São Paulo, Sábado, 28 de Agosto de 1999
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LUÍS NASSIF

O paradoxo do ajuste fiscal

Há componentes políticos atrapalhando, há dúvidas sobre a aprovação das reformas constitucionais, mas seguramente o que está monitorando as expectativas dos investidores internacionais em relação ao Brasil é a percepção cada vez maior de que será impossível gerar superávits fiscais continuados para conter o crescimento da dívida pública. E não é por conta de déficits da Previdência e quetais. É pela simples análise do custo financeiro da dívida pública.
Esta vai ser a grande discussão econômica do próximo ano: as metas fiscais exigidas por essa dívida maluca, produzida pela antiga política cambial e monetária, são incompatíveis com a agenda política e econômica do país.
O que está ocorrendo neste ano, talvez no próximo, é apenas o esperneio, uma luta insana para gerar superávits fiscais, à custa do prolongamento da recessão, de pressões de custos por conta da escalada fiscal, e adiar por mais algum tempo a hora da verdade em relação à dívida pública.
Aliás, louvem-se o governo, consultores e analistas que defenderam até a morte a manutenção da política cambial anterior: conseguiram quebrar o país.
É curioso que se venha agora depositar na reforma da Previdência a responsabilidade pelo saneamento das contas públicas. É evidente que o equilíbrio da Previdência é uma meta a ser perseguida. Só que a premissa de que o equilíbrio da Previdência permitiria o equilíbrio orçamentário foi por água abaixo porque existe agora uma conta de juros que tornou inviável qualquer ajuste fiscal.
Em seu depoimento ao Congresso, aliás, Gustavo Franco sustentou que repetiria de novo sua atuação à frente do BC. Como é possível, se toda sua resistência à mudança cambial baseava-se em uma premissa que os fatos se encarregaram de demonstrar que era falsa: a de que a inflação explodiria? Se mesmo com a mudança cambial e a redução dos juros não se conseguiu estabelecer um cenário confiável de reversão da trajetória de crescimento da dívida pública, como julgar que seria possível persistir no quadro anterior, onde a âncora básica eram taxas de juros inacreditavelmente elevadas?
Em grandes desastres, o que se procura salvar do incêndio são pelo menos lições. Parece que nem isso se aprendeu. A realidade continua a ser analisada topicamente, em pedaços, tomando-se a parte pelo todo, não se estabelecendo relações de causalidade.
No período anterior, a cada mês que passava a dívida pública ia aumentando, o serviço da dívida ampliando, e esse povo na história de que "enquanto não obtiver superávit fiscal não pode reduzir os juros", e os juros aumentando e a dívida pública aumentando e o serviço da dívida aumentando, e se falando que não poderia reduzir juros enquanto não se obtivesse superávit fiscal. E toca a inviabilizar o ajuste fiscal por conta da manutenção dos juros elevados, que não podiam ser reduzidos enquanto não se acertasse o ajuste fiscal que os juros inviabilizaram. Entendeu? Nem eu. É a neociência econômica.
Agora, repete-se o mesmo pensamento monofásico da primeira etapa. A cada mês que passa, o superávit fiscal pretendido prolonga a recessão e derruba a credibilidade do governo, enfraquecendo-o para a aprovação de medidas que são fundamentais para se obter o superávit fiscal, e não se reverte o descrédito internacional em relação à trajetória da dívida. E esse pessoal trabalhando em cima de um cenário único porque é inimaginável analisar qualquer outra hipótese -como, por exemplo, a de que essas metas de superávit fiscal continuado podem ser política e economicamente inviáveis.


E-mail: lnassif@uol.com.br



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