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São Paulo, terça-feira, 28 de outubro de 2003

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LUÍS NASSIF

A lógica da jabuticaba

Um dos episódios mais significativos da lógica dos cabeças de planilha ocorreu recentemente, por ocasião da eleição de Pérsio Arida para "economista do ano", pelo Conselho Regional de Economia de São Paulo.
Arida foi um economista brilhante. Seus escritos dos anos 80 são um primor de clareza, lógica e imaginação criadora.
Desde o Cruzado, no entanto, por opção pessoal, talvez desencantado com os desdobramentos do plano, Arida se desinteressou pela economia. O Plano Real, uma obra-prima de engenharia monetária, foi rescaldo do conhecimento acumulado nos anos 80 em torno de um tema específico: a inflação inercial. Em que pese o conhecimento teórico sólido, ele e seu parceiro André Lara Rezende se especializaram, em toda a sua vida acadêmica, em um tema específico: a inflação inercial -ao contrário de outros estudiosos do tema, como Yoshiaki Nakano e Luiz Carlos Bresser Pereira, que, a partir dos anos 90, evoluíram em outras frentes, com uma visão mais sistêmica da economia.
Indicado "economista do ano" -curiosamente não pelo conjunto da obra, o que seria meritório, mas pela produção do ano, que não houve-, Arida precisava justificar a honraria. Aí apresentou o repto ao país: os economistas precisam se esforçar para descobrir por que a taxa de juros de equilíbrio é de 8% ao ano. Essa "taxa de equilíbrio", assim como a jabuticaba, só dá no Brasil, disse Arida.
Tornou-se um verdadeiro Caramuru. No país inteiro as tabas econômicas tremeram e passaram a discutir o desafio da jabuticaba. O ministro da Fazenda convidou-a a expor o enigma dos 8% em Brasília. Editoriais adotaram postura grave para falar da importância de desvendar o segredo da jabuticaba.
Qual a lógica da jabuticaba? A economia brasileira oligopolizou-se nos anos 90, diz Arida. Todo dia a empresa olha a taxa futura de juros e compara com a inflação esperada. Se a taxa real for inferior a 8%, ela começa a reajustar preços.
A formação de preços de uma empresa obedece a condicionantes diretamente ligadas ao mundo real. As estratégias das empresas levam em conta o potencial do mercado de consumo, a renda, a estrutura de custos -em que o câmbio tem sido a variável mais volátil. Não há nada que fuja muito da velhíssima e pouquíssimo sofisticada lei da oferta e da procura. Há demanda? Aumentam-se os preços. Não há demanda? Derrubam-se. Quer aumentar market share? Derrubam-se os preços. Quer aumentar a rentabilidade? Aumentam-se os preços, desde que haja demanda. Há exportação? Arbitram-se os preços entre mercado interno e externo.
Nos últimos anos, todos os suspiros inflacionários ocorreram por problemas com o câmbio e, no seu rastro, tarifas. Não existe nem sequer uma observação empírica de que preços foram reajustados por conta da redução da taxa real futura de juros.
Na verdade, a lógica da jabuticaba -que só dá no Brasil e arredores- é tentar converter todos os fenômenos reais da economia, todos os princípios básicos de funcionamento de mercado em formulações monetárias.
Só a superficialidade dos cabeças de planilha para transformar essa boutade em moda.

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