São Paulo, quinta-feira, 28 de agosto de 2008

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VINICIUS TORRES FREIRE

Nunca, antes, devagar e sempre


Apesar de si mesmo, lulismo-petismo tem boas marcas na área fiscal, o que quer estragar

2008 VAI ser um ano de "nunca antes". Jamais o déficit do governo terá sido tão baixo desde que há estatísticas decentes, 1991. O hoje esquecido déficit da Previdência vai cair pela segunda vez de um ano para outro, talvez para menos de 1,5% do PIB. Apesar dos aumentos reais do salário mínimo sob Lula, o crescimento econômico, a formalização do emprego e um tico de "reforma" dos anos FHC contiveram a deterioração dessa conta. Ao final do ano, é muito provável que se verifique que, nunca antes, tanto o governo federal como o setor público inteiro terão feito um superávit primário tão grande.
As tantas viúvas do tucanato vão se remoer, ressentidas, da ironia da história (assim como os petistas "autênticos". Ainda existem?): a "responsabilidade fiscal" luliana. Mais que irônica, aliás, a história tem sido sarcástica.
Lembre-se de que, sob FHC 1, além de déficits fiscais primários, havia ainda manipulação da taxa de câmbio, surtidas secretas do BC no mercado futuro, auxílio nada transparente a banco quebrado, várias trocas no comando do BC (cadê a autonomia?), atropelamento de agência reguladora (como no caso da Aneel, no apagão), politização de privatização (como no caso das teles) etc. O sarcasmo não pára aí. O que o tucanato plantou de melhor, mudanças institucionais na economia, brotou e floresceu na horta do lulismo.
Claro que esse é um relato perverso da história do "Brasil estável", pós-1995. Um relato pervertido, em primeiro lugar, com o objetivo de colocar em perspectiva os mitos do tucanismo de direita, a sua história de que a administração econômica lulista-petista desgraçou uma herança de ordem, progresso e estabilidade quase-liberais. O lulismo-petismo desgraçou muitas outras coisas, entre elas os restos de respeitabilidade da idéia de esquerda, mas não o paraíso perdido do Brasil da competência tucana.
O relato é pervertido também por se iniciar com os números brutos do aparente sucesso fiscal de Lula. Ontem mesmo, o governo manifestou a intenção de dar uma arruinada no resultado desse período de bonança, do crescimento exuberante da receita de impostos. O governo anunciou seu Orçamento para 2009.
O governo federal pretende aumentar a despesa com o funcionalismo para 4,9% do PIB, despesa "permanente", num ano em que, o próprio governo admite, o país vai crescer menos, assim como provavelmente a receita de impostos. Tal despesa vai voltar ao que era nos piores anos de FHC 1. E propôs outro aumento do salário mínimo (e da despesa do INSS) acima do crescimento do PIB, despesa permanente.
Lula vai perder a chance de chegar logo a um "nunca antes" de fato relevante -superávit nas contas do governo e reduções decisivas na dívida pública, quiçá um dia nos impostos.
"Fiscalismo"? A dívida pública cai de modo revoltantemente lerdo e custa em juros cerca de 6,3% do PIB (o investimento direto do governo federal é menor que um sexto disso). A dívida não cai mais rapidamente porque o governo deita e rola na bonança, que é sempre temporária.
Passaram os tucanos pelo governo, e o lulismo-petismo também vai passando. Era o que havia de melhor ou menos pior na política brasileira. E vamos, como nunca, devagar e sempre.


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