobre muitas questões e seu fraco relacionamento com o Congresso. Snow trabalhou duro para melhorar essas relações, mas o mercado o considera um vendedor, e não um arquiteto de políticas. Larry Lindsey e Glenn Hubbard, as pessoas que criaram a política econômica do atual governo, pediram demissão.

Correção dos preços
As outras instituições de política econômica também estão fracas. O novo diretor do Conselho Nacional de Política Econômica está concentrado na administração interna, mais do que em influenciar os mercados. Mitch Daniels, diretor do Birô de Administração e Orçamento, está saindo para seguir a carreira política em Indiana. O Conselho de Assessores Econômicos está sendo expulso da Casa Branca.
A política econômica parece estar sob o controle dos assessores políticos da Casa Branca, e não das instituições tradicionais do governo. Na verdade, a Casa Branca não conseguirá estimular a recuperação do dólar enquanto Karl Rove não der uma entrevista coletiva sobre o assunto.
Como ficou claro após comentários recentes de Snow, Washington nada fará para estabilizar o dólar enquanto não houver uma grande correção nos preços dos títulos, o que poderá ameaçar o boom no mercado imobiliário americano. Mas na ausência de uma ameaça a esse mercado o peso do ajuste recairá em outras partes.
A Ásia resistirá à depreciação do dólar através de uma intervenção em grande escala no mercado. As reservas cambiais da China se expandirão de US$ 280 bilhões para US$ 330 bilhões neste ano. As reservas cambiais do Japão vão aumentar de US$ 500 bilhões para US$ 600 bilhões neste ano e alcançarão US$ 1 trilhão em 2008.

Processo de reflação
Se a Ásia conseguir estabilizar suas taxas de câmbio, os Estados Unidos terão de reduzir seu déficit de conta corrente através de desvalorizações maiores em relação a outras moedas.
Essa pressão pela desvalorização acionará um processo de reflação [política econômica que visa à retomada do crescimento, pelo estímulo à demanda] monetária competitiva com a zona do euro, a Grã-Bretanha, o Canadá, a África do Sul e outros países que têm taxas de câmbio variáveis. Esses países serão obrigados a cortar suas taxas de juros para evitar que suas moedas se desvalorizem em relação ao dólar.
O governo Bush está preparado para seguir políticas fiscal e monetária agressivas para garantir uma recuperação saudável na corrida para a eleição presidencial de 2004.
Sua nova política de dólar fraco se destina a pressionar os outros países a apoiar essa agenda de crescimento doméstico. No final dos anos 80, o Japão criou uma "bolha" econômica com o aumento disparado dos preços da terra e das ações, adotando uma política monetária destinada a estabilizar o dólar.
A próxima rodada de reflação monetária competitiva provavelmente também obrigará os bancos centrais a aplicar cortes em suas taxas de juros muito mais agressivos do que prevêem. Nesse caso, o presidente George W. Bush não ganhará a reeleição. Poderá haver "bolhas Bush" em muitos mercados de valores no final de 2004 e em 2005.


David Hale é economista em Chicago (EUA).

Tradução de Luiz Roberto Gonçalves


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