São Paulo, quinta, 28 de maio de 1998

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LUÍS NASSIF
O BC e a espiral da inadimplência

A espiral da inadimplência na economia é fruto de uma inconsistência sistêmica, que não vai ser refreada enquanto o Banco Central não assumir seu papel e convocar o sistema de crédito -bancos, financeiras, redes de lojas- para uma discussão aberta sobre a questão.
A ciranda da inadimplência é fruto da seguinte (i)lógica:
1) Um agente financiador identifica uma taxa de inadimplência de, digamos, 5% na sua carteira. Ele registra o prejuízo e repassa para os demais clientes, de maneira a preservar sua receita.
2) Ao repassar, há um aumento nas taxas de juros dos financiamentos novos ou renovados, gerando uma segunda rodada de inadimplência.
3) Procede-se a um novo ajuste nas taxas, levando a uma terceira rodada da inadimplência entre os sobreviventes. Até que o jogo se esgota e as Arapuãs da vida começam a estourar e a crise se estende para o país como um todo.
Os números não são de brincar, e explicam essa indecência de cheque especial cobrando taxas superiores a 10% ao mês.
1) Suponha uma carteira de financiamentos, com mil clientes, a um prazo médio de seis meses, rodada a 3% ao mês ou 42,6% ao ano.
2) Na primeira rodada, há uma inadimplência de 5%. Para compensar a inadimplência, a instituição passa a dividir a receita anterior não por mil, mas por 950 clientes. Resulta daí um aumento imediato da taxa de juros para 5,2% ao mês, ou 83,7% ao ano -quase o dobro.
3) Com taxas mais altas, aumenta a inadimplência. Se ela subir para 15%, as taxas mensais têm que saltar para 10,5% (231% ao ano) apenas para o banco manter a mesma receita.
Autofagia
É uma lógica autofágica, mas previsível, que não vai ser interrompida individualmente por nenhuma instituição -daí a importância da coordenação do BC.
Sempre que ocorrem crises de inadimplência, nenhum banco quer ser o primeiro a reduzir as taxas. A lógica é que se um banco afrouxa os juros, os reais a mais que ficarem com o cliente serão utilizados para quitar a fatura do banco que não negociou.
Isso fica claro nas grandes concordatas. Só se chega a um acordo quando ocorre a mediação e todos os bancos concordam em reduzir os juros simultaneamente, para que nenhum espertalhão se aproveite.
Nessa grande concordata que se instaurou na economia, ninguém cuida desse processo. Não existe um Banco Pactual para juntar os credores e buscar uma solução global para os devedores. Esse papel tem que ser desempenhado pelo BC. É responsabilidade intransferível.
Se o presidente da República quiser tratar de frente um dos maiores problemas da economia, e fatores de desgaste de seu governo, basta ordenar ao BC que se esqueça alguns momentos dos grandes agregados econômicos e assuma sua responsabilidade de cortar esse nó górdio das taxas escorchantes de juros.
Universidade e privilégios
Se depender da Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições de Ensino Superior) ou da Andes (Associação Nacional dos Docentes de Ensino Superior) não se vai chegar a um consenso sobre o acordo com o governo.
Sucessivos planos econômicos permitiram que muitos docentes ingressassem na Justiça, solicitando aumentos por supostas perdas salariais.
Nessa caminhada, houve dois tipos de comportamento das universidades. Nas universidades sérias, os procuradores defenderam adequadamente o setor público e os aumentos não se consumaram. Nas universidades irresponsáveis, correu o conluio entre as partes, o Estado não foi defendido adequadamente, resultando daí distorções salariais enormes.
Já existem propostas que visam acabar com a crise, surgidas do próprio movimento. Mas a Andifes não está disposta a esclarecer esse jogo: pretende que os prejudicados sirvam de álibi para a manutenção dos privilégios.

E-mail: lnassif@uol.com.br



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