São Paulo, sexta-feira, 28 de julho de 2006

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BRÁULIO BORGES E CHAU KUO HUE

Retração de oferta na agropecuária

A rentabilidade do agronegócio teve expressiva queda, e isso criaria o risco real de retração da oferta

O MINISTÉRIO da Agricultura, Pecuária e Abastecimento anunciou no final de maio o PAP (Plano Agrícola e Pecuário) 2006/2007, que prevê a aplicação de R$ 60 bilhões em crédito rural, dos quais R$ 50 bilhões alocados para a agricultura comercial e R$ 10 bilhões para a agricultura familiar. Essas cifras embutem um aumento nominal de cerca de 13% ante os R$ 53,3 bilhões disponibilizados pelo PAP 2005/2006. Além disso, o PAP 2006/2007 traz uma série de mudanças para beneficiar o produtor rural, entre elas o aumento dos limites de crédito de custeio e comercialização, a redução das taxas de juros dos programas de investimento e novas regras para o seguro rural.
O objetivo do pacote é evitar redução da área plantada, inibir futuras crises de liquidez no setor agrícola e minimizar os impactos negativos oriundos da atual crise do agronegócio sobre a balança comercial, a atividade econômica, a inflação e o nível de emprego e renda. A preocupação do governo é bastante pertinente. Para compreender a situação pela qual passa o campo, é preciso ter em mente que o faturamento do setor vem sendo prejudicado pela evolução dos preços e da taxa de câmbio. Entre meados de 2003 e maio de 2006, o preço pago ao produtor para o arroz caiu 53%, recuou 26% para o milho, teve queda de 23% para o algodão, caiu 18% para o boi e despencou 45% para a soja, enquanto o real apreciou-se 24% em relação ao dólar.
Não bastasse isso, alguns importantes componentes dos custos dos agricultores subiram de modo expressivo, como o preço do óleo diesel, que aumentou 26% entre meados de 2003 e maio de 2006, segundo o Índice de Preços no Atacado (IPA-DI, da FGV) -na esteira da alta do preço do petróleo no mercado internacional-, e os gastos com fungicidas, por conta da ferrugem asiática que atingiu a cultura de soja. Ou seja, a rentabilidade do agronegócio sofreu expressiva queda ao longo dos últimos anos, e isso criaria o risco real de uma retração da oferta de alguns produtos agropecuários no ano que vem.
Entretanto, a redução da oferta poderia vir em um contexto no qual a demanda por certos produtos deverá se elevar, o que geraria descompasso entre oferta e demanda e, por conseqüência, pressões sobre os preços desses produtos.
Os embargos às exportações de carne bovina brasileira devido à aftosa não deverão durar por um período muito prolongado. À medida que os países importadores se certificarem de que o rebanho nacional fique completamente livre da doença (o que hoje parece bastante provável), deverão voltar a comprar a carne brasileira. A mesma situação poderá ocorrer no setor avícola, pois o temor em relação a uma epidemia mais grave de gripe aviária já vem se dissipando. Nesse cenário em que as exportações de carne bovina e de frango mostrem recuperação, deverá elevar-se a demanda por milho e farelo de soja -insumos utilizados como ração para animais no mercado doméstico e internacional.
No caso da soja, o anúncio pela Petrobras da criação do H-Bio -combustível produzido a partir da mistura de 90% de petróleo e 10% de óleo vegetal- deverá elevar em até 15% a demanda pelo produto já no ano que vem, quando se inicia a produção em escala comercial desse novo combustível. Convém destacar que o cultivo da safra de soja que será colhida no ano que vem se inicia justamente agora, no segundo semestre de 2006- daí a preocupação do governo em anunciar o PAP 2006/2007 ainda no final de maio.
O sucesso do PAP 2006/2007 será importante para a economia brasileira. Caso as medidas efetivamente contribuam para que o produtor tenha segurança para levar adiante seus planos de cultivo, isso significa que a área plantada não sofrerá grande redução. Caso contrário, incorre-se no risco de pressão relevante dos preços agrícolas, que pode afetar de maneira significativa a inflação em 2007, dado o elevado peso das commodities agrícolas nos índices de preço. Isso, por sua vez, dependendo da magnitude desse choque de oferta e dos seus desdobramentos ao longo do tempo sobre os demais preços da economia, poderia fazer com que o Banco Central reduzisse, ou mesmo interrompesse, o ritmo de redução dos juros -com os custos já conhecidos sobre a atividade econômica (especialmente investimento) e as finanças públicas.


BRÁULIO BORGES e CHAU KUO HUE são economistas da LCA Consultores.
Excepcionalmente, hoje, a coluna de LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS não é publicada.


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