São Paulo, quinta-feira, 28 de agosto de 2008

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PERFIL

Poli e política foram duas grandes paixões

A 1ª se relaciona ao império que Setubal criou; a 2ª trouxe frustrações

OSCAR PILAGALLO
ESPECIAL PARA A FOLHA

A vida pública de Olavo Setubal foi marcada por duas grandes paixões: a Poli e a política. A primeira, por estar na origem do império econômico que criou; a segunda, apesar das frustrações que lhe trouxe.
Poli é como é mais conhecida a Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, onde Setubal se formou engenheiro, contrariando o conselho paterno. Seu pai, o poeta parnasiano Paulo Setubal, queria que ele fosse advogado. "O Brasil é a terra dos advogados", disse, numa última conversa com o filho, já ciente da morte próxima, que lhe chegaria aos 44 anos.
O argumento, no entanto, não sensibilizou o garoto que, nascido em 1923, tinha 13 anos.
Pouco depois Olavo começou a fazer o curso preparatório que o lavaria à faculdade.
Formado em 1945, deu o primeiro passo como empresário já dois anos depois. Junto com um colega, fundou a Artefatos de Metal Deca, uma fábrica de fundo de quintal. Sem dinheiro, eles tomaram um pequeno empréstimo, em que contribuíram em partes iguais o pai de seu sócio e o industrial Aldo Mário de Azevedo, seu sogro.
Embora o empreendimento tenha vingado, não foi esse o verdadeiro embrião do conglomerado que Setubal construiria. Esse papel coube à Duratex.
Fabricante de chapas de fibra de madeira prensada, a Duratex era uma empresa de grande porte, tecnologicamente sofisticada, mas estava ameaçada por dívidas e vendas pequenas.
O negócio havia sido montado por Eudoro Villela, casado com a filha de Alfredo de Souza Aranha, seu tio materno. Foi Souza Aranha quem chamou o sobrinho, dando-lhe carta branca para salvar a Duratex.
Setubal desincumbiu-se da missão controlando custos, reestruturando a contabilidade e organizando um departamento de vendas. Na seqüência, recuperou o Moinho Santista, outra empresa do tio.
Aprovado por Souza Aranha, Setubal assumiu, no final dos anos 50, a direção do pequeno Banco Federal de Crédito, o 150º num universo de 200.
Nos primeiros anos, houve racionalização contábil, aprimoramento gerencial e avanços tecnológicos, inclusive com a compra de primitivos computadores a válvula.
O banco estava preparado para crescer quando, em 1965, a legislação bancária do novo regime militar pavimentou o caminho para a consolidação de grandes grupos financeiros por meio de fusões.
No ano seguinte, o ainda pequeno mas já eficiente BFC comprou o Itaú, de Jorge Oliva.
Setubal contava que, no primeiro encontro que tiveram, ele quebrou o gelo ao descobrir que eram ambos egressos da mesma escola. "A minha formação de engenheiro e a conversa entre dois graduados pela Poli permitiram a fusão entre o BFC e o Itaú."
Essa foi a primeira de uma série de fusões, incluindo a que absorveu o Banco União Comercial, de Roberto Campos, um dos artífices das reformas econômicas do governo do general Castello Branco.

Estratégia para o topo
A estratégia de Olavo Setubal empurraria o Itaú, dez anos após a primeira aquisição, para a posição de segundo colocado no ranking dos bancos privados, atrás apenas do Bradesco.
Carro-chefe da Itaúsa, um dos maiores conglomerados financeiro-industriais do país, o Itaú registrou em 2007 lucro de R$ 8,5 bilhões e patrimônio líquido de R$ 28,9 bilhões.
Depois de colocar o Itaú no lugar que ele ocupa até hoje, Olavo Setubal interessou-se pela política.
Sem experiência em administração pública, assumiu a Prefeitura de São Paulo em 16 de abril de 1975 -no dia em que completou 52 anos.
Naquela altura, em plena ditadura militar, os prefeitos das capitais eram escolhidos pelos governadores. Setúbal foi nomeado por Paulo Egydio Martins.
Sem voto e sem trajetória política, fez um governo que, se não foi popular, foi bem avaliado até por críticos do regime que ele, no nível municipal, representava.
Não realizou grandes obras, como Prestes Maia, Faria Lima e Paulo Maluf. Preferiu investir em serviços, dando prioridade a educação, saúde e transporte.
Credenciado por uma administração aprovada, Setubal era candidato à sucessão de Paulo Egydio em São Paulo na eleição indireta de 1978, mas acabou sendo preterido pelo favorito do presidente Ernesto Geisel, o ex-governador Laudo Natel, que, por sua vez, seria derrotado na convenção da Arena por Paulo Maluf.

Política nacional
O revés acabou jogando-o na política nacional. Convidado por Tancredo Neves, Setubal presidiu a seção paulista do Partido Popular, uma das agremiações surgidas com o fim do bipartidarismo.
Formado por arenistas dissidentes e emedebistas moderados, o PP era chamado de "oposição confiável". Ou de "partido dos banqueiros", já que, além de Setubal, contava com Magalhães Pinto, do Banco Nacional.
O partido durou pouco. No início de 1982, foi incorporado pelo PMDB, com o voto contrário de Setubal. Ainda assim, a proximidade com Tancredo lhe rendeu a indicação para o Ministério de Relações Exteriores, cargo que ocupou no início do governo José Sarney.
Setubal ficou menos de um ano no Itamaraty. Deu tempo para pouca coisa além de iniciar o processo de retomada de relações diplomáticas com Cuba e de enfrentar interesses americanos defendendo a reserva de mercado para o setor de informática.
A saída precoce do governo federal foi motivada pela ambição política. Já filiado ao PFL (Partido da Frente Liberal, o atual DEM), planejava disputar a eleição governamental de 1986 em São Paulo.
O projeto, porém, foi abortado na própria legenda, que lhe negou o controle da máquina partidária, que ele julgava necessário para enfrentar as urnas pela primeira vez.
Decepcionado, despediu-se da política. "Descobri que banqueiro não serve para disputar eleição direta", comentou na época.
"Banco vende confiança, um produto muito volátil e que, pelos ataques de uma campanha política, pode ser ainda mais volatizado."
Voltou ao Itaú. Faltava encaminhar sua própria sucessão, o que faria nos anos 90, indicando dois de seus sete filhos com Tide de Azevedo: Roberto assumiu a área financeira e Paulo, a industrial.
Nos últimos anos, afastado de funções executivas, acompanhava os rumos dos negócios e do Brasil em almoços com diretores do grupo. Aprovava a política econômica do presidente Lula, a quem achava "extremamente conservador", opinião que verbalizava com a voz de baixo profundo que lhe valeu o apelido de Trovão.
Viúvo, casara-se novamente em 1980 com Daisy. Apreciava viagens, mas, por conselho médico, só ia cidades com estrutura hospitalar. A limitação, porém, não era um estorvo: Olavo Setubal gostava de flanar pelas ruas de Paris.


OSCAR PILAGALLO é jornalista e autor de "A História do Brasil no Século 20" (em cinco volumes, pela Publifolha).


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