São Paulo, sábado, 28 de junho de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Microsoft busca caminho sem Gates

Caberá a seus sucessores dominar os desafios da internet ou assistir ao constante desgaste da empresa

Fundador da Microsoft teve ontem seu último dia de trabalho na empresa; agora, ele se dedicará à fundação Bill e Melinda Gates

STEVE LOHR
DO "NEW YORK TIMES"

Bill Gates está se aposentando, mais ou menos. Ele tem somente 52 anos e vai passar mais tempo conduzindo a instituição filantrópica mais rica do mundo, a fundação Bill e Melinda Gates. Ele ainda será o presidente e maior acionista da Microsoft, mas ontem foi seu último dia como trabalhador em tempo integral na gigante do software, marcando o fim oficioso de sua carreira como líder empresarial.
E que carreira! Gates foi uma força propulsora por trás da revolução dos computadores pessoais, ajudando a construir uma enorme indústria global e a criar produtos de grande sucesso, como o Windows e o Office, usados em escritórios e residências em todo o mundo.
O desistente de Harvard foi a pessoa mais rica do planeta durante anos -valendo mais de US$ 100 bilhões em 1999-, mas sua fortuna hoje é cerca da metade desse valor, devido à queda das ações da Microsoft e suas constantes doações para sua fundação, que se concentra em saúde e educação globais.
Apesar de seu sucesso, Gates está avançando enquanto a empresa que ele ajudou a fundar em 1975 luta para encontrar seu caminho. O centro de gravidade na tecnologia mudou dos PCs para a internet, alterando antigas regras de concorrência que eram tão lucrativamente dominadas pela Microsoft.
Para milhões de usuários, equipamentos móveis como os telefones celulares estão começando a superar os PCs como ferramentas preferidas para muitas tarefas de computação. E o Google, primeiro colocado na atual onda de computação pela internet, retirou da Microsoft o manto de líder em alta tecnologia.
Gates ainda vai passar um dia por semana na empresa, mas caberá a seus sucessores, liderados pelo presidente-executivo, Steven A. Ballmer, dominar os desafios da internet ou assistir ao constante desgaste da riqueza e da estatura da Microsoft no setor. "O legado de Gates são o Windows e o Office, e essa será uma rica franquia durante vários anos ainda, mas não é o futuro", disse David B. Yoffie, professor da Escola de Administração de Harvard.
Ainda assim, o legado de Gates é impressionante. Além do software em si, ele e sua empresa fundamentalmente moldaram o modo como as pessoas pensam em concorrência em muitos setores em que a tecnologia ocupa um papel central. Hoje, há mais de 1 bilhão de cópias do sistema operacional Windows em PCs no mundo.
Especialistas da indústria e economistas dizem que o Windows não é necessariamente o melhor ou o mais admirado software para rodar operações básicas em um computador pessoal -o Macintosh, da Apple, pode reivindicar o fã-clube mais devoto. Mas Gates captou e utilizou dois conceitos relacionados em uma escala até então inédita: o poder dos efeitos em rede e o valor de estabelecer uma plataforma tecnológica.
Colocado de maneira simples, o efeito em rede descreve um fenômeno em que o valor de um produto aumenta conforme cresce o número de seus usuários. As mensagens eletrônicas e os telefones são exemplos clássicos. Uma plataforma tecnológica é um conjunto de ferramentas ou serviços que outros podem utilizar para construir seus próprios produtos ou serviços.
Quanto mais pessoas usarem as ferramentas, mais popular será a plataforma. Gates aproveitou as duas idéias e as combinou para construir o predomínio da Microsoft em PCs, disseminando sua influência entre fabricantes de computadores e desenvolvedores de software.
Hoje, há muitos milhares de aplicativos de software que rodam na plataforma Windows, não apenas processadores de texto e planilhas, mas também programas especializados em consultórios médicos, indústrias e grandes lojas. "Gates viu o software como um mercado separado do hardware antes de qualquer outra pessoa, mas sua grande visão foi reconhecer o poder dos efeitos em rede que cercam o software", disse Michael A. Cusumano, professor na Escola de Administração Sloan do Instituto de Tecnologia de Massachusetts.

Assumir riscos
Nos primeiros anos, não estava claro o quanto Gates aproveitava cada oportunidade que aparecia, em oposição a desenvolver uma grande estratégia. Ele certamente tinha grandes ambições. Quando estudava em Harvard, Gates lamentou que muitos colegas seguissem "uma trilha estreita para o sucesso" em vez de "assumir grandes riscos para fazer grandes coisas", lembrou Michael Katz, um contemporâneo em Harvard que hoje é professor na Universidade de Nova York.
Em um estudo de caso da Escola de Administração de Harvard, publicado em 1994, Gates falou sobre a estratégia da Microsoft em termos de efeitos em rede e padrões tecnológicos que, combinados, permitiam que a empresa comandasse os mercados. "Procuramos negócios onde podemos conseguir grandes participações de mercado, não apenas 30 ou 35%."
No passado, a Microsoft superou desafios e venceu adversários mesmo quando chegou tarde aos mercados, como na primeira onda de tecnologia da internet. A hábil decisão de Gates em 1995, de abraçar a tecnologia de navegação da internet e atacar o líder anterior, a Netscape Communications, iniciou uma acirrada batalha antitruste com o governo americano. Mas a Microsoft está muito atrasada na atual rodada da competição na internet, e segundo analistas desta vez enfrenta desafiantes mais formidáveis, notadamente o Google.
A participação da Microsoft em buscas na internet nos EUA é inferior a 10%, enquanto o Google detém mais de 60% e o Yahoo!, cerca de 20%.
Na Microsoft não há grandes sinais de pânico, apesar de sua posição atrasada e de sua oferta fracassada para comprar o Yahoo por US$ 47,5 bilhões como estratégia de compensação. A Microsoft vê uma evolução na computação, e não uma revolução que ponha em risco a empresa, disse Craig Mundie, principal oficial de pesquisa e estratégia da Microsoft.
Segundo Mundie, a empresa se prepara para um mundo mais amplo de computação em nuvem e máquinas "clientes", não apenas computadores pessoais mas também telefones celulares, carros, consoles de games e televisores, tudo com software Microsoft. "A próxima grande plataforma é a união dos clientes com a nuvem."


Tradução de LUIZ ROBERTO MENDES GONÇALVES


Texto Anterior: Conceito de paraíso fiscal fica mais rígido
Próximo Texto: Internet supera 40 milhões de usuários no país
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.