São Paulo, domingo, 28 de outubro de 2007

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Cliente tem de ser ouvido, dizem especialistas

Na opinião de advogados, Receita e Polícia Federal têm obrigação de investigar compradores de mercadorias da Cisco

Para ex-secretário da Receita, um das partes mais difíceis da investigação é reunir provas materiais de que os clientes podem estar envolvidos

DA REPORTAGEM LOCAL

É obrigação da Receita Federal e da Polícia Federal ouvir os clientes da Cisco, empresa que é o principal alvo da Operação Persona. A opinião é de tributaristas, advogados e especialistas em comércio exterior consultados pela Folha.
"É preciso verificar o preço real que as empresas [clientes da Cisco] pagaram pelos produtos. Se o preço for efetivamente igual ou menor do que o preço cobrado no mercado norte-americano, a questão ultrapassa o delito da sonegação e do contrabando e passa a ser de receptação [de material ilícito]", afirma o advogado Paulo Bonadies, do escritório Annoni Bonadies Alvim Coelho & Kömel Jr. Advogados.
A questão é polêmica para Douglas Yamashita, advogado tributarista do escritório Miguel Silva & Yamashita Advogados. "Em tese, quem adquire mercadoria com isenção ou redução de Imposto de Importação é, do ponto de vista tributário, solidariamente responsável. Do ponto de vista penal, entretanto, exige-se comprovação de que a compradora era cúmplice. Mas, se o esquema [investigado na Operação Persona] era oculto, como o cliente poderia saber?", questiona.
Para o ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel, um das partes mais difíceis da investigação é reunir provas materiais de que os clientes podem estar envolvidos. "É preciso encontrar provas materiais, como troca de correspondências e negociações que revelem a tentativa de camuflar a importação por meio da Mude [distribuidora da Cisco]."
Se a investigação constatar que havia vinculação entre as empresas -as clientes da Cisco, a Cisco e sua distribuidora, a Mude-, "as empresas podem, sim, ser qualificadas como contribuintes solidários".

Impacto
O ex-secretário da Receita Federal afirma ter ficado "surpreso" com o envolvimento da Cisco no suposto esquema de sonegação fiscal investigado na Operação Persona.
"Tudo parece inverossímil pelo porte da empresa. Ao mesmo tempo, as pessoas da Receita que participam da operação são muito sérias", afirma.
A participação da Cisco no caso é tão "surpreendente" que, segundo ele, as ações da companhia no exterior não sofreram impacto com as notícias de seu envolvimento em suposto esquema de fraude fiscal. "Parece até que os donos das ações não acreditaram [na suposta fraude]."
Na última semana, as ações da Cisco nos EUA se valorizaram. Na última sexta-feira, subiram 2,31% na Nasdaq.

Argentina
Segundo Maciel, sempre "surpreende" ver grandes multinacionais envolvidas em escândalos. "Um dos últimos de que me lembro ocorreu com a IBM na Argentina, durante o governo Menen [Carlos Menem, de 1989 a 1999]. Ele informatizou os serviços da Receita Federal argentina, quem assumiu foi a IBM. Foi um escândalo de tal porte que modificou o "business" da empresa, como pode acontecer com a Cisco, caso se comprove que realmente houve irregularidades", diz.
No escândalo da Argentina, que estourou em 1994, a IBM teria pago US$ 37 milhões em propinas para conseguir a exclusividade de informatizar as 525 agências do Banco Nación no país. Os diretores do banco foram acusados pela Justiça de ter dirigido a licitação a favor da empresa IBM.
(CLAUDIA ROLLI E FÁTIMA FERNANDES)


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