São Paulo, Sábado, 28 de Agosto de 1999
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OPINIÃO ECONÔMICA

Guerra fiscal: quem vence, afinal?

DAGOBERTO LIMA GODOY

O que os investidores procuram e valorizam, quando buscam um local adequado para seu empreendimento, além de outros fatores estratégicos, como localização, "capital humano" e cultura de valorização do trabalho, todos esses fora do alcance das administrações estaduais do momento? O que, afinal, um governo, interessado em atrair (e reter) investimentos geradores de empregos e de desenvolvimento, pode oferecer como política eficaz de atrativos?
A resposta decerto é pacífica em um ponto: infra-estrutura econômica e social provedora de facilidades logísticas, apoio operacional e qualidade de vida. Estranhamente, há muita dificuldade em aceitar que a outra oferta decisiva esteja no campo tributário, donde toda a polêmica sobre a chamada "guerra fiscal" entre Estados. Mas será tão difícil compreender que, diante da voracidade arrecadadora dos governos e de um sistema tributário vulnerável à sonegação, os incentivos tributários adquiram até preponderância, como diferencial competitivo? Tanto é assim que a oferta de vantagens tributárias é uma prática corrente mundo afora, inclusive nos Estados Unidos, na disputa por investimentos produtivos.
A questão fica confusa pela forma como geralmente é posta, como se apenas as empresas fossem beneficiadas, em detrimento da população. Mas esta, além de ter o maior interesse no impulso que os investimentos dão à atividade econômica e ao mercado de trabalho locais, deve também preferir os governos que se esforçam por oferecer mais, cobrando menos impostos. Pois, para estimular essa desejada produtividade governamental, nada como estabelecer a comparação entre as administrações estaduais, isto é, estender também ao setor público o estímulo salutar da competição, que todos aprenderam a exigir das atividades privadas, sejam elas das empresas ou dos profissionais liberais, dos esportistas ou até dos artistas.
Assim, a solução para os malefícios atribuídos à "guerra fiscal" entre Estados brasileiros não virá do Confaz, que tem todo o jeito de um cartel de cobradores de impostos, mas só será obtida com uma verdadeira reforma tributária, que, de forma estrutural, impeça que o governo de um Estado, ao conceder incentivos, "faça cumprimentos com os chapéus dos outros".
Nas últimas semanas, a polêmica concentrou-se em torno dos incentivos concedidos pela União para a instalação da planta da Ford na Bahia. Creio que, por detrás das críticas a casuísmos e exageros que estariam contidos na medida, estão duas razões que devem ser repelidas, por não interessar ao país.
A primeira é a dos governantes comodistas, que pretendem entrincheirar-se no Confaz, para cartelizar sua sanha arrecadatória e uniformizar a derrama, que já sangra quase um terço de tudo o que se produz no Brasil. Se os incentivos forem proibidos, os empreendedores não terão como escapar da sangria, pelo menos dentro do território nacional. Por exemplo, o atual governo gaúcho -depois de romper o contrato que trouxera a Ford para o Rio Grande do Sul, contestando os incentivos contratados pelo governo anterior- apostava que a montadora não instalaria a planta em nenhum outro Estado brasileiro. Parecia até torcer por isso.
A segunda vem das regiões hegemônicas, equivocadamente aferradas à centralização econômica que as privilegiou, em detrimento das áreas periféricas e do desenvolvimento harmônico do país. Veja o caso de São Paulo, beneficiado há mais de quatro décadas pelo atual sistema tributário por uma perversa transferência de renda, propiciada pelo mecanismo do ICMS na origem, ou seja, arrecadado majoritariamente no local da produção dos bens, não importa se consumidos em outro Estado. Soam mal, assim, aos ouvidos de quem tem um verdadeiro sentimento nacional, as críticas vindas dos paulistas, toda vez que um Estado da periferia industrial apela para uma política mais agressiva de incentivos, na luta por sua industrialização (como faz agora a Bahia). Enquanto isso São Paulo fecha-se em si mesmo. Feitas bem as contas, a verdade é que São Paulo está vencendo de goleada a tal "guerra fiscal".
O que temos a fazer é lutar por uma verdadeira reforma tributária -como a proposta pelo deputado Luiz Roberto Ponte-, que impeça a concorrência predatória e as retaliações entre os Estados, os quais devem ser parceiros na promoção do desenvolvimento nacional. Mas que, ao mesmo tempo, permita a salutar competição entre governos, para que se destaquem aqueles mais capazes de, com seus próprios recursos, construir um ambiente atrativo e promissor para os investimentos produtivos, sem os quais o desenvolvimento não será possível, se o quisermos harmônico e abrangente a todo o povo brasileiro.


Dagoberto Lima Godoy, 61, engenheiro, é vice-presidente da CNI


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