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OPINIÃO ECONÔMICA
Câmbio e o "triângulo intocável"
MARCOS CINTRA
Vimos nos artigos anteriores
que tanto a queda dos juros,
no ritmo que o mercado deseja,
como a renegociação da dívida
mobiliária são medidas que, se
adotadas isoladamente e na intensidade desejada pelos seus defensores, poderão desestabilizar o
delicado equilíbrio exemplificado no "triângulo intocável". Recapitulando, a boa política econômica demanda um conjunto
de ações capaz de promover simultaneamente o controle da inflação, a redução da dívida pública e o equilíbrio das contas externas.
No artigo de hoje, vamos avaliar qual seria o impacto de uma
política cambial ativa que visasse
a depreciação da moeda nacional. Seria uma maneira de gerar
novos surtos de crescimento econômico mediante a substituição
do modorrento mercado interno
pelo dinâmico mercado internacional.
Até 1998, o Brasil adotou um rígido sistema cambial, no qual o
poder público exercia um controle direto sobre a paridade da
moeda nacional. Essa política
contribuiu para o sucesso do Plano Real, uma vez que a política
econômica enfatizou o manejo
da taxa de câmbio como fator de
incremento na oferta de bens em
um mercado interno com demanda aquecida, evitando, dessa
forma, pressão sobre a inflação.
A "âncora cambial" foi instrumento determinante no controle
dos preços, mas também gerou
alterações estruturais nas contas
externas. As importações saltaram de US$ 33 bilhões em 1994
para US$ 58 bilhões em 1998. No
mesmo período, as viagens internacionais passaram de US$ 1,2
bilhão para US$ 4,1 bilhões. Com
isso, o saldo negativo das transações correntes do país saltou de
US$ 1,7 bilhão para US$ 33,4 bilhões em quatro anos.
A adoção do câmbio flutuante
a partir de 1999 veio acompanhada de uma política de juros elevados como forma de desaquecer a
demanda interna e inverter o
rombo das transações correntes.
Desde então a economia brasileira vem registrando crescimento
acelerado da dívida pública, forte recrudescimento do mercado
interno, carga tributária em níveis absurdos e crescimento médio do PIB entre 1999 e 2003 de
mísero 1,6%.
Vale citar que, mesmo não
exercendo controle direto sobre o
câmbio, o governo pode atuar no
monitoramento da taxa cambial
e intervir decisivamente quando
a depreciação ou a valorização
da moeda atinge determinado limite. E qual seria o impacto da
depreciação cambial sobre o
"triângulo intocável"?
O ajuste nas contas externas a
partir de 1999 mostra que o país
saiu de um déficit nas transações
correntes de US$ 33 bilhões para
um superávit de US$ 4,1 bilhões
em 2003. O elemento determinante dessa rápida transição foi
a inversão do saldo comercial,
que passou de um déficit de US$
1,3 bilhão para um superávit de
US$ 24,8 bilhões no período, fato
possível pela expansão acelerada
das exportações, cujo total cresceu mais de 50% em três anos.
A adoção do câmbio flutuante
corrigiu parte de desequilíbrios
provocados pelo câmbio controlado. Apenas em 1999 a taxa de
câmbio nominal acumulou uma
desvalorização superior a 50%,
ante uma inflação medida pelo
IGP-M de pouco mais de 10%.
O câmbio flutuante contribuiu
para a expansão das exportações,
mas boa parte desse crescimento
deve ser atribuída à expansão de
economias como a americana e a
chinesa. A forte demanda desses
países no mercado internacional
favoreceu o Brasil, cujas vendas
de produtos básicos cresceram
quase 80% de 1999 a 2003.
A possibilidade de uma queda
nos preços das commodities, em
razão de um cenário que aponta
o esfriamento das economias chinesa e americana, vai intensificar os argumentos em favor da
depreciação mais intensa do
câmbio como fator de manutenção da expansão das exportações
e, conseqüentemente, do crescimento da economia.
Em resumo, a depreciação
cambial mais acentuada gera
efeito positivo sobre o balanço de
pagamentos em razão do impacto sobre o saldo comercial.
No lado da inflação do "triângulo intocável", a depreciação
cambial terá efeito negativo sobre o nível geral de preços da economia. Os "tradeables" se tornam mais caros, e as conseqüências altistas nos preços serão sentidas num primeiro momento pelos segmentos importadores de
matérias-primas.
Indicadores como o IGP-M (Índice Geral de Preços), da Fundação Getúlio Vargas, que capta as
oscilações cambiais por meio do
IPA, mostram que a adoção do
câmbio flexível impulsionou o nível geral de preços no final dos
anos 90. Enquanto o IGP-M acumulou mais de 89% entre 1999 e
2003, o IPCA registrou 47%.
Em última instância, as empresas vão repassar a elevação de
seus custos aos preços. O Brasil,
que tanto lutou contra uma inflação selvagem, não pode dar
margens para sua volta.
No lado do endividamento, a
desvalorização da moeda nacional vai dificultar uma situação
na qual os administradores da
dívida pública travam uma árdua luta no sentido de diminuir
a vulnerabilidade externa do
país. A indexação da dívida pública mobiliária ao câmbio, que
era de 15,4% em 1997, chegou a
29,5% em 2001. Em março deste
ano, o câmbio era o indexador de
8,5% de uma dívida que somava
R$ 759,8 bilhões.
Mesmo considerando a queda
na vulnerabilidade cambial do
país, o aumento dos juros nominais, em razão da elevação da inflação, vai exigir maior desembolso de recursos para saldar os
serviços da dívida pública, o que
pressionaria o déficit público e o
aumento do endividamento. Em
suma, a dívida pública cresceria
com a depreciação do câmbio.
Na verdade, a desvalorização
cambial, isoladamente, mostra-se apenas um instrumento que
equaciona um problema de um
lado, mas, por outro, gera distorções de difícil correção.
Marcos Cintra Cavalcanti de
Albuquerque, 58, doutor pela
Universidade Harvard, professor titular e
vice-presidente da FGV, foi deputado
federal (1999-2003). Atualmente é
secretário das Finanças de São Bernardo
do Campo. É autor de "A verdade sobre o
Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às
segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta
coluna.
Internet: www.marcoscintra.org
E-mail -
mcintra@marcoscintra.org
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