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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Desigualdade e insegurança
LUIZ GONZAGA BELLUZZO
Na quinta-feira as Nações
Unidas publicaram o "Relatório Sobre a Situação Social do
Mundo em 2005". O texto completo ainda não está disponível,
mas o resumo executivo informa
que, nos últimos dez anos, a desigualdade progrediu no mundo. É
o progresso promovido pelos ritmos, espasmos e trejeitos do capitalismo globalizado.
Na América Latina e no Brasil,
a tendência ao aumento da desigualdade, já notada na década de
80, foi acentuada pelas políticas
"reformistas" de Washington nos
anos 90 e acatadas com entusiasmo pelas oligarquias locais. As
novas estratégias de abertura financeira e de desestruturação das
políticas de desenvolvimento foram iguais em todos os países da
região e produziram os mesmos
resultados econômicos e sociais
desastrosos. Na segunda metade
dos anos 90, a decepção era geral.
No famigerado período desenvolvimentista, de crescimento rápido, o aumento da desigualdade
era contrabalançado por uma intensa mobilidade social, vertical e
espacial. As reformas liberais não
produziram mais empregos, melhores condições de vida e um futuro melhor para os filhos. O resumo do relatório da ONU sugere
que a mobilidade vertical reverteu os motores. Isso foi fatal nas
sociedades desprovidas de sistemas eficazes de proteção social,
desenhados para cobrir os riscos
do desemprego, da desqualificação profissional, da doença e da
velhice. Na verdade, as políticas
liberais cuidaram de transferir esses riscos para as vítimas das peripécias e dos azares da economia.
"A violência está freqüentemente enraizada na desigualdade", diz o relatório. Não se trata,
como pretendem alguns, de ligar
mecanicamente o aumento da
violência à desigualdade, mas de
reconhecer os processos sociais
que articulam a percepção da iniqüidade, o bloqueio sistemático
do acesso às oportunidades e as
promessas de afluência e abundância inscritas na engrenagem
econômica do capitalismo. Os estudos sobre o tema demonstram
que as relações econômicas e sociais na periferia e nas favelas das
grandes cidades empurram os jovens para a atividade ilícita. O
crime torna-se uma forma de sobrevivência e de busca de dignidade por parte de milhares de jovens abandonados pela sociedade
e pela política oficiais.
Nos países em que os sistemas
de proteção contra os "acidentes"
ou falhas do mercado são parciais
ou estão em franca regressão, a
insegurança assume formas
ameaçadoras para o convívio social. A expansão da informalidade e da precarização das relações
de trabalho -e a desagregação
familiar que as acompanham-
tendem a avançar para a criminalidade eventual e, depois, para
o crime organizado. Os subsistemas socioeconômicos que vivem
da atividade criminosa ou ilegal
-tráfico de drogas, venda de
crianças, lavagem de dinheiro, seqüestros- passam a ocupar o espaço deixado pela perda das
oportunidades de vida antes oferecidas pela economia "oficial".
Nos últimos dez anos, os eleitores latino-americanos declararam reiteradamente estar em desacordo com as políticas que prometiam salvá-los, mas, de fato, os
enfiaram no retrocesso econômico e na crise social permanentes.
Governos ditos "progressistas" foram eleitos para mudar o roteiro.
Os que conseguem terminar o
mandato arrastam penosamente
sua própria carcaça no deserto de
ousadia e de idéias.
Luiz Gonzaga Belluzzo, 61, é professor
titular de Economia da Unicamp. Foi
chefe da Secretaria Especial de Assuntos
Econômicos do Ministério da Fazenda
(governo Sarney) e secretário de Ciência
e Tecnologia do Estado de São Paulo
(governo Quércia).
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