São Paulo, sábado, 28 de junho de 2008

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ARTIGO

Muito além da especulação

PAUL KRUGMAN
DO "NEW YORK TIMES"

O CONGRESSO dos EUA sempre teve um fraco por "especialistas" que dizem o que os legisladores desejam ouvir, sejam economistas declarando que cortes de impostos elevarão a arrecadação ou estudiosos céticos quanto às alterações climáticas que insistem em que o aquecimento global é um mito. No momento, o tapete de boas-vindas está estendido para os analistas que alegam que a gasolina a mais de US$ 1 por litro é obra de especuladores.
Michael Masters, administrador de um fundo de hedge, causou grande alarido ao dizer que a especulação era a principal causa da alta nos preços do petróleo e outras matérias-primas. Ele apresentou tabelas que mostravam o crescimento do mercado futuro, no qual investidores negociam promessas de petróleo para entrega futura, e alegou que "a alta na demanda dos especuladores com índices" -o termo que ele usa para designar investidores institucionais- "é quase igual à alta na demanda da China".
Os congressistas gostaram do que ouviram e, desde que ele depôs, boa parte do Legislativo decidiu aderir ao partido do "a culpa é dos especuladores".
Parece a fé dos conservadores no livre mercado de alguma maneira desaparece quando o assunto é petróleo. Por exemplo, a "National Review" vem publicando artigos nos quais culpa os especuladores pelos preços altos do petróleo já há alguns anos, desde que a cotação ultrapassou a marca dos US$ 50 por barril.

Lógica política
Por que os políticos estão tão ávidos por atribuir aos especuladores a culpa pelos preços do petróleo? Porque isso permite que eles acreditem que os Estados Unidos não precisarão se adaptar a um mundo em que a gasolina é cara.
De fato, Masters garantiu a um subcomitê da Câmara de Deputados que um retorno aos velhos e bons dias do petróleo barato está ao nosso alcance, e sem grande dificuldade. Caso o Congresso aprove leis que restrinjam a especulação, ele afirmou, o preço da gasolina cairia em quase 50% em questão de semanas.
Vamos falar sobre a realidade. A especulação está influenciando os preços altos do petróleo? Não é impensável que esteja. Os economistas estavam certos por resmungar diante dos depoimentos de Masters -adquirir um contrato futuro de petróleo não reduz diretamente o suprimento de combustível ao consumidor-, mas, sob determinadas circunstâncias, a especulação no mercado futuro de petróleo pode elevar indiretamente os preços, encorajando os produtores e outros participantes a acumular petróleo em lugar de torná-lo disponível para consumo.
Determinar se isso está acontecendo agora é assunto de uma disputa altamente técnica. Basta dizer que alguns economistas, entre os quais me incluo, atribuem muita importância ao fato de que os sinais que usualmente revelam um boom de preços especulativo estão ausentes.

Minério de ferro
E quanto àqueles que argumentam que o excesso especulativo é a única maneira de explicar por que os preços do petróleo subiram tão rápido? Bem, minha resposta é curta: minério de ferro.
Vejam, o minério de ferro não é negociado em uma Bolsa mundial; seu preço é estabelecido por meio de acordos diretos entre produtores e consumidores. Assim, não existe maneira fácil de especular quanto ao preço do minério de ferro.
Mas, como o do petróleo, ele disparou no ano passado. Em especial, o preço que as siderúrgicas chinesas pagam às minas australianas subiu 96%. Isso sugere que a crescente demanda das economias emergentes, e não a especulação, é o verdadeiro motivo para a alta nos preços das matérias-primas, petróleo incluído.
A maior parte do ajuste aos preços mais altos do petróleo acontecerá por meio da iniciativa privada, mas o governo pode ajudar o setor privado de diversas maneiras, como, por exemplo, auxiliando o desenvolvimento de tecnologias alternativas de energia e de novos métodos de conservação, e estimulando expansão nos sistemas de transporte coletivo.
Mas não teremos nem o começo de uma política energética racional caso decidamos ouvir pessoas que nos garantem que basta desejar e o preço alto do petróleo desaparecerá.


PAUL KRUGMAN , economista, é colunista do "New York Times" e professor na Universidade Princeton (EUA).

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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