São Paulo, sexta-feira, 28 de maio de 2004

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LUÍS NASSIF

As caras da globalização

A mesa que debateu as análises sobre sistemas de globalização, na inauguração do Instituto Fernando Henrique Cardoso, no sábado passado, foi excepcional pelos expositores e pelos ângulos abordados.
Como colocou na largada a coordenadora da mesa, Ruth Cardoso, a interpretação puramente econômica do fenômeno da globalização se esgotou. Há a necessidade de uma nova teoria das mudanças sociais, devido à globalização da miséria. E em avançar nova teoria da dinâmica da sociedade, em um mundo mais fragmentado do que jamais foi e, no entanto, dinâmico e desigual.
O desafio foi proposto inicialmente ao espanhol Manuel Castels, analista brilhante da contemporaneidade. A tese de Castels é que, no mundo atual, instrumentos de representação política não funcionam, porque não há capacidade de ação para assimilar tantas idéias. Existem, então, uma crise de legitimidade e outra de eficiência. Mais de dois terços dos cidadãos do mundo se acham sub-representados pelos políticos. Na Europa, esse índice chega a 59% e governos são sinônimos de corrupção e de burocracia, não de justiça e de solidariedade.
Essas crises sempre ocorrem em processos de mudanças na sociedade, porque instrumentos não conseguem mudar na mesma rapidez, ocorrendo uma crise de gestão de problemas. Por isso movimentos de identidade nacional tão importantes quanto o da globalização.
Os Estados-nação não irão desaparecer, mas está sendo construído um sistema "ad hoc" de governança mundial, com federações de Estados em rede de co-soberania, como é o caso da União Européia, mas com muitos problemas de funcionamento.
Castels identificou quatro naturezas distintas nos movimentos sociais globalizados:
1) Discussão global: o desenvolvimento global de associações cívicas e comunitárias locais. Não é sociedade civil global, mas junção de sociedades civis locais.
2) ONGs de âmbito internacional, como Anistia Internacional e outras. Devem existir cerca de 40 mil delas, com alto nível de popularidade, mais que os governos, se orientando para fins concretos de mediação, e por isso são entendidas pelo povo. O mundo pode ir mal, mas o objetivo específico é atingido. Daí o grande apoio conquistado.
3) Movimentos sociais globais contra a ordem social existente. São redes de movimentos articuladas em torno da internet e campanhas midiáticas que atuam pontualmente sobre centro de decisão de poder. São movimentos democráticos. Em Seattle, o que uniu os manifestantes foi o slogan "não à globalização, sim à representação".
4) Menos identificado e cada vez mais importante são os movimentos de opinião pública autônomos, espontâneos, fugazes, mas com efeitos extraordinariamente impactantes, proporcionados pelas novas tecnologias de comunicação eletrônica: internet, telefones móveis.
Na Espanha, de 12 a 14 de março, o movimento que se seguiu ao atentado terrorista e derrotou a situação espanhola foi basicamente espontâneo e por meio de SMS (mensagens rápidas). Naqueles dias, o tráfego de SMS aumentou 40%. Foi um movimento típico das novas tecnologias, que mudou não apenas a história da Espanha e da Europa como da própria Guerra do Iraque.
Vamos continuar no tema outro dia.

E-mail - Luisnassif@uol.com.br

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