São Paulo, segunda-feira, 28 de outubro de 2002

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EUROPA

Economia se deteriora desde a 2ª Guerra Mundial; em 2001, os custos da produção eram os mais altos do planeta

Alemanha cresce só 1,4% após unificação

MARTIN WOLF
DO "FINANCIAL TIMES"

O desempenho econômico da Alemanha vem se deteriorando, década por década, desde a 2ª Guerra Mundial. Nos anos 90, a Alemanha tornou-se a doente da Europa, com crescimento de 1,4% após o boom da unificação. Agora, a maior economia da Europa mal consegue dar conta das normas fiscais da zona do euro.
A ironia de tudo isso é que essas regras, sem falar nas metas e políticas do Banco Central Europeu (BCE), foram idéias da própria Alemanha. O país está preso numa armadilha que ele mesmo criou.
Uma resposta natural consiste em sugerir que algo esteja dando errado no funcionamento da união monetária. Mas essa resposta está errada. A união monetária está funcionando exatamente como deveria, embora a dor seja exacerbada pela meta inflacionária baixa do BCE.
O pacto de estabilidade e crescimento pode ser estúpido, como afirmou, na semana passada, o presidente da Comissão Européia, Romano Prodi. Mas o que está acontecendo à Alemanha não é consequência desse pacto.
Hoje, a inflação na zona do euro varia entre 1%, na Alemanha, e perto de 4% na Grécia, Irlanda, Espanha, Holanda e Portugal. A taxa de juros de curto prazo do BCE, 3,25%, significa, portanto, uma taxa real fortemente positiva na Alemanha, mas negativa nos países de inflação alta.


Apesar do dólar forte, os custos da hora trabalhada alemã ainda eram 12% superiores à americana


O ônus maior de uma política monetária desinflacionária deve recair sobre os países que têm a inflação menor. Normalmente, o país que tem a inflação menor também apresenta crescimento fraco. É provável, então, que esse país também seja o que terá a maior dificuldade em cumprir seus objetivos fiscais.
Assim, o país atrasado se vê preso num círculo vicioso de crescimento lento, inflação baixa, taxas de juros reais altas e crescimento ainda mais lento. No entanto, esse arrocho é exatamente como o ajuste deve funcionar.
A Alemanha pós-unificação precisava de uma depreciação real significativa. Dentro de uma união monetária, tal depreciação ocorre por meio de uma inflação relativamente baixa (ou, mais precisamente, de aumentos relativamente baixos nos custos unitários da mão-de-obra na moeda comum). Ademais, quanto maior a distância entre a inflação alemã e aquela do restante da zona do euro, mais rápido será o ajuste.
Em 2001, segundo o departamento americano de estatísticas do trabalho, os custos da hora trabalhada no setor manufatureiro eram os mais altos do mundo, apesar de o país ter o ônus da baixa produtividade da antiga Alemanha Oriental.
Apesar do dólar forte, os custos da hora alemã trabalhada ainda eram 12% superiores aos da americana, 43% superiores aos da britânica, 45% superiores aos da francesa e 66% superiores aos da italiana.
Esses custos não são equilibrados por uma produtividade maior. De acordo com o Instituto Nacional Britânico de Pesquisas Econômicas e Sociais, a produção alemã por hora no setor manufatureiro era 29% superior à do Reino Unido em 1999, mas 2% inferior à da França e 17% inferior à dos Estados Unidos.
O último relatório de Perspectivas Econômicas Mundiais do FMI afirma que, em 2001, o PIB por hora da Alemanha estava abaixo do da França e do da Itália e 6% acima do do norte-americano. A premissa de que a taxa de câmbio real esteja sobrevalorizada é confirmada por três outras evidências.
Em primeiro lugar, a lucratividade das grandes empresas (a razão entre lucros e capital empregado) parece ser inferior à de outros países da zona do euro. Dados publicados no relatório britânico de tendências econômicas para outubro de 2002 situam a lucratividade da Alemanha em 6,4% em 2000, bem abaixo dos 9,3% da Espanha, 11,3% da Itália e 15,1% da Finlândia, embora difira pouco dos 6,7% da França.
Em segundo lugar, a participação da Alemanha nas exportações mundiais caiu de cerca de 10,4% em 1992 para 8,5% em 2001. Boa parte dessa queda ocorreu na época da unificação. Mas a queda não se inverteu, apesar do baixo crescimento da demanda.
Em terceiro lugar, o crescimento do emprego tem sido cronicamente fraco. De acordo com uma fascinante análise do desempenho econômico da Alemanha feita pela Comissão Européia, o emprego em tempo integral diminuiu 0,2% ao ano entre 1996 e 2000. Durante o mesmo período, ele aumentou 1% ao ano na França, 0,8% ao ano na Itália e 2,1% ao ano nos Estados Unidos.
Contra esse argumento, vale notar que, entre o segundo trimestre de 1992 e o segundo trimestre de 2002, o aumento nas exportações líquidas gerou até 35% de demanda incremental. Mas esse argumento não é muito convincente.
A principal razão pela qual as exportações líquidas têm sido tão importantes é a fraqueza do consumo e dos investimentos. O consumo subiu apenas 14%, em termos reais, nestes dez anos (um índice composto de 1,3% ao ano), enquanto o investimento caiu 7%.
A causa principal da fraqueza do consumo é o aumento muito lento da renda pessoal disponível. Por trás disso, por sua vez, está a fraqueza crônica do emprego e ainda a queda nos investimentos após a unificação.
Além disso, a fraqueza do marco alemão e depois do euro contra moedas estrangeiras, especialmente o dólar e a libra, desde 1995 aumentou a competitividade geral da Alemanha. De acordo com o FMI, a competitividade, medida pelos custos unitários relativos da mão-de-obra, voltou aos níveis de 1991, após uma queda real de quase 25% em relação ao pico alcançado em 1995.
Mas isso não basta. A unificação aumentou a oferta potencial de mão-de-obra alemã em um quinto, sem qualquer aumento correspondente no estoque de capital.
Após o boom inicial pós-unificação, o país precisava de uma depreciação real que fizesse os custos unitários relativos da mão-de-obra cair para abaixo dos níveis alemães ocidentais iniciais. A nova Alemanha não poderia florescer como o país mais caro da Europa. Mas ainda é o mais caro e ainda não floresceu.


A participação da Alemanha nas exportações mundiais caiu de 10,4%, em 1992, para 8,5% em 2001


A Alemanha pós-unificação tem uma taxa de câmbio real sobrevalorizada. Essa situação foi aliviada, pelo menos temporariamente, pela fraqueza do marco alemão depois de 1995 e, mais tarde, do euro. Mas é preciso haver uma correção no interior da zona do euro. Se o BCE persistir com sua meta inflacionária baixa, a Alemanha terá -e precisará ter- um período longo de inflação muito baixa, possivelmente de deflação. Com o tempo, ocorrerá o ajuste necessário nos preços relativos. É o que os franceses costumavam chamar de desinflação competitiva. Provocou anos de sofrimento. Agora é chegada a hora de a Alemanha sofrer.
Não se trata de um desafio cíclico, mas estrutural. É o que acontece com um país que ingressa numa união monetária com uma taxa de câmbio real sobrevalorizada. A Alemanha arrumou sua própria cama, incômoda, e agora terá que deitar-se nela.


Tradução de Clara Allain

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