São Paulo, sexta-feira, 28 de maio de 2004

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ANÁLISE

Retomada perde parte do estímulo

FERNANDO SAMPAIO
DA EQUIPE DE EDITORIALISTAS

Não foi surpresa a constatação de que o PIB completou, entre janeiro e março deste ano, seu terceiro trimestre consecutivo de crescimento, período ao longo do qual acumulou expansão de 3,6%, correspondente a um ritmo anual da ordem de 4,9%.
À primeira vista pode-se supor que se trata de um ritmo robusto, que justificaria expressiva revisão para cima do crescimento projetado para 2004 como um todo, que hoje se situa, na média das avaliações de bancos e consultorias, em 3,5%. Mas cabe lembrar que a retomada da atividade observada a partir do terceiro trimestre de 2003, a partir de um nível bastante deprimido, vem contando com alguns estímulos que tenderão a perder parte de seu ímpeto no restante do ano.
Um vetor de expansão que neste segundo trimestre já começa a revelar desgaste é dado pelo saldo positivo entre exportações e importações. Esse saldo chegou a um valor muito alto, mas já não tende a se elevar mais. Assim, embora continue fundamental como "fiador" da redução (incompleta, mas importante) da vulnerabilidade das contas externas e, portanto, da incerteza, o superávit comercial vai perdendo peso como fator de aumento do PIB.
A recuperação das vendas de bens de consumo duráveis no mercado interno é outro vetor de crescimento que poderá perder ímpeto até o final do ano. Isso porque a recuperação intensa dessas vendas é reflexo não apenas da melhora das condições de crédito (ou seja, do aumento do número de prestações nas vendas a prazo e dos juros cadentes, embora ainda muito altos) mas também da acumulação de um estoque de demanda reprimida ao longo dos anos anteriores, em que as vendas foram baixíssimas. Esse estoque de demanda "antiga" está se reduzindo, e logo as vendas passarão a depender em maior medida da demanda "nova", isto é, do fluxo corrente de demanda por duráveis.
Outro fator que tende a inibir o ritmo de crescimento da economia é dado pela forte deterioração do mercado de trabalho, observada, sobretudo, entre o início de 1999 e meados de 2003. Embora esse processo já tenha sido interrompido, ele provocou um encolhimento dramático do mercado interno de consumo, pois reduziu o poder de compra médio dos trabalhadores em aproximadamente 20% e elevou o desemprego a nível muito alto.
Por mais que a abertura de vagas pareça estar aumentando (com maior velocidade nas regiões agroexportadoras do que nas metrópoles), a redução do estoque de desempregados demandará um bom tempo, durante o qual o poder de barganha salarial dos trabalhadores seguirá deprimido, prejudicando a perspectiva de uma recuperação rápida do seu poder de compra.


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