São Paulo, sexta-feira, 28 de maio de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Bye, bye, centro da meta

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

O sonho do Banco Central de cumprir o centro da meta em 2004 chegou ao fim! À piora no cenário internacional juntou-se agora uma aceleração importante na inflação do Brasil. Os analistas que monitoram os preços quase diariamente já identificaram esse movimento, que ocorre tanto no atacado como no varejo.
Os aumentos do álcool e da gasolina vêm, agora, somar-se às pressões já esperadas da energia elétrica para o setor industrial e residencial e da mudança de estação. Em razão dessa tendência, estão sendo revistas, para cima, as expectativas do aumento dos principais índices de inflação para este ano. A mais dramática é a dos IGPs, que já supera os 10% para 2004.
O aumento recente da cotação do dólar nos mercados de câmbio deve adicionar mais combustível à inflação. A ata do Copom, publicada na última quinta-feira, reconhece pela primeira vez que, a se manter a cotação atual do dólar e com a taxa Selic constante até o fim do ano, a inflação será superior aos 5,5% fixados como meta.
Deixemos de lado a questão de credibilidade de nossa autoridade monetária, por mais um ano de descumprimento da meta de inflação, e vamos refletir sobre os efeitos diretos desse novo quadro sobre a economia. A informação mais relevante é que a taxa Selic, mantidas as condições atuais, não mais será reduzida neste ano. Essa novidade terá repercussões de duas ordens no nosso dia-a-dia.
No campo da política, vai tirar o discurso do governo de que os juros são elevados, mas estão caindo. A mensagem agora será a de que os juros estão elevados e vão continuar assim até o fim do ano. Um belo material para os aliados de Lula, inclusive o vice-presidente da República, que tem atacado a política econômica de seu ministro da Fazenda. Também do lado dos empresários e das centrais sindicais virão torpedos contra a política econômica.
No campo da economia, a manutenção da Selic também trará repercussões importantes. A mais grave delas, na minha opinião, diz respeito à relação dívida/PIB, que é hoje um dos indicadores mais importantes da credibilidade do país. As previsões mais otimistas foram construídas com a taxa Selic caindo ao longo do ano até 14% ao final de dezembro. Com juros mais elevados, esse parâmetro da solvência do governo piora muito. Isso apesar de um superávit primário elevado. Em um momento de tensão externa, como estamos vivendo, essa mudança não será bem recebida pelos investidores.
A manutenção da Selic para o restante do ano vai também influenciar a formação da taxa de juros de prazos mais longos. O mercado vai certamente precificar a possibilidade de que, em algum momento, o Banco Central poderá aumentar os juros para defender um desvio menor da inflação em relação à meta de 5,5%. Com isso, os juros das operações de crédito ao setor privado podem subir dos níveis de hoje para acomodar um prêmio associado a esse risco.
Uma outra repercussão importante dessa revisão nos índices de inflação será o aumento da correção dos preços públicos para 2005. Eles serão reajustados automaticamente com base no IGP de 2004 e a taxas superiores a 10%. Como os preços públicos representam mais de 30% do IPCA calculado pelo IBGE, já temos contratada uma inflação superior a 3% para 2005 -o que torna a meta do Banco Central de 4,5% mais uma quimera tecnocrática.
A reação do mercado financeiro a essa dura mensagem foi amortecida por duas razões. A primeira, de natureza interna, foi a divulgação pelo IBGE dos números relativos ao crescimento do PIB no primeiro trimestre. O "headline" do IBGE chamou a atenção para um crescimento maior do que o esperado, o que levou o mercado a reagir com otimismo. Os números abertos do PIB mostram um quadro menos brilhante, pois os setores que mais influenciam o emprego e a renda da população continuam crescendo de forma anêmica.
A segunda razão, para a reação tranqüila dos mercados financeiros, foi a divulgação de novos números sobre a economia norte-americana. Com todo o mundo de olhos grudados na reação do Fed à elevação da inflação, na maior economia do mundo, os números divulgados ontem foram considerados benignos.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 61, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br


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