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ENTRETENIMENTO
Filme terá estréia simultânea em cinemas, locadoras e TV paga; estúdios debatem novas formas de faturamento
Hollywood faz seu 1º "lançamento universal"
JOSHUA CHAFFIN
DO "FINANCIAL TIMES"
Bem antes de chegar às telas de
cinema, no final deste ano, "Bubble" (Bolha), mistério que gira em
torno de um assassinato em pequena cidade do Ohio, está emergindo como um dos mais comentados filmes de Hollywood.
Não por conta do elenco, que
será formado por moradores do
local, nem do orçamento, uma ninharia sob os padrões de Hollywood. Os rumores todos derivam
do fato de que "Bubble" será o
primeiro "lançamento universal"
da indústria cinematográfica e estará disponível ao mesmo tempo
nas salas de exibição, locadoras e
TVs por assinatura.
Para Todd Wagner, o empresário de internet que está bancando
a produção de "Bubble", o projeto
representa a tardia entrada do setor na era digital.
"É bastante evidente que os
tempos mudaram", diz Wagner,
presidente-executivo da 2929 Entertainment, que se declara espantado com o hábito hollywodiano de dizer aos telespectadores
onde e quando estão autorizados
a consumir seus produtos. "Se as
coisas fossem assim na indústria
da música, seria o equivalente a
dizer a um consumidor que gostou de uma canção no rádio que
ele teria de esperar cinco meses
para comprá-la."
Qualquer que venha a ser o seu
nível de sucesso nas bilheterias,
"Bubble" conseguiu suscitar um
debate em Hollywood sobre a
maneira, estabelecida há muito
tempo, pela qual o setor faz negócios. Tradicionalmente, filmes são
lançados de acordo com uma sucessão de "janelas" separadas de
geração de receita -das bilheterias das salas de exibição ao vídeo
doméstico e à televisão aberta,
passando antes pela TV paga. Os
grandes estúdios começam agora
a repensar esse modelo.
As receitas de bilheteria estão
com queda de 7% nos EUA neste
ano até agora e o número de espectadores de cinema caiu em
10%, de acordo com a Exhibitor
Relations, uma consultoria do setor cinematográfico, o que gera
temores de que os consumidores
estejam abandonando o cinema
em troca de videogames e outras
formas de entretenimento.
Enquanto isso, o crescimento
explosivo nas vendas de DVDs,
que nos últimos anos vem sendo a
força vital do setor, finalmente começou a perder o ímpeto.
Os oito grandes estúdios se
mantiveram em posição comparativamente boa, gerando US$ 4
bilhões em receitas de bilheteria
até julho, ante US$ 3,8 bilhões no
período em 2004, de acordo com
a Exhibitor Relations. Mesmo assim, continua a preocupação palpável quanto ao modelo tradicional de distribuição de filmes.
A Disney, na semana passada,
imputou a culpa pelos prejuízos
recentes sofridos por sua divisão
de produção cinematográfica às
vendas mais baixas de produtos
de entretenimento doméstico como os DVDs, o reflexo de uma desaceleração que levou estúdios
como a DreamWorks Animation
e a Pixar a divulgar nos últimos
meses alertas de que provavelmente não atingirão suas metas
de lucros para este ano.
Pirataria
E há também a ameaça de que a
pirataria on-line afete Hollywood
da mesma maneira com que veio
a afetar a indústria fonográfica.
Esse exemplo cautelar pende
como uma nuvem sobre Hollywood. As gravadoras demoraram
a se adaptar ao mundo digital e
como resultado cederam muito
espaço, no boom da música on-line, a uma produtora de computadores, a Apple, enquanto se deixavam ficar em posição vulnerável diante de uma epidemia de pirataria que reduziu seu faturamento em 25% ao longo dos últimos cinco anos.
A despeito dessas preocupações, os executivos do cinema estão se perguntando se emergirá
um modelo digital que não só
proteja seus negócios mas possivelmente permita que lucrem
mais com cada filme.
"O cenário está se alterando",
diz Rick Finkelstein, vice-presidente de operações da Universal
Pictures, divisão da NBC Universal. "Um dia, teremos redes domésticas em quase todas as casas
e as pessoas poderão assistir ao
que quiserem, quando quiserem,
no aparelho de sua preferência."
Mas Finkelstein e outros executivos não querem abandonar
apressadamente uma fórmula
testada e lucrativa. O principal risco que eles mencionam é o de
uma fonte de receita roubar faturamento das demais. Também se
preocupam com a possibilidade
de alienar os parceiros do setor no
varejo: as locadoras e as cadeias
de salas de exibição.
"As empresas conduzirão experiências? Sem a menor dúvida",
diz Jon Feltheimer, presidente-executivo da Lions Gate Entertainment. "Mas também temos
de proteger as janelas, porque o
sistema continua a funcionar."
Resistência
Hollywood, evidentemente, tem
uma longa história de resistência
às inovações tecnológicas. Os chefes dos estúdios se queixavam de
que inovações como a televisão e
o videocassete os destruiriam. A
realidade provou ser o exato
oposto. Mas o ritmo das mudanças recentes talvez seja único. "O
processo evolutivo acontece muito mais rápido, agora", diz um
produtor. "Isso é causa de muita
preocupação."
Até agora, as alterações mais visíveis no modelo de Hollywood
podem ser vistas no tempo mais
curto entre o lançamento de um
filme nos cinemas e sua disponibilidade em forma de DVD. O intervalo, que no passado era de seis
meses, em alguns casos se reduziu
para só 60 dias.
A mudança foi propelida por
dois fatores. Primeiro os estúdios
aceleraram os lançamentos de
DVDs a fim de capturar uma parcela maior de um mercado que,
apenas dois anos atrás, crescia
40% ao ano. "Como setor, provavelmente comprimimos demais a
galinha dos ovos de ouro", diz um
executivo de estúdio.
O segundo fator é tentar promover maior eficiência em termos de marketing. Em 2004, os
grandes estúdios gastaram em
média US$ 34 milhões na promoção de cada um de seus lançamentos nos EUA, uma de suas
maiores contas de despesas. A
teoria era que, acelerando o lançamento dos filmes em DVD, os estúdios não precisariam pagar
duas vezes pela promoção do
mesmo título.
A mudança teve impacto perceptível sobre o consumidor. No
ano passado, enquanto as receitas
de bilheteria nos EUA atingiam
cerca de US$ 9,5 bilhões, sem alteração substancial ante 2003, as
vendas de DVDs ultrapassaram
os US$ 15 bilhões, mais de 30%
acima do ano anterior. "Com
uma janela assim curta, muita
gente começou a pensar que não
valia a pena ir ao cinema, já que
era possível esperar e assistir ao
filme em DVD", diz um produtor.
Em tese, Hollywood deveria ser
agnóstica quanto à origem do dinheiro que fatura com seus filmes
desde que os números gerais da
indústria continuem a melhorar.
Na realidade, os DVDs poderiam
ser considerados preferíveis com
relação aos filmes exibidos em cinema, porque no caso deles os estúdios ficam com parcela maior
da receita. No entanto, a realidade
é mais complexa. A corrida para
aproveitar ao máximo a ascensão
do DVD gerou preocupação
quanto à possibilidade de que os
estúdios estejam roubando suas
próprias receitas.
A proliferação de títulos precisa
competir pelo espaço limitado
nas prateleiras do varejo. "Com
mais produtos em DVD lançados
a cada semana e espaço finito de
exposição no varejo, os títulos
mais antigos saem da prateleira
mais rápido a fim de acomodar as
novidades que estão sendo lançadas", diz Spencer Wang, analista
do banco JP Morgan, apontando
que o número de DVDs lançados
se multiplicou de 1.522 em 1997 a
mais de 11 mil no ano passado.
A DreamWorks Animation
aprendeu a lição da maneira mais
árdua quando o varejo devolveu
milhões de cópias de seu DVD
"Shrek 2", o que a levou a alertar,
em junho, que não atingiria suas
metas anuais de lucros.
Bilheterias
O declínio do cinema em sua
forma tradicional talvez seja causa de preocupação ainda maior.
As bilheterias, afinal, sempre foram o motor que propele a indústria. Os estúdios se baseiam no desempenho de um filme nas bilheterias quando negociam termos
de lançamento para um filme no
mercado de DVD e televisão.
E a experiência da tela grande é
o que separa o setor de formas
concorrentes de entretenimento e
serve de plataforma de lançamento para as fontes adicionais de receita de que os estúdios desfrutam. "Para muitos dos filmes de
grandes dimensões, como o mais
recente título de "Guerra nas Estrelas", a experiência na sala de cinema leva os mesmos espectadores a alugar ou adquirir o DVD",
diz Jeff Sanders, sócio no escritório de advocacia Seyfarth Shaw.
"A maioria dos DVDs vende
bem porque esses filmes são exibidos nos cinemas", acrescenta
Paul Dergarabedian, presidente
da Exhibitor Relations. "Em certo
sentido, os estúdios estariam se
prejudicando caso reduzissem a
janela ainda mais e atenuassem o
valor propiciado pelo primeiro
período de exibição."
Enquanto tenta obter apoio ao
seu novo empreendimento, Wagner divulga a idéia como algo que
pode ajudar, não prejudicar, o setor de cinema.
A teoria dele é que as audiências
estão divididas entre os fãs ardorosos que estão dispostos a ir ao
cinema no final de semana de estréia de um filme e um grupo de
outros espectadores que talvez
desejem ver um filme, mas não
sair de casa para isso. Porque os
estúdios não tornam seus produtos disponíveis em forma de DVD
ou na TV paga quando do lançamento nas salas de exibição, estão
deixando de faturar.
"Creio que estejamos atendendo mal à audiência de DVDs", diz
ele. "Nossa opinião é que não deveríamos dificultar a vida do consumidor que deseja comprar alguma coisa."
Wagner poderá levar adiante a
sua experiência com "Bubble" pelo menos em escala limitada, porque a 2929 Entertainment controla uma cadeia de salas de cinema.
Mas os estúdios tomam por axioma que as grandes cadeias de salas de exibição, que se queixaram
da redução do intervalo entre o
lançamento de um filme no cinema e em DVD, jamais exibiriam
um título que já esteja disponível
em outros formatos.
Wagner espera atraí-las oferecendo uma participação nas demais fontes de receita de um filme, arranjo que reconheceria a
importância das salas de cinema
como veículo promocional.
"Realmente creio que seja uma
idéia positiva para todos", diz ele.
Em última análise, as discussões
sobre o formato DVD só podem
prefigurar um debate ainda mais
amplo quanto aos sistemas de
distribuição digital que permitiriam aos consumidores baixar filmes da mesma maneira que hoje
baixam música.
Um pequeno passo no desenvolvimento deles foi dado no mês
passado quando os maiores estúdios de Hollywood anunciaram
um acordo quanto a um padrão
técnico para a produção e distribuição digital de filmes, depois de
mais de três anos de debate.
A curto prazo, os estúdios poderiam economizar milhões de dólares a cada ano ao eliminar a necessidade de revelar e distribuir
milhares de cópias de filmes às salas de cinema. No futuro, os estúdios poderiam distribuir por
meio de diversas plataformas digitais com um simples apertar de
botão. Os custos de produção,
transporte e embalagem de DVDs
seriam coisa do passado.
"Assim que tivermos sistemas
de vídeo a pedido, os custos cairão e os lucros subirão acentuadamente", disse Ryan Kavanaugh,
cuja empresa, a Relativity Media,
age como ponte financeira entre
Wall Street e Hollywood. "Seria
possível faturar muito menos na
bilheteria e ainda assim melhorar
os índices de lucros." O vídeo encomendado seria especialmente
atraente para os estúdios em sua
tentativa de penetrar no mercado
da China. Embora o país tenha
um dos menores índices per capita de telas de cinema, o acesso em
banda larga à internet vem crescendo rapidamente.
Como no caso de outras plataformas digitais, existe o risco de
pirataria. O setor perdeu US$ 3,5
bilhões no ano passado devido à
pirataria física, de acordo com a
MPAA (Motion Picture Association of America), organização setorial dos estúdios. Novas tecnologias de troca de arquivos como
o software BitTorrent podem em
breve tornar o download de filmes tão fácil quanto o de música,
o que amplia o risco de que os estúdios percam ainda mais bilhões
de dólares em roubos on-line.
"Você entra no quarto de um de
seus filhos, descobre o que eles
conseguem fazer com a internet e
fica simplesmente estupefato",
disse o presidente de um estúdio.
Ainda que nem todo mundo
concorde quanto à urgência, a lição extraída da situação da indústria fonográfica é que, ao adotar
novas tecnologias e tornar o conteúdo disponível a preços razoáveis e em diversos formatos, a indústria cinematográfica pode
chegar na frente dos piratas. Até
agora, Hollywood deu apenas pequenos passos, como o serviço
MovieLink, que ofereceu pequeno número de títulos para exibição temporária via internet.
Um obstáculo é a necessidade
de maior interconexão entre os
televisores e a internet de modo
que os consumidores não precisem assistir a filmes em seus computadores pessoais. Uma preocupação ainda maior é que, sem
uma melhor segurança digital, os
usuários poderiam produzir cópias de filmes em número ilimitado, e repassá-las a seus amigos.
"Há quase que uma paranóia
psicológica no sentido de que,
quando alguma coisa é lançada
em formato digital, sempre surgirá alguém capaz de reproduzi-la
usando engenharia reversa", disse
Sanders, explicando a relutância
dos estúdios em oferecer seus melhores produtos nesse formato.
Por fim, existe o risco de alienar
grupos de varejo como o Wal-Mart, maior vendedor mundial
de DVDs. Perturbar o relacionamento entre a empresa e os estúdios poderia representar um risco
em um momento no qual a proliferação de títulos em DVD vem
forçando os estúdios a lutar por
espaço nas prateleiras do varejo.
Mesmo que esses obstáculos sejam superados, a adoção generalizada da distribuição digital ainda
assim vai requerer alguma negociação entre os estúdios. A Time
Warner, por exemplo, que controla a Warner Brothers, provavelmente preferiria um serviço de
vídeo a pedido que ajudasse a
atrair assinantes para seu serviço
de acesso em banda larga. Mas
um plano como esse colocaria a
News Corp., controladora da 20th
Century Fox, em desvantagem, já
que o serviço de TV por satélite
que a empresa opera não poderia
oferecer vídeo a pedido.
A Universal, como empresa pura de conteúdo, está menos preocupada com a defesa de um modelo específico de distribuição.
Vem trabalhando em um sistema
conhecido como "canal de venda
eletrônico", que permite que os
usuários baixem um arquivo digital da internet e depois o transfiram a outros aparelhos ou até o
copiem em DVD.
Enquanto isso, todo mundo estará observando Wagner e "Bubble". Ainda que muita gente em
Hollywood esteja discretamente
prevendo o fracasso da idéia, o
empresário de internet não parece desanimado. "Hollywood nunca teve espírito empreendedor.
Eles nunca arriscam", diz. "Têm
de ser arrastados esperneando a
todas as mudanças."
Os dirigentes da indústria cinematográfica vão esperar que as
cortinas se abram.
Filas
Antigamente, Bruce Snyder,
presidente de distribuição nacional na 20th Century Fox, não precisava de computadores ou serviços de acompanhamento de bilheteria para saber que o estúdio
tinha um sucesso em mãos. Bastava sair dos escritórios da Fox em
Manhattan e dobrar a esquina,
chegando ao cinema Ziegfeld.
Se ele visse gente em fila para
entrar, sabia que o resultado seria
positivo. Não só a fila representava um grupo de compradores de
ingressos mas também servia para atrair os pedestres.
Em uma era de cinemas megaplex com dezenas de telas, filas
são coisa do passado -algo que
Snyder lamenta.
"Filas são sedutoras", diz.
"Creio que as filas expliquem parte do que perdemos."
Enquanto Hollywood sofre um
dos piores declínios de bilheteria
em 20 anos, com 10% menos espectadores que em 2004, Snyder
não é o único que sonha com o
passado. Os executivos de estúdios acreditam de maneira quase
unânime na necessidade de melhorar a experiência do cinema.
"O maior problema do cinema
hoje é a freqüência -fazer com
que as pessoas voltem às salas de
exibição. Também é preciso dar a
elas uma experiência diferenciada, quando o fizerem", diz Dick
Cook, presidente do conselho da
Walt Disney Studios.
Uma crítica comum aos cinemas é que perderam o encanto e
se tornaram ambientes cavernosos, homogêneos, nos quais é provável que celulares sejam deixados ligados e onde os espectadores geralmente são forçados a assistir a 15 minutos de publicidade
antes que o filme comece.
Boa parte da culpa pelo problema foi atribuída à consolidação
setorial iniciada nos anos 80, que
colocou milhares de salas de cinema sob controle de acionistas que
se interessam mais por lucros do
que por filmes.
No entanto, novos concorrentes
parecem ter percebido a insatisfação da audiência e ocuparam espaço no mercado. O grupo Muvico, da Flórida, criou salas de cinema de luxo com temas egípcios e
parisienses, com comida mais saborosa, lanterninhas e, em certos
casos, estacionamentos com manobristas. Diferentemente de boa
parte do setor, a empresa registrou 3% de alta em suas receitas
de bilheteria neste ano.
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