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São Paulo, terça-feira, 28 de outubro de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

"A esperança venceu o medo"

BENJAMIN STEINBRUCH

Faz exatamente um ano. Passava da meia-noite e já era segunda-feira, 28 de outubro de 2002. Em seu primeiro discurso público pós-eleitoral, na avenida Paulista, em São Paulo, Lula fez demorados agradecimentos a todos os que o haviam ajudado a chegar à Presidência da República.
Cerca de 50 mil pessoas ouviram o então presidente eleito citar um companheiro atrás do outro, vivos e mortos, com a cabeça "virando um parafuso", de tantos nomes que lembrava, como ele mesmo definiu. Muitos choraram no fim da manifestação, quando a multidão cantou o Hino Nacional.
Uma hora antes, em breves palavras aos jornalistas no Hotel Intercontinental, Lula havia dito a frase que ficou famosa: "A esperança venceu o medo".
Foi uma frase cuidadosamente pensada pelos marqueteiros da campanha, mas Lula estava certo. Nessa história toda, os brasileiros tiveram mesmo de superar alguns medos. Na campanha eleitoral, como disse o próprio Lula na avenida Paulista, o medo das bandeiras vermelhas do PT e da barba dos militantes. Depois, quando o governo se instalou, o medo de políticas econômicas irresponsáveis.
Um ano depois da eleição, muita coisa se fez. A inflação, que ameaçava voltar, foi controlada. A taxa de câmbio estabilizou-se. Os juros já baixaram bastante (não o suficiente). As exportações cresceram a ponto de levar o Banco Central a prever, pela primeira vez desde 1992, um superávit na conta corrente do balanço de pagamentos. As reformas tributária e previdenciária, bem ou mal, avançaram. O risco Brasil desabou e a confiança do mercado internacional em relação ao país foi totalmente restabelecida.
Tudo isso foi muito bom, mas acabou a fase em que o novo governo atuou para debelar medos de atitudes irresponsáveis e para provar sua confiabilidade ao país e ao mercado externo. Agora, deve começar a fase da coragem para enfrentar problemas fundamentais que emperram o país, como a estagnação da economia, responsável pela falta de emprego e pela baixa renda.
No histórico discurso na madrugada da avenida Paulista, Lula lembrou que sua mãe, que "nasceu e morreu analfabeta", sempre lhe ensinou que "um homem não pode perder o direito de andar de cabeça erguida e olhar nos olhos das pessoas". Ele está cumprindo o conselho da mãe. Tem sido correto, transparente e admirado no país e no exterior. Mas, para seguir adiante, terá de passar à segunda fase do governo. Fome Zero é programa de estadista, mas é paliativo. A fome se cura para sempre com medidas obstinadas em favor do desenvolvimento.
Desde que Lula tomou posse, a economia tem andado de lado. O desemprego aumentou seguidamente e passou de 10,5% em dezembro para 13% em agosto, segundo o IBGE. Desemprego se combate com crescimento contínuo da economia e isso exige ações corajosas de redução de juros, de formulação de política industrial e creditícia para incentivar a empresa nacional e o consumo e de políticas públicas para a criação de emprego em grande escala.
A austeridade fiscal do governo, nessa primeira fase, mereceu elogios. Governos populistas e gastadores levam à falência do Estado e à calamidade pública. Não é necessário manter nos próximos anos o nível de superávit realizado no atual exercício. Com a redução dos juros, que alivia o encargo da dívida pública, é possível fazer um superávit menor e destinar mais recursos para obras de reconstrução da infra-estrutura arruinada, para a saúde, o saneamento, a moradia e a educação e para outras iniciativas que atuem diretamente na construção do bem-estar da população.
Lula cumpriu a primeira parte de sua missão e conquistou a confiança de todos. Cabe, agora, enfrentar a segunda parte, para tentar realizar aquilo que prometeu ao encerrar seu discurso na Paulista, exatamente um ano atrás: fazer o brasileiro voltar a sorrir.


Benjamin Steinbruch, 50, empresário, é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.
E-mail - bvictoria@psi.com.br


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